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PARA UMA BREVE MORFOLOGIA SÓCIO-HISTORICA DAS PRÁTICAS DE ESCRITA

2. Dos scriptoria à reprodutibilidade técnica da escrita

Até ao momento, se quisemos inscrever as práticas de escrita sob o ponto de vista de uma problemática socio-histórica dos seus traços, foi porque as formas pelas quais elas se constituíram assistiram mais a inúmeras combinações de modelos, do que à criação de sistemas que, pura e isoladamente, terão evoluído de uns para outros. Uma tipologia imediata dá-nos a conhecer, porém, as formas pictográficas, ideográficas, logossilábicas e alfabéticas pelas quais a escrita se constituiu, um fenómeno que parece ser sobretudo atravessado pelo regime da complexidade, e não tanto pela ordem de um progresso que o tempo simplesmente ordena. Existirão no entanto contrastes, não só de ordem estética, como prática. O percurso efetuado pela história da escrita parece deixar entrever aquilo que, segundo alguns historiadores, como Gaur ou Jacques Anis, dizem ser a passagem de uma escrita “teocêntrica”, característica dos sistemas usados pelos egípcios, para uma escrita “democrática”, esta mais em cena a partir da instituição do alfabeto pelos gregos. Porém, se uma perspetiva como esta será sempre fruto do «etnocentrismo» que em todos os tempos, e em todos os lugares, comandou o conceito de escrita, ela parece denotar, também, aquilo que precisamente terá regido os processos de transição entre diferentes práticas escriturais: a economia. A racionalidade económica que parece estar subjacente aos usos de uma língua por meio da escrita, parece explicar, nesta medida, por que razão as figuras da cidade (imperial) terão sido tão valorizadas pela sociedade grega e, depois, entre os romanos. De facto, do ponto de

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vista de um império, como o romano, os usos da comunicação escrita seriam essenciais para a sua “sobrevivência económica”. Como Gaur afirma, “o escriba trabalhava para César, não para o altar” (Gaur, 1990: 82). O alfabeto, em termos de tecnologia comunicativa, terá estado ao serviço da própria construção espacial do território, signo de uma cultura que ao mesmo tempo procuraria latinizar ideologias e diferentes necessidades de mercado: trata-se por isso de um investimento. Neste sentido, atribuir à escrita, como se essa fosse a sua única função, uma qualidade intrínseca de comunicação, ou seja, de reunião das distâncias, quando ela esteve se mpre, e por diversas maneiras, implicada no exercício do poder e da erudição, parece- nos uma observação que ficará aquém das suas reais implicações sociais e políticas.

Quando o cristianismo se converteu na religião oficial da sociedade romana, um fenómeno que acompanhou a instituição de uma religião de “livro único”, o escriba passa a ser uma necessidade de primeira ordem na propagação de preceitos bíblicos e textuais pela mão da Igreja. É aliás ligada a um conjunto de instituições históricas, principalmente a igreja, o direito, a literatura e o ensino, que a noção de «texto» terá surgido, aos olhos do senso comum, como um “objeto moral”, isto é, o escrito como parte de um contrato social (Barthes & Marty, 1987). A aprendizagem formal da escrita, na antiga Roma, muito embora, num primeiro período, reservada a “escravos copistas”, marca uma época de entendimento da escrita como uma espécie de «moeda da língua», símbolo das trocas comerciais passíveis de serem estabelecidas entre os cidadãos e o Estado, mas também de valorização dos bens literários de uma cultura a ilustrar-se, face ao mundo, pela letra. Mas num segundo período, paralelas à afirmação do cristianismo, as oficinas episcopais do mundo monástico, designadas por scriptoria, tendo estado ao serviço da cópia de manuscritos religiosos durante os sécs. VI e VII, representam, por outro lado, a transferência de um conjunto de dados económicos e políticos. Durante este período, e levando consigo a Bíblia, ou seja, a inovação do codex face ao dispêndio do rolo, o cristianismo terá provocado mudanças significativas na morfologia escritural romana. Os monges escribas, considerados agora elementos de um círculo privilegiado de poder, terão estado ainda ao serviço do desenvolvimento de uma das reformas educativas que mais veio a influenciar a época medieval, a qual foi conduzida por Carlos Magno, numa altura em que a sociedade romana procuraria reunificar o seu império por toda a Europa (Parisse, 2001)20. Os usos de um estilo de escrita, minúscula

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Segundo Michel Parisse, o alfabeto usado pelos Carolíngios terá sido adapta do, com poucas exceções, do romano, numa época na qual a preocupação pela unificação política do império franco fora estimu lada

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e arredonda, cunhada de carolina (ou carolíngia), e que faria parte, não só dos circuitos monásticos, mas também nobilitários – já que, e à semelhança de outros imperadores, Carlos Magno não dominaria o alfabeto – introduziu uma claridade no desenho gráfico das letras, muitas vezes artisticamente ornamentadas, cujas curvas produziriam uma forma de escrita corrente, favorável, portanto, à reprodução dos escritos religiosos a uma maior escala, e de cujos textos resultaria o programa de conversão religiosa ao cristianismo. O elemento visual da escrita parece, uma vez mais, servir a uma economia visual da leitura, e terá além disso servido a um sistema religioso que, pela escrita, promoveu não só a identidade de um campo de atividade profissional (escribas), mas também o exame das suas práticas sob a égide de um clero.

Contudo, em meados da Idade Média assiste-se a um fenómeno de economia da escrita que não terá sido apenas determinado pela rápida estratégia de liturgização dos territórios pelos quais a Igreja passaria. A perda de poder da Igreja relativamente ao monopólio dos scriptoria, uma vez que a secularização gradual da sociedade levaria ao aparecimento de universidades e escolas independentes, coloca a escrita no centro de um mercado livreiro ainda em crescimento, mas que passaria a ser um teatro de ação para estudantes, filósofos e mercadores (Gaur, 1990). As cooperações artesanais e universitárias que vemos surgir durante os sécs. XII e XIII, representando associações de indivíduos que estariam à margem da servidão feudal e da esfera religiosa, estarão na base, segundo André Petitat (1982), da formação de uma ideia de «progresso» que, mais tarde, paralela à emergência de uma cultura humanística dirigida ao povo, símbolo da Renascença, radicará na substituição crescente de uma noção de tradição, fundamentada na experiência e no discurso oral, pela importância atribuída ao texto escrito. O escrito, enquanto propriedade simbólica de prestígio, passa a ser, por isso, objeto de estudo, de transmissão, de continuidade. Sob o ponto de vista social, o progresso terá sido traçado, por esta via, numa íntima conexão com as «letras», porque, entre outras coisas, tal pelo projeto de união da diversidade religiosa e litúrgica, e m cena na Europa. O alcance desta unificação, que é ao mes mo te mpo ideológica, só seria possível através de uma ca mpanha de ro manização das formas de culto, sendo por isso também uma ca mpanha cultural que assentou no uso da liturgia escrita e do livro. Para Pa risse, esta reforma terá co meçado lenta mente no fim da década d o séc. VIII, e as suas diferentes man ifestações viera m a re fletir-se no surgimento de escolas monacais e palatinas, especialmente concebidas para o ensino do Latim, por toda a região da França e da Alemanha. É, de resto, conhecido, o curriculum praticado durante esta época, cujos conteúdos combinaria m saberes provenientes do trivium (gra mática, retórica e d ialét ica) e do quadrivium (mate mática , geo metria , astronomia e música). A estas escolas terá chegado uma diversidade de intelectuais ingleses, espanhóis e italianos, ao mesmo tempo que diferentes manuscritos romanos terão sido importados para mosteiros e casas religiosas. Estariam assim criadas as condições para o aparecimento de escolas dedicadas ao ensino da língua latina, através de um processo, não só de aprendizage m gra matica l, co mo de cópia de livros para futura disseminação (Parisse, 2001).

