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CAPÍTULO 6: VOLUNTÁRIOS

6.2.2. Valorização das atividades e relacionamentos sociais

O segundo tema categorizado no segmento voluntário é a importância que esses sujeitos dão às atividades que proporcionam o vínculo dos moradores com o mundo social, incluindo os relacionamentos dentro do asilo e fora dele.

As atividades que envolvem música, construção criativa, como o artesanato, e cuidados pessoais são vistos como o diferencial para a diminuição da vida solitária e ociosa do asilo. São recursos que facilitam a aproximação e a interação entre os moradores e com as pessoas de fora da instituição.

Através das atividades sociais, é possível fazer uma intervenção no ambiente institucional, que Siqueira e Moi (2003) chamam de familiaridade:

Ambiente que usa referências históricas e soluções baseadas na tradição oferece um senso de familiaridade e continuidade. Tornar o ambiente o menos institucional possível e levar os idosos a perceberem a instituição com pertencente a eles é um desafio para os dirigentes (p. 178).

Quando há uma preocupação em conhecer as histórias de vida e as tradições dos moradores, valorizam-se a cultura e o conhecimento que esse idoso tem. A participação dos moradores no encontro com os sanfoneiros é um exemplo da força das tradições e da memória cultural. Os moradores escutam, tocam e cantam canções de seu repertório consolidando uma interação sócio-cultural. O mesmo pode ser observado das festas juninas que fazem parte dos costumes e hábitos dos moradores. São atividades que favorecem a inclusão social e a troca cultural. A ausência da apresentação da banda nas últimas datas festivas, tão notada pelos sujeitos na pesquisa, mostra o potencial de agrupamento das atividades tradicionais.

Cassiano (2001) descreve que os costumes e as tradições genuínas estão em constante mudança e adaptação. A sua função nas sociedades é dar sanção a qualquer mudança desejada ou que apresente resistência.

... embora as transformações rápidas da sociedade debilitem os padrões sociais tradicionais, produzindo novos padrões, a continuidade do ritual, incluindo a capacidade de adaptação e recriação dos repertórios, tem como finalidade restabelecer os vínculos sociais... (p. 212).

No caso do ambiente asilar, que provoca mudanças ambientais, psicológicas e sociais na vida do idoso, a manutenção de atividades tradicionais ajuda na adaptação e no restabelecimento desses vínculos.

Proporcionar atividades parece uma intervenção simples, mas nem sempre está ao alcance do voluntário ou dos funcionários a habilidade sensível de perceber e descobrir essa herança cultural do público atendido. Muitas vezes, investe-se em atividades que não despertam o interesse dos moradores como foi o caso da formação de um grupo de moradoras que tinha como objetivo o preparo de pratos típicos e tradicionais que conhecessem. Ocorreram quatro encontros e o grupo de dispersou. Apesar da abordagem cultural na criação da atividade, visando recuperar as tradições alimentares, provavelmente, a idéia não partiu das moradoras. A maioria tem um histórico de trabalho pesado e esgotou a disponibilidade interna para considerar saudável e interessante a atividade.

Davim et al. (2004), em estudo sobre a saúde de idosos asilados no município de Natal, observaram que em três instituições diferentes a participação dos idosos em atividades sociais variava muito. Em duas instituições, 69% dos idosos participavam das atividades de lazer, porém na terceira instituição, 100% eram totalmente sedentários. Questionados quanto à importância do lazer, 67% declaravam considerar essas atividades necessárias em suas vidas, enquanto 49% informaram que não gostariam de fazer nada. Os autores do estudo não correlacionam o desinteresse em atividades sociais com o estado de saúde, mas descrevem que os problemas de saúde mais citados pelos idosos referem-se à dor nas articulações, dificuldades visuais e doenças do coração, implicando, dessa forma, a necessidade de ajuda para se alimentarem e caminharem.

É de extrema importância que a interação com outras pessoas e a realização de atividades sociais esteja de acordo com a vontade e habilidades pessoais do morador idoso. As relações novas são vistas com desconfiança,

necessitando um tempo de acomodação para que o idoso se disponibilize a investir num novo vínculo e numa nova atividade.

