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“Não seja intransigente, a natureza é plural. O igual é diferente, o diferente é igual”.

Moaci Carneiro

Os marcos teóricos de sustentação da oferta de educação especial abrangem concepções epistemológicas e metodológicas. Considerando que a proposta de educação inclusiva, assumida pelo Estado de Mato Grosso como política pública, explicita-se em uma visão orgânica das escolas estaduais, através do princípio de integração dos níveis e modalidades de ensino, os balisamentos das funções conceituais da Educação Especial são os mesmos contidos no documento Orientações Curriculares para a Educação

Básica do Estado de Mato Grosso. Aqui, o horizonte

definido é tanto o da organicidade interna da Educação Básica, como lastro de concepção da educação enquanto totalidade, quanto o da organicidade externa, mediante a articulação de eixos estruturadores do currículo encorpados na tríade

Conhecimento, Trabalho e Cultura. Portanto, o ponto de

partida é uma concepção ampla de educação como processo, entendimento entranhado na própria natureza de educação básica.

O documento referido passa, portanto, a constituir o lastro de sustentação do funcionamento das escolas do

sistema estadual e, mais do que isto, da própria tipificação das formas de organização. Ou seja, torna-se referência para a identificação de todos os níveis e de todas as modalidades de ensino. Vale recordar que a opção adotada pela SEDUC-MT trabalha concepções epistemológicas e metodológicas que foram objeto de negociação com professores e escolas, com o Sindicato de Trabalhadores na Educação Pública (SINTEP) e com diversas instituições representativas da área da educação. Por consenso, definiu-se o patamar mais elevado da proposta, qual seja: uma abordagem sistêmica da educação estadual com base em uma política educacional que priorize a formação politécnica dos cidadãos matogrossenses, através de uma só escola para todos.

À luz da escolha assentada, a Educação Especial do Sistema Público Estadual de Ensino de Mato Grosso organiza- se, então, sob o influxo das seguintes coordenadas de concepção operativa:

a)Incorporação de todas as dimensões educativas ocorrentes no âmbito das relações sociais à concepção de sistema único de ensino;

b) Educação escolar, portanto, também,

educação especial, em articulação

solidariedade, da gestão compartilhada das políticas sociais e tecnológicas;

c)Conexão das operações curriculares e das práticas pedagógicas com os alinhamentos de compromissos com uma sociedade democrática, que tem como prisma o respeito à dignidade humana e a igualdade de direitos;

d) Adoção do trabalho como princípio educativo, como categoria orientadora das políticas, dos projetos e práticas de todos os níveis de ensino e modalidades educacionais que compõem a educação básica. Neste enfoque, o trabalho assume a face de práxis humana e, não, apenas de prática produtiva;

e)Uma escola uniforme, de cultura geral, de formação humana, voltada para o desenvolvimento da autonomia e da capacidade criativa. Esta escola única será capaz de articular as dimensões teóricas e práticas em todo o processo de formação, o que inclui concepções e metodologias da educação inclusiva e da educação especial;

f) Aquisição das capacidades básicas necessárias à apropriação da cultura, do desenvolvimento das noções iniciais de Estado e Sociedade, sob a forma de direitos e deveres, no âmbito do Ensino Fundamental; Incorporação de todas as dimensões educativas ocorrentes no âmbito das relações sociais à concepção de sistema único de ensino;

g) Em nível de Ensino Médio, a escola única do Sistema Público de Ensino do Estado de Mato Grosso vai trabalhar o Projeto Político- Pedagógico por via de um currículo iluminado pela ideia marcante de politecnia, vazada legalmente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação/LDB, através dos artigos 1º e 35 e desdobrada nas Orientações

Curriculares para a Educação Básica no Estado de Mato Grosso;

h) A escolha epistemológica do Estado de Mato Grosso para a concepção, organização e oferta da educação básica inclusiva conduz, necessariamente, toda a rede de escolas e de instituições educativas em geral à necessidade da edificação de novas bases

para compor o Projeto Político-Pedagógico Escolar, agora, construído no âmbito de uma

só escola para todos. Desta forma,

crianças e jovens, INDISTINTAMENTE, estarão na mesma escola, qualificando-se para conviver com a diferença e para, simultaneamente, enfrentar os desafios da vida social e da vida produtiva, sem qualquer forma de discriminação.

É somente a partir deste chão de concepções estruturantes da nova escola de educação básica que se põem e se compõem as novas coordenadas da Educação Especial. Importa dizer que o campo de operação destas coordenadas se volta estruturalmente para os alinhamentos metodológicos igualmente contidos no documento anteriormente referido das

Orientações Curriculares da Educação Básica.

Para a construção do inventário de metodologia a adotar em cada nível de ensino e em cada modalidade educativa, é inevitável recorrer ao conjunto de pressupostos apontados no citado documento como campo de floração destas metodologias.

PRESSUPOSTO N. 01

 O homem deve ser tomado em sua

integralidade, enquanto síntese do desenvolvimento social e individual.

PRESSUPOSTO N. 02

 O processo educativo se desenvolve na

conexão da objetividade das relações sociais e produtivas com as subjetividades.

PRESSUPOSTO N. 03

 O domínio de diferentes linguagens, o

desenvolvimento do raciocínio lógico e a capacidade de novos conhecimentos científicos, tecnológicos, sócio-históricos e culturais são pré-condições para os indivíduos conseguirem:

Compreender a vida social;

Construir identidades autônomas;

Continuar aprendendo ao longo da vida

PRESSUPOSTO N. 04

 O trabalho científico necessita de regras de

dedução e de sistemas de categorias que sirvam de base à imaginação produtiva e à atividade criadora do pensamento.