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conexão permitiria a distinção entre a cidade e o campo, o urbano e o rural, o culto e o inculto. Os processos de urbanização apareceram sempre ligados à ideia de uma expansão da cultura escrita, ainda que, e justamente nos locais onde esse fenómeno foi sendo cada vez mais significativo, isto é, as cidades (que concentrariam os principais ofícios e as atividades centrais do comércio), nem todos pudessem dispor das regalias sociais e económicas do progresso. Embora as instituições escolares, antes da Renascença, estivessem limitadas, em grande parte, à ordem da Igreja – a única que faria um uso regular dos textos – os processos de autonomização das universidades, e o aparecimento de pequenas escolas municipais a cargo de movimentos comunais, constituem, segundo Petitat, o ponto de partida de uma longa evolução, não linear, de secularização completa da Escola: ela é um lugar de transmissão de signos, de valores, de símbolos que se apoiam na escrita (Petitat, 1982). Por outro lado, os processos de alfabetização que se estruturam por impulso da Reforma Protestante constituir-se-iam, a partir dos sécs. XVI e XVII, como que num veíc ulo de entrada “global” nas formas de aprendizagem escolar da escrita. Se as linhas entre alfabetização, escola e desenvolvimento estariam nessa época a traçar-se, séculos mais tarde, aquando da institucionalização da instrução pública universalizante no séc. XIX, elas viriam a constituir todo um livro de reformas.

Voltando a Carlos Magno, a economia da escrita carolina, se incorpora a tendência para uma maior cursividade, possibilitando, desse modo, a emergência de uma caligrafia ligada ao gesto, à mão e à arte, ela assinala também o surgimento de toda uma lógica de abreviação da grafia que é uma das principais características da escrita medieval (Parisse, 2001). As circunstâncias económicas que regem as mutações da escrita parecem estar, do mesmo modo, na base do aparecimento de diferentes estilos. Escrever mais depressa e ocupar menos espaço, num período no qual, segundo alguns historiadores, a Europa terá assistido a uma crise de pergaminho, são gestos que vieram a modificar a escrita usada pelos carolíngios numa economia da qual a escrita gótica terá surgido, mais apertada no suporte, mais fácil de abreviar. Tendo rompido com os elementos curvos e com o traço angular que caracterizaria a escrita do princípio da Idade Média, o estilo gótico – que foi aliás a marca do apogeu estético medieval – inscreve-se nos usos de uma escrita que, se aceita a irregularidade do traço e a síntese, passa a unir as letras segundo um princípio de economia material e temporal. A “lei de ferro do tempo”, nos termos de Barthes e Marty (1987), parece por isso atravessar as

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principais mudanças das escritas ocidentais, isto é, a emergência da cursividade, e a passagem da maiúscula à minúscula, e, dado ter criado as condições para que diversos fenómenos de estilização gráfica surgissem, as escritas terão estado sempre no centro de diferentes concorrências: é o caso da escrita carolina que, após rivalizar com a gótica minúscula, terá sido recuperada, pela Renascença italiana, no séc. XV, como a verdadeira letra, doravante antiqua, o itálico cursivo dos intelectuais (Gaur, 1990). Assim, quererá isto dizer que, passando do meio monástico ao mundo laico, a escrita passaria a ocupar o quotidiano de escribas e outros “artistas profissionais”, como os «escritores», já constituídos em corporações desde o séc. XIII, onde ela é vista como um elemento essencial à criação e à preservação do saber. Para a consolidação deste fenómeno em muito terão contribuído as primeiras universidades medievais, mas serão as ruturas operadas pelo paradigma renascentista que mais vieram a transformar as conceções de escrita no Ocidente, bem como o seu mercado: a imprensa nascia21.

O “visual” e as escritas tipográficas

Os inícios do séc. XV trazem a marca, não só daquilo que os historiadores dizem ser o começo da “idade moderna”, como vêm representar sobretudo a origem e o desenvolvimento da escrita tipográfica. A palavra impressa, expoente máximo da inscrição do signo à superfície, não terá sido apenas o resultado das mudanças operadas pelo Renascimento, é a incorporação do seu espírito, a sua «linguagem». O intelectual que domina a escrita, já não o faz por meio do gesto manual, a sua caligrafia é técnica, não no sentido da mão, mas estética e «pessoal». As implicações sociais da imprensa