O que os voluntários parecem constatar e desejam modificar é que, no asilo, os idosos vivem próximos, mas não se comunicam, e muitas vezes estão enclausurados em sua imensa solidão. Como o homem é um ser social e necessita se comunicar, os voluntários esperam poder oferecer estratégias para estimular a interação e, consequentemente, o diálogo.

Dona Geny: [...] agora uma coisa que eles nunca gostaram muito e que

ainda acredito que não... sentar de dois na mesa... A gente quando ia pôr o prato, precisa tomar cuidado de quem era a mesa, porque conforme for a pessoa queria comer sozinha pra almoçar, jantar, tomar o cafezinho. Não permitia que o outro sentasse junto, como você está vendo aqui (fotografia 13).

Dona Geny: [...] isso aqui deve ser um festinha. Porque as mesas estão

todas juntas... dia de missa (fotografia A3).

Camargos et al. (2005) constataram que é necessário um esforço dos idosos e da equipe que compõe uma instituição de longa permanência para mudar o paradigma de que a velhice é uma fase sem perspectivas e marcada, basicamente, pela presença de doenças e perdas. Segundo as autoras, para facilitar a interação entre os idosos institucionalizados e, portanto minimizar o isolamento social, é necessário dinamizar as relações e estimular um ambiente de diálogo, levando em consideração os interesses e as limitações dos moradores. A instituição tem que oferecer atividades dessa natureza e envolver os idosos nessas atividades.

Com as declarações da voluntária Rita, podemos observar que o fortalecimento da comunicação e da interação envolve um processo de mudança que engloba esforços e participação de cuidadores, merendeiras, voluntários e demais profissionais da instituição. É igualmente interessante notar como em dias festivos, que a instituição recebe famílias e convidados, a participação e a disponibilidade para o convívio se modificam:

[...] as refeições são interessantes, sempre achei. No início eu achava esquisito que sempre tem os lugares marcados e até a posição da cadeira não pode mudar, mudar nada, nada (fotografia 13).

Pesquisadora: Isso você sentiu que eles queriam ou também tinha a ver com a

questão administrativa, das zeladoras?

Rita: Eu não sei quem começou com isso, mas o fato e de que há uma

adaptação. As funcionárias seguem isso, umas falam que eles é que querem assim desse jeito.

Pesquisadora: Rita, você lembra se desde que você entrou as posições das

mesas já eram assim?

Rita: Acho que sim, sempre.

Pesquisadora: Sempre sentados à mesa em dois? Rita: Então, tem uns que sentam em um.

Pesquisadora: Sozinhos, mas sempre tem lugar pra dois.

Rita: É sempre pra dois, não mais que dois, mas alguns só sentam sozinhos.

Quando eles entram lá parece que eles já escolhem, ou são aceitos ou não e já formam as duplas pra não ficarem sozinhos entendeu. Isso é uma coisa que não muda mesmo. Tanto é que em dia de almoço com família dá um certo problema. Mas até que esse último almoço não teve problema, acho que já tá bem mais relaxado.

Pesquisadora: E que tipo de problema dá?

Rita: Havia no início de alguém sentar no lugar que não podia sentar porque era

daquele idoso. E o idoso achar ruim que está sentado no lugar dele. Mas eu acho que em dia de festa, parece que isso vai acontecer, de ter algum problema, mas acaba não acontecendo, é naturalmente assim. Às vezes é mais impressão de quem está de fora do que deles mesmos, né...

Os voluntários parecem se responsabilizar pela organização de eventos sociais e diferenciam o que é o papel do funcionário e o do voluntário:

Pesquisadora:- Para você a instituição tem que ter uma preocupação em estar mantendo atividade social?

Inge: -- Sim, a integração, o cuidado, mais é o relacionamento... as outras coisas são em função disso... mais isso tem que trazer um bem-estar pra eles.

[...] o que se buscou, pelo menos desde que eu entrei aqui, que pra mim eu acho, eu acho que também pro grupo todo é... a vida entre eles, é essa integração e tudo que facilita isso.

[...] Não tinha nenhuma atividade, nada que não fosse só isso: esperar a morte chegar... tinha a igreja, a missa, mas só isso, nenhuma integração social, nenhuma atividade, nenhuma coisa mais alegre.

[...] essa é a parte que tava faltando porque o resto tem.

[...] o voluntário não vai dar comida, não vai ver a saúde, o voluntário não vai... Não é esse o funcionamento, a não ser o médico voluntário, o fisioterapeuta, mas os outros voluntários é isso que eles vão suprir.

Inge descreve a importância de atividades que agreguem dois tipos de interação: a interação interna entre os moradores e a externa dos moradores com o mundo, com a sociedade:

Não adianta fazer um gueto aqui dentro, lindo e maravilhoso... eles com eles mesmos, seus cuidados, né? Com saúde, com beleza... com artesanato, com música, fazendo atividades... E a parte externa... a convivência? Porque eles não são um gueto, não são.

Groisman (1999a) em sua pesquisa no asilo São Luís, também observou que embora as portas do asilo se mantivessem abertas para receber um grande número de pessoas e visitantes nas solenidades, o cotidiano dos moradores asilados era caracterizado por um grande distanciamento do mundo externo.

Atualmente na Vila São Vicente de Paulo, a maneira como os voluntários propiciam essa interação com o mundo externo aos moradores é através das atividades do centro de convivência, aumentando as atividades voluntárias e convidando as famílias dos idosos, amigos e as pessoas vinculadas à instituição (associados, doadores, visitantes) para participarem das atividades. Assim, a voluntária Rita descreve esse processo de abertura da instituição:

- As festas que existiam eram as festas de aniversários e... às vezes, eles faziam alguma coisinha assim, enfeitavam com bandeirinha e botava música, mas era uma coisa muito íntima, só eles mesmos. Não vinha gente de fora, eram totalmente fechadas às festas. Daí, quando a gente começou a fazer as festas, a gente abriu pras famílias, pros voluntários, pra comunidade e isso foi um choque

- Não para os idosos não, para a zeladora e para a cuidadora. Elas não queriam que houvesse muita intromissão. Os idosos no início ficavam meio ressabiados assim, né. Mas participaram, viu, não me lembro deles não participarem. Quando a gente fez os passeios aí não, alguns idosos mesmo em condições de andar, eles não iam aos passeios. Então o que a gente sentia, o que eu senti, que os idosos da Vila eles foram idosos que estavam muito acomodados, talvez por questões culturais, eles não aderiam a essas idéias, mas aos poucos muita coisa mudou. Até o grupo que o Zé fazia de vivência, esse grupo foi muito importante pra eles ficarem soltos.... para expressar os seus sentimentos, poderem namorar, porque nada disso podia.

A voluntária refere-se às atividades que foram sendo proporcionadas para se avaliar a aceitação ou não dos idosos. A aproximação das famílias foi muito bem recebida pelos moradores. Ampliaram-se os horários de visitas e os familiares foram incentivados a participar das festas. O grupo terapêutico de vivência, cujo objetivo era incentivar o contato e a aproximação física dos moradores e o diálogo, também teve uma boa participação. E, segundo Rita, modificou a rotina de horários e trouxe movimento relacionado à vida na instituição. A mudança mais surpreendente, em poucos casos, é a atitude da família em rever a decisão da internação:

Antes era assim, quando tava na época da Bernadete, chegava cinco, seis horas, você não via ninguém, ninguém saia no corredor.

- Eles se recolhiam?

- Era toque de recolher, então tinha um toque de recolher, entendeu. Depois, quando a Bernadete saiu, a gente ia lá e eles estavam lá ainda, eles não iam dormir cedo, todos. Alguns sim, mas tinha movimento. Tinha homem, mulher circulando. Era nítida a diferença, sabe: como ela tinha dificuldade de lidar com isso e eles ficavam cada um na sua.

