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CAPÍTULO 6: VOLUNTÁRIOS

6.2.1. Função do Voluntário

Os voluntários na Vila São Vicente de Paulo passam a integrar oficialmente o organograma institucional a partir de 27/02/2003, mas sempre fizeram parte do cenário institucional e contribuíram com os objetivos propostos. Essa data marca

18/02/1998 que regulariza a função do voluntário. Segundo os artigos 1º e 2º, assim, é compreendido o trabalho voluntário:

Artigo 1º. – Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade. Parágrafo único O serviço voluntário não gera vínculo empregatício nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.

Artigo 2º. – O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições do seu serviço.

Lafin et al. (2006) descrevem o voluntário como “aquele que se oferece para prestar um serviço, por vontade própria, sem receber remuneração econômica, movido pela própria consciência, a partir das suas inquietações pelos problemas sociais que atingem os indivíduos, grupos ou setores sociais” (p.1420).

Park et alli. (no prelo) acrescentam que atualmente, agregam-se outros significados ao voluntariado em função do contexto político-econômico em que o Estado é conivente para com a cooptação de “novos agentes de caridade”. Alguns sujeitos são usados como mão-de-obra sem remuneração, com a justificativa de serem capacitados e treinados nas suas habilidades permanentemente, com a versão de estarem contribuindo para o bem pessoal e da humanidade.

Não existem estudos sobre trabalho voluntário realizados em instituições de longa permanência no Brasil; mas empiricamente, sabe-se que este surgiu das práticas caritativas ligadas ao catolicismo e demais religiões que pregam a solidariedade e a compaixão.

O voluntariado ganhou força nos anos 90, em decorrência da política neoliberal adotada pelo governo e “com repercussões e ressonâncias na atualidade podem ser vistos em termos de uma adoção, pela sociedade civil de forma organizada ou individual, de ações que seriam de responsabilidade do Estado visando o bem-estar social” (PARK et alli. op cit., p. 3).

Na Vila São Vicente de Paulo, existem várias funções de natureza voluntária e cabe aqui um esclarecimento. Toda equipe da Diretoria, do Conselho

Deliberativo e do Conselho fiscal também fazem trabalho voluntário e filantrópico, mas esse trabalho sempre se restringiu à parte administrativa, é o que se denomina nesta pesquisa como “gestores”. E há, na história da instituição, a participação de pessoas, moradores da cidade, que mantêm um trabalho voluntário relacionado às atividades diretas ou indiretas com os idosos asilados. É esse grupo que nesta pesquisa chama-se de “voluntário”.

Dentro desse parâmetro histórico e político, a instituição situa-se como uma entidade filantrópica que sobrevive com doações mensais de cerca de 300 associados, aluguéis de casas, propagandas publicitárias de outdoors e pinturas nos muros, 70% da aposentadoria dos idosos moradores e uma verba de subvenção da Prefeitura Municipal de Atibaia. Não fosse o trabalho voluntário exercido há 82 anos por grande parte das pessoas que compõem a estrutura administrativa e, atualmente de saúde, a instituição atenderia de forma extremamente precária aos idosos da região ou nem os atenderia. Essa é a condição de muitas instituições de longa permanência no Brasil que sobrevivem amparadas em ações voluntárias e filantrópicas - fruto da organização da sociedade civil - que se fortalecem à medida que o Estado se mostra incapaz de resolver o quadro de desigualdades e injustiças sociais, ao mesmo tempo em que a economia mundial avança em seu trajeto de acúmulo de riquezas para poucos.

A história do trabalho voluntário na instituição

O trabalho voluntário vinculado aos idosos na instituição, inicialmente, se restringia a fazer “visitas aos velhinhos asilados”. Poucos voluntários conseguiram ter uma participação maior e manter a assiduidade e a freqüência no trabalho que realizavam semanalmente. Dona Geny e Sr. Ettore são pessoas que conseguiram essa participação. Ambos tinham funções muito definidas. O voluntário Ettore, como médico, tinha e tem a função requisitada de acompanhar todos os idosos adoentados internados na enfermaria da instituição. Com a enfermaria extinta,

Dona Geny relata ser uma voluntária que conquistou um lugar dentro da Vila. Ela prestava serviços de enfermagem aos moradores. Também, como Sr. Ettore, sentia-se extremamente útil e essencial aos cuidados de saúde. Era o período em que não havia a exigência legal da presença de profissionais habilitados que prestassem atendimento ao morador dependente e doente. Os idosos pobres, doentes e com transtornos mentais eram internados no asilo. O trabalho voluntário, nesse período, consistia em dar assistência e cuidados à saúde: medicar, fazer curativos, alimentar, dar banho. Todo trabalho voluntário que divergisse desse objetivo sofria resistências e era proibido. O cuidar voluntário reduzia-se à alimentação e manutenção da higiene do morador.