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Durante o séc. XII, segundo considera Henri-Jean Martin, o papel (muito e mbora tenha surgido na China por volta do séc. I) será introduzido na Europa através de mercadores espanhóis e italianos, mas os métodos da sua fabricação só se viria m a estender ao longo do séc. XIV. A primeira fábrica de papel terá surgido, em Nure mbe rga, e m 1399, ano em que se pensa ter nascido Gutenberg, em Main z. Se já no séc. XI, os usos da escrita parecia m querer acompanhar o crescimento económico e a atividade intelectual nas cidades, ao longo dos séculos que vão até ao surgimento da imprensa tipográfica, a existência de algumas imagens recortadas em blocos de madeira, e que seriam aco mpanhadas de pequenos textos, parecem mostrar-nos em que medida escrita e ilustração são dois ele mentos que se conjugam no escrito. Doravante impressos em papel, esses blocos terão sido, inicia lmente, escritos em caligra fia gótica – a escrita “bastarda”, como era conhecida, segundo Martin, porque seria utilizada quer em docu mentos de chancelaria, quer em te xtos literários – facto que explica por que motivo os prime iros carateres tipográficos terão sido justamente impressos naquele estilo. A escrita imp res sa, aliás, é, numa prime ira fase, preenchida por várias adaptações das escritas góticas, depois romanizadas por Nicolas Jenson, em Veneza, e m 1470 e, ma is tarde, da escrita redonda e inclinada que era característica do estilo humanístico italiano (Martin, 2001).

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sentiram-se por toda Europa, e conduziram a escrita para suportes de reprodução mecânica, ao mesmo tempo que os textos surgiriam ilustrados pela semântica da imagem. A emergência do que se diz ser o “texto moderno” reforça-se em paralelo com a máquina e com a «série», questionando os limites do sistema da mão aparentemente precário, face à rapidez do corte e da incisão da prensa. É de facto uma noção bastante recente aquela que temos de “publicação”, se entrarmos em linha de conta com todas as mudanças que se operaram com a invenção de um sistema de escrita produzido para as massas. A escrita alfabética, que colhe durante este período os frutos de um fonetismo perfeitamente inscrito na sua estrutura, faz-se representar pela “imagem” e pelo “texto” numa escala que parece ultrapassar o “indivíduo”. E o texto, se nuns casos provém de uma autoria relativamente “abstrata”, ou mesmo anónima, noutros, é o resultado de uma obra, «assina-se». Para Martin (2001), a imprensa assinala a identidade do editor e, por essa via, o significado social do trabalho de edição, porque passa a ser uma figura presente na relação entre escritores e leitores22. Se um maior número de leitores parece surgir a partir do momento em que o mercado da escrita impressa progride, assiste-se do mesmo modo, no séc. XVIII, a processos de especialização da leitura (a preferência pelo romance e pelas novelas, por exemplo), cujos traços terão influído, não só nas lógicas, como nos géneros, de edição. Este fenómeno parece acompanhar ainda um conjunto de transformações na “identidade dos escritores”, já que, até este período, tal como Martin assevera, a maior parte dos livros seria escrita por padres e juristas, ou então por autores que seriam suportados por “patronos”, algo que terá sido determinante na escolha das obras para impressão, e na definição dos seus géneros literários. Retomarei esta questão dos escritores mais à frente, no capítulo que se segue, e a propósito da conceção bourdiana de “campo literário” e das lutas encetadas, a partir do séc. XIX, pelo que ele chamou “autonomização”. Por agora, e no contexto no qual temos vindo a abordar as

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Muito embora o impacto do advento da tipografia não possa ser analisado, apenas, em termos de uma estatística (até porque o número de livros impressos, e que hoje se conservam, não corresponderá à totalidade das edições que entretanto se perderam), Ma rtin adianta que não é de ignorar o, nas suas palavras, “impressionante aumento” dos primeiros livros editados pela imprensa (designados por incunábulos), e hoje conhecidos, um nú mero que andará à volta das 27000 a 30000 edições. Por este motivo, Martin suspeita que, só entre 1460 a 1500, ter-se-ão editado na Europa um total de quinze a vinte milhões de livros, um me rcado que veio ainda a crescer durante o séc. XVI, chegando -se às 300000 edições. A este respeito, Barthes e Marty, diria m que o séc. XVI parece ser “ma is moderno” do que a época que se lhe seguiu, justamente porque os processos de estatização e de burocracia desenvolvidos em França, e que viera m a impo r à escrita manual uma norma – ligada à forma e à pedagogia – terão recalcado a sensação de espontaneidade, de claridade e rapidez que caracterizaria os primeiros tempos da imprensa. Mais tarde, e com o avanço da máquina de escrever ao longo de todo o séc. XVIII, a escrita manual sofrerá u m outro recalca mento, já que viria a fica r dependente dos usos administrativos e comerc ia is de uma norma, forte mente afetada do ponto de vista criativo, tornando -se, nessa medida, cada vez menos pessoal.

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principais transformações socio-históricas da escrita, diríamos que os mecanismos tipográficos de escrita, em cujo rosto o Iluminismo do séc. XVIII se revê, mesmo assistindo à edificação de toda uma indústria de censura perante a publicação de determinados textos e livros, terá, em todo o caso, ajudado a perspetiva r a identidade dos escritores do ponto de vista de uma certa independência criativa e literária23.

Mas a escrita tipográfica, se abriria as possibilidades de reprodução visual do alfabeto a uma escala infinita, tecnicamente alicerçada, viria, porém, e se quisermos aproveitar a crítica feita por McLuhan, a desenhar o abismo de cuja imagem resultariam as grandes narrativas do progresso moderno. A tipografia não terá representado, apenas, a alteração de uma técnica de reprodução da escrita. Substituindo a mão pela máquina, o texto seria produzido por meio de uma conjugação de forças externas, repetíveis e uniformes, como um bem comercial de consumo. Ao estudar os efeitos do alfabeto na cultura manuscrita, bem como as transformações que a máquina de impressão tipográfica trouxe à cultura alfabética, McLuhan afirma,

“A diferença entre o homem da palavra impressa e o da palavra manuscrita é quase tão grande quanto a que existe entre o não-alfabetizado e o alfabetizado. Os elementos constitutivos da tecnologia de Gutenberg não eram novos. Mas ao se conjugarem no século quinze pela invenção da imprensa produziram tal aceleração de ação social e pessoal, que se pode comparar à do “take-off”, no sentido em que W. W. Rostow desenvolve esse conceito (…): «é aquele momento decisivo na história de uma

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Montaigne, La Fontaine e Gues de Balzac , no campo literário, ou Descartes e Buffon, no campo da filosofia e das ciências naturais, entre mu itos outros nomes ligados à modernidade, iria m ver o resultado impresso das suas obras numa altura e m que a imp rensa tipográfica crescia e m França, mas també m na Itália e na Ale manha, ao longo dos sécs. XVII e XVIII. As preocupações pelo escrito, já não apenas de tipo conservacionista, porque o papel havia surgido como o suporte mais adequado para fixar a palavra, mas sobretudo ligadas ao conteúdo e ao que ele comunica, parec ia m ser agora ta mbé m de forma, e é interessante verificar co mo toda uma estética e image m gráficas se desenvolvem e m parale lo com a afirmação da ciência e xperimental moderna : a linha, o parágra fo, o capítulo, o resumo, etc. Por outro lado, o surgimento da tipografia , se provocou uma redefinição nas conceções de escrita e leitura – e por essa via, nas categorias de escritor e le itor – terá igualmente criado as condições sociais para que, ma is tarde, nos inícios do séc. XIX, a rutura simbólica entre “corpos e palavras”, nas palavras de Rancière, se operasse em para lelo co m u ma verdadeira revolução literá ria. Esta revolução dirá respeito aos modos pelos quais a literatura se massifica (e m particula r o ro mance) e pass a a ser apropriada pelas audiências, correspondendo por isso a um novo regime de “arte de escrever” que, ao ro mper co m maneiras de ser e falar, se desenvolve através de uma relação estreita entre o “poder da palavra” e os seus efeitos no