[...] a Dona Lázara (fotografia 6), que é aquela idosa que foi embora, mas é legal porque ela voltou pra casa. Isso é importante... nessa fase em que houve essa permissividade de algumas famílias levarem idosos, houve alguns resgates, algumas famílias que os idosos voltaram.... Nós tivemos o caso dela, que ela voltou e tivemos também o caso de uma outra senhora que era romena, ucraniana.

Rita reflete sobre a ampliação das atividades e a importância de dar voz e oferecer escuta para uma população desacostumada de ter o direito de fazer escolhas:

[...] Mudou muito o enfoque e uma preocupação maior com a alimentação, com as refeições, com a gerontologia a questão mesmo do bem-estar deles. A gente passava filmes, então a gente fez sessões de cinema e tentamos fazer uma coisas... reuniões com os idosos, né, então ouvir mesmo o que eles tinham a dizer. Mas preocupação maior com eles, com o respeito ao que eles pensam, aceitar as críticas. Então... houve reunião pra se discutir a sopa da noite, que tipo de sopa era feita... acho que houve uma melhoria muito grande.

A idéia de oferecer espaços de diálogo pelos quais o idoso possa emitir sua opinião, interferir nos problemas e programas da instituição e, quem sabe até aprender, faz alusão a uma atividade desenvolvida em 1996 e lembrada por alguns moradores através da visualização das fotografias. Trata-se do curso de alfabetização em que os moradores que não tiveram a oportunidade de freqüentar uma escola puderam receber um diploma. Observa-se o orgulho em mostrar o diploma pregado na parede ou o entusiasmo ao falar sobre os encontros e as pessoas presentes na sala de aula.

Outra possibilidade de se proporcionar uma atividade relacionada à educação num asilo está na concepção de alfabetização que transcende o saber ler e escrever. O mais importante na velhice, talvez seja, numa perspectiva de Paulo Freire (1982), possibilitar agrupar o saber do velho e o que o professor pode proporcionar, com suas técnicas pedagógicas, evitando a sensação de fracasso ou de vergonha. Nessa relação, o idoso pode reconhecer valores em si e se perceber necessário para o outro e, portanto, sentir-se seguro para emitir suas opiniões. O voluntário professor pode criar uma outra percepção de envelhecimento e de institucionalização e, assim, ambos fazem uma nova leitura de mundo.

Segundo Patrocínio (2003), a experiência pedagógica com educação de senhoras idosas num grupo intergeracional demonstra que a preocupação maior

questão da transformação de uma pessoa passiva, apenas receptora de conhecimento, para um indivíduo que participa e propõe atividades.

Ao realizar o trabalho voluntário com o idoso institucionalizado, está implícito o cuidado com o outro e consigo. Na medida que o voluntário se ocupa e se preocupa com o envelhecimento do outro, pensa e planeja o seu próprio envelhecimento.

Sem os voluntários, certamente, a vida no asilo se restringiria aos cuidados básicos de alimentação e higiene. Dentro de uma instituição de longa permanência são vários os níveis de cuidados que devem ser direcionados, principalmente, aos idosos dependentes. Os cuidados relacionados à interação e às trocas sociais pertencem a uma esfera mais sensível que envolve flexibilidade, escuta, disponibilidade e uma curiosidade gerontológica que dá a motivação necessária para o vínculo afetivo. Sem afeto não há interação.

A procura interna do voluntário para compreender e conviver com as diferenças de ritmo biológico, de noção de tempo, de vivências e de história de vida é que promove uma relação repleta de subjetividade e afetividade necessária para romper barreiras sociais e de linguagem. O resultado é o elo do idoso institucionalizado como o representante do mundo externo dentro da instituição e através dele, a formação de uma rede social. Na Vila, o voluntário trouxe o médico, que trouxe a nutricionista, que trouxe o psicólogo, que trouxe o professor, que trouxe a podóloga, que trouxe o músico, que trouxe a enfermeira, que trouxe a fisioterapeuta, que trouxe o cabeleireiro...

O voluntário poderá trazer o cuidar descrito por Boff:

[...] cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. (Boff, 2001, p.33)