Outra função do voluntário, num período mais remoto, era proteger alguns moradores das agressões físicas do funcionário responsável pela zeladoria na época. A presença do voluntário, somado à necessidade de sua assistência para a realização dos cuidados de saúde ao morador doente, inibia às agressões e preconceitos, principalmente às pessoas de raça negra ou àqueles que sofriam exclusão de outra natureza (Diário de campo outubro de 2005 e janeiro de 2006).

[...] Ele foi um dos que mais me... mais me segurou aqui no asilo...(refere-se a um

morador que era excluído) você pode imaginar que muitas vezes... a gente não era

bem vinda. Eu não sou burrinha (risos), mas como diria meu marido ‘ouvido de mercador’, e não sei, não sei de nada. Passava uns dias as coisas ficavam nos seus lugares, porque às vezes a gente incomoda. Hoje não, hoje não tem isso, mas às vezes incomodava sim.

O que se observa pelas narrativas é que a permanência do trabalho voluntário dentro do asilo no período anterior a 1999, dependia de um ideal convicto, da persistência e do comprometimento do voluntário. Estes enfrentavam boicotes, fiscalizações e repressões, caso não tivessem propósitos bem definidos e aceitos pela zeladoria. Descreve um dos voluntários:

Dona Geny: [....] Todo voluntário incomodava... tivemos muitos voluntários aqui também e geralmente quando era tempo de escola... de enfermagem... pra estagiar... Pra dar banho... Às vezes era muito bom porque trazia gente de fora,

embaralhado porque elas demoravam mais pra cuidar do velho, então às vezes se tornava ruim..

Pesquisadora: - E de onde vinham as queixas? Os idosos se incomodavam com essa...

Dona Geny: - Não os próprios funcionários, os próprios funcionários...

Pesquisadora: - a senhora sente que algumas vezes foi vista como um incômodo? Dona Geny: - Ah! Mas não tenha dúvida. Não, pode ter certeza disso. Mas eu fazia de conta que não via (risos).

Não havia interesse, por parte da zeladoria e de alguns funcionários, em ter voluntários que agregassem conhecimentos, ajuda ou atitudes inovadoras. O voluntário era visto como um participante passivo e seu espaço restringia-se à divisão de trabalho sem representatividade de voz. Geralmente, ficava à deriva, os funcionários esperavam que cometesse alguma invasão ou erro para receber criticas e, assim, ficar justificado o seu afastamento. Quando aceitos, tornavam-se polivalentes e executavam trabalhos para os quais havia poucos ou nenhum profissional qualificado ou como complemento do número de funcionários. Era o caso da Dona Geny e do Dr. Ettore.

Sr. Gilberto: [...] elas (refere-se às zeladoras) não permitiam voluntários. Porque voluntário era uma pessoa que prejudicava o bom andamento do serviço. Ele excitava muito o idoso. O idoso ficava muito feliz, depois não dormia de noite ou ficava agitado emocionalmente e brigava com outro idoso... isso prejudicava aquela rotina, aquele domínio que elas tinham que idoso bom é idoso que dorme, come, fica quietinho, não fala muito, não precisa se relacionar entre outros nem com outras pessoas... Elas falavam que os voluntários eram pessoas que sempre atrapalhavam.

Pesquisadora: Atrapalhavam a rotina?

Sr.Gilberto: Porque o idoso eles tinham que ficar quietinhos. Eles não gostavam, eram pessoas simples, essa era a interpretação delas, eram pessoas simples, que vieram da roça, gente humilde, andarilhos gente que não sabe lidar socialmente. Nunca tiveram isso, esse contato social. Então são tímidos, se escondem, não se sentem bem de falar...

elas davam um jeito e boicotavam. Se pedia o som, o som estava quebrado, não podia emprestar o som naquele dia, fechava a porta não dava atenção e sempre tentava fazer qualquer pessoa desistir.

A permissão para a entrada de novos voluntários veio em 2000 e está relacionada à busca de profissionais qualificados e inexistentes na instituição.

A partir de janeiro de 2000, aumenta o número de voluntários com formação na área de saúde, tais como, psiquiatra, psicóloga, nutricionista e epidemiologista. A princípio, esses profissionais desenvolviam atividades isoladas. Concomitantemente, ocorriam as mudanças institucionais relacionadas às denúncias de maus-tratos. Esse grupo se organiza, amplia o grupo de voluntários e em 2003, o voluntariado passa a ocupar efetivamente um espaço no organograma da instituição.

Observa-se uma mudança radical no papel do voluntariado. Inicialmente, ocupava uma função limitada e voltada para cuidados de saúde e necessidades básicas dos moradores e, esporadicamente, os voluntários colaboravam na programação de atividades festivas. Não tinham espaço decisório e atuante na vida institucional.

Atualmente, o voluntariado, num trabalho conjunto com a coordenação técnica da Vila, desenvolve programas de atividades múltiplas: atividades físicas, estéticas, artísticas e culturais; atividades sociais, atividade de promoção e manutenção à saúde e atividades de treinamento de funcionários.

A tendência atual da instituição é que os voluntários passem a ter um envolvimento maior com os órgãos de direção e fiscalização da Vila. Na prática isso já ocorre com a Sra. Rita, voluntária que participa e vota nas reuniões do conselho deliberativo.

Lafin et al. (2006) descrevem que o trabalho voluntário tem três princípios, e na Vila observa-se a existência de todos eles:

a) Assistencialista ou paternalista: seria o mais comum. Os voluntários externos identificam problemas da instituição e os resolvem indiretamente. Por exemplo, várias entidades como o Rotary ou associações de bairros

levam donativos que sabem ser necessários para a instituição. Exemplo: doação de tinta para pintura do asilo, alimentos, móveis, fraldas etc.;

b) Instrutivo ou educativo: são as atividades voluntárias que capacitam os funcionários ou moradores a resolverem seus próprios problemas;

c) Participativo: Todos, voluntários, moradores, gestores e funcionários, definem juntos suas prioridades e a forma como vão resolvê-las. Neste caso, incentivam-se as ações comuns como mudanças na alimentação, adequação do espaço físico, criação de atividades variadas etc. Pode-se citar como exemplo, a decisão de construir um Centro de Convivência dentro da instituição.

Observam-se na instituição várias categorias de motivações pessoais, descritas por Park et alli. (op cit) para as pessoas se inserirem no trabalho voluntário. São as seguintes:

1. Voluntários quanto à faixa etária: desde a fundação da instituição, os velhos, motivados pela ociosidade da aposentadoria, sentem-se estimulados ao trabalho voluntário. Nos adultos, existe o interesse em fazer a caridade e desenvolver ações sociais solidárias e, recentemente, a perspectiva de ampliar o conhecimento prático, obter a qualificação através da atividade voluntária e, assim, conseguir a inserção no mercado de trabalho.

A novidade são os adolescentes procurarem trabalho voluntário na instituição, geralmente motivados pelas escolas ou familiares.

2. Voluntários quanto à ocupação: estão presentes na instituição quatro tipos:

• Voluntários filantropos: são os descritos acima como assistencialistas. São pessoas ou grupo de pessoas que ajudam, através da ajuda financeira ou de donativos, sensibilizados pelas condições de vulnerabilidade dos idosos asilados;

de desprezo de alguns moradores não conseguem permanecer com trabalho voluntário;

• Voluntário da comunidade: são pessoas que conhecem e têm experiência em gerontologia ou administração de instituição de longa permanência e se propõem a colaborar na melhora da qualidade dos cuidados;

• Voluntário por religiosidade: é o tipo de voluntário mais antigo da instituição. São pessoas motivadas pela crença religiosa a qual pertencem, que valorizam a prática de ações solidárias e a caridade.

3. Voluntários quanto ao tipo de trabalho que se propõem a desenvolver: existem voluntários que procuram a instituição com uma proposta de trabalho focal de acordo com sua formação profissional. Hoje, existem no asilo vários voluntários com essa qualificação específica, tais como fisioterapeutas, professora de yoga, músicos e enfermeira, podóloga e cabeleireiro. Entretanto, freqüentemente chegam voluntários que disponibilizam algumas horas semanais e manifestam a vontade de ajudar, mas não identificam um trabalho que possam desenvolver, este tipo de voluntário foi descrito pelas autoras como voluntários

sem qualificação. Neste caso, a coordenadora dos voluntários faz entrevistas na

qual apresenta a dinâmica da instituição, fala sobre gerontologia e sobre o trabalho voluntário e aguarda-se o momento do voluntário se identificar e se sentir seguro para desenvolver alguma atividade.

Algumas dificuldades são notórias no asilo e insolúveis no momento, exigindo uma reflexão da coordenadoria do voluntariado. São as seguintes: a alta rotatividade do voluntariado e o desinteresse ou a baixa freqüência dos moradores em algumas atividades. Também há registros de problemas mais graves e que envolvem questões éticas como a atitude de alguns voluntários de pedirem dinheiro emprestado aos moradores, mesmo sabendo que não é permitido.