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FABIAN A L UCI DE OLIVEIRA PAUL A SPIELER

A discussão sobre direitos humanos nas favelas se dá, na maioria das vezes, pela temática da violência policial e da criminalização dos moradores dessas áreas. Caso recente, de grande repercussão, foi o desaparecimento do ajudante de pe- dreiro Amarildo Souza, em julho de 2013, na favela da Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro — favela esta que se encontra “pacificada”. Após grande mobilização popular, a conclusão do inquérito, em outubro do mesmo ano, indiciou 10 po- liciais militares pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver. A família de Amarildo conseguiu acesso ao Programa de Proteção à Criança e ao

Adolescente Ameaçado de Morte, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.1

Nesse caso específico, não foi preciso acionar os mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, já que o Estado tem atuado no sentido de en-

contrar os responsáveis pelo desaparecimento.2 Mas quantos outros “Amarildos”

1 RAMALHO, Sérgio; BOTTARI, Elenilce. Inquérito conclui que Amarildo foi torturado até a mor-

te. O Globo, Rio de Janeiro, 2 out. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/inquerito- -conclui-que-amarildo-foi-torturado-ate-morte-10225436>. Acesso em: 7 out. 2013.

2 Em outubro de 2014, a juíza da 35a Vara Criminal do Rio de Janeiro decretou a prisão preventiva

90 CID AD ANIA , JUS TIÇ A E “P A CIFIC A ÇÃ O” EM F A VEL AS C ARIOC AS

não existiriam nessas favelas, que ficam sem a proteção dos seus direitos mais básicos? Esse caso nos leva a considerar o conhecimento e o alcance dos direitos humanos entre os moradores das favelas, e como eles pensam o sujeito desses direitos e se pensam nessa relação. E também nos leva a uma importante crítica aos mecanismos internacionais de defesa dos direitos humanos existentes hoje. São estes pontos que nos propusemos a discutir no capítulo que segue.

Introdução

O termo “direitos humanos” foi utilizado pela primeira vez em texto jurídico na década de 1920 para tratar sobre a posição das minorias nos Estados pós-impé-

rio europeu.3 Contudo, foi com a adoção da Declaração Universal dos Direitos

Humanos (Dudh), em 1948, que se passou a falar sobre direitos humanos univer- sais, com validade para todas as pessoas do mundo. Para Boutros-Boutros Ghali,

os direitos humanos constituem uma linguagem comum da humanidade.4

A grande questão é que hoje tudo pode ser considerado direitos humanos,

a tal ponto que se tornou um significante vazio.5 Upendra Baxi ressalta que

nunca, em nossos tempos, tivemos um discurso tão diverso. Essa pluralidade demonstra tanto o potencial emancipatório do discurso de direitos humanos quanto seu caráter de manutenção do status quo. Baxi afirma que, em uma era constituída pelo fim da ideologia, os direitos humanos surgem como a única ideologia, “enabling both the legitimation of power and the praxes of emancipatory politics”.6

Caso Amarildo: todos os PMS com prisão decretada já se apresentaram. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 4 out. 2013. Disponível em: <www.estadao.com.br/noticias/cidades,caso-amarildo-todos- -os-pms-com-prisao-decretada-ja-se-apresentaram,1082113,0.htm>. Acesso em: 14 out. 2013.

3 DOUZINAS, Costas. Human rights and empire. Nova York: Routledge Cavendish, 2009a. p. 15. 4 GHALI, Boutros-Boutros. The common language of humanity. In: UNITED NATIONS WORLD

CONFERENCE ON HUMAN RIGHTS: THE VIENNA DECLARATION AND THE PROGRAMME OF ACTION, 1993, Nova York. Proceedings… Nova York: The United Nations, 1993.

5 Wendy Brown utiliza o termo significante vazio (empty signifier) para se referir à democracia hoje

(BROWN, Wendy. We are all democrats. In: AGAMBEN, Giorgio et al. Democracy in what state? Nova York: Columbia University Press, 2011. p. 44).

6 “Permitindo tanto a legitimação do poder e as praxes da política emancipatória” (trad. nossa). Cf.

DIREIT

OS HUMAN

OS P

ARA QUEM?

91 Apesar de o discurso dos direitos humanos ser utilizado de diversas formas,

a concepção prevalecente sobre os mesmos é a liberal, que foi consolidada no âmbito internacional pela adoção da Dudh. A partir de então, todos os demais tratados e mecanismos de proteção foram criados — assim como diversos orde- namentos nacionais — com base nessa concepção. No entanto, essa visão tem

sofrido diversas críticas, em especial por autores da teoria crítica do direito.7

O presente trabalho focará em uma das questões que é levantada por es- ses autores: quem é o sujeito dos direitos humanos? Embora a universalidade dos direitos humanos esteja consagrada no âmbito internacional, na prática, contudo, não é isso que se verifica. Não são todas as pessoas que têm acesso a seus direitos. Muito pelo contrário: os direitos humanos não chegam àquelas pessoas que mais precisam de amparo.

Nesse sentido, o capítulo tem por objetivo demonstrar, através de pesquisa realizada com moradores das favelas do Vidigal, do Cantagalo e do Complexo do Alemão (UPP Fazendinha), na cidade do Rio de Janeiro, que a crítica feita ao sujeito dos direitos humanos está em consonância com o que ocorre na prática, já que há de fato a percepção de exclusão das classes mais pobres e sua falta de acesso a direitos, tendo em vista que essa população desconhece seus direitos e os mecanismos de proteção. Para tanto, o capítulo está estruturado em três seções: (i) quem é o sujeito dos direitos humanos?; (ii) os direitos humanos na percepção dos moradores das favelas; e (iii) as limitações dos mecanismos de proteção dos direitos humanos. Esperamos, com isso, contribuir para uma análise crítica sobre o sujeito atual dos direitos humanos.