PRESSUPOSTO N. 05

 A metodologia da ciência não se esgota no

pensamento lógico-formal. Sua completude está em uma lógica não racional, derivações de percepções, sentimentos e intuições que permitam aprender o novo.

PRESSUPOSTO N. 06

 O conhecimento não se produz através de

mera contemplação. Portanto, não basta observar a realidade para aprender o que nela está naturalmente.

PRESSUPOSTO N. 07

 Os processos pedagógicos em geral não se

esgotam no professor iluminado pela posse do conhecimento que já encontra elaborada.

PRESSUPOSTO N. 08

 O conhecimento curricular que se exaure em

explicações dirigidas aos alunos – que devem ouvir, absorver e repetir mais como um ato de fé do que como um resultado de sua própria elaboração – sinaliza a visão equivocada da sala de aula como o lugar privilegiado das verdades definidas.

PRESSUPOSTO N. 09

 A sequência metodológica “preleção, fixação,

avaliação” vincula-se a uma expressão formal e estática de conhecimento e potencializa os níveis de dificuldade dos processos de aprendizagem.

PRESSUPOSTO N. 10

 É sob a forma de atividades práticas que o

conhecimento, hospedado na própria realidade, passa a adquirir corpo. Por isso, o princípio educativo que deve estar na centralidade de diferentes dimensões metodológicas é a

relação do que precisa ser conhecido e o caminho que precisa ser trilhado para conhecer.

A partir destas concepções operativas e deste bloco de pressupostos, são escolhidas concepções epistemológicas e dimensões metodológicas específicas para a Educação Especial do Sistema Público Estadual de Ensino de Mato Grosso. Isto sem desconsiderar os objetivos de cada nível e modalidade de ensino, conforme apontados nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, a Resolução CNE/CEB n. 17/2001, a Resolução n. 07/2010 e a Resolução n. 001/2012 CEE-MT.

Embora a SEDUC-MT estimule sua rede de escolas e instituições educacionais a trabalharem com diferentes abordagens epistemológicas em consonância com o que a LDB, art. 3º, inciso III, denomina como pluralismo de ideias e de

concepções pedagógicas, no campo da Educação Especial,

recomenda-se um olhar cuidadoso nos pontos de vista gnosiológicos de Piaget e Vygotsky. As contribuições destes pensadores são marcantes tanto no aspecto dos alinhamentos teóricos, quanto no que tange à fundamentação da práxis pedagógica. A interlocução dialógica das ideias destes autores ajudará escolas e professores a construírem rotas de inclusão social e escolar com maior visibilidade.

Piaget e Vygotsky compõem a galeria de autores citados no documento de Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do Estado de Mato Grosso. À guisa de reforço para alargar a compreensão de suas ideias, portanto, aqui estão algumas incursões complementares em seus respectivos pensamentos.

O objeto de estudo de Piaget é o sujeito epistêmico. Ou seja, o sujeito do conhecimento. Para este pensador, o sujeito epistêmico é aquele que nos possui a todos. Somos ele! Assim, cada um produz conhecimentos no contexto de sua cultura. No processo das diversas

estratégias desta produção, que são diversificadas de uma cultura para outra e mesmo de um sujeito para outro, há mecanismos comuns, logo, universais.

Sob a inspiração da Biologia, Piaget observou que o desenvolvimento, para qualquer pessoa, independentemente de sexo, idade e cultura, é um caminhar rumo ao equilíbrio. Este enfoque da equilibração de Piaget hospeda-se, por sua vez, na teoria de sistema, assumida por ele para aclarar o funcionamento da inteligência. Como estrutura, mecanismo e capacidade, a inteligência é, de fato, um sistema cognitivo, aberto e fechado ao mesmo tempo. Aberto porque receptivo a informações e por elas nutrido, através da ação e da percepção do sujeito. Fechado no sentido de que o sistema não se confunde com uma página em branco, algo sem impressões e sobre quem as informações recebidas simplesmente se inscreveriam, como num processo de adesão fatal. Pelo contrário, a inteligência é um sistema dotado da capacidade de organização, constituída pelos ciclos18. Desta forma, o

desenvolvimento cognitivo se processa pelo contato contínuo do sistema cognitivo com o influxo de informações advindas do meio ambiente e, ainda, pelo contínuo processo de reestruturação que objetiva, precisamente, fazer com que o sistema atinja o equilíbrio e nele permaneça.

O ritmo constante de reestruturações e de equilibrações percorre longas etapas, que são os estágios de desenvolvimento. No entanto, passar por estas etapas não é o destino pré-programado de cada pessoa. Tudo depende da solicitação do meio, fonte de referência permanente para a reação do sistema cognitivo sob a forma de construção de novas e superiores estruturas mentais.

A esta ideia de equilibração, se associam os conceitos de reversibilidade das operações mentais. Para Piaget, ela é característica marcante e presente sempre no pensamento adulto. Em decorrência, é imprescindível à eficácia e à coerência do pensamento simbólico. Ou seja, é necessária ao equilíbrio do sistema cognitivo. Não se trata de qualidade inata, nem mesmo de simples aprendizagem dos códigos linguísticos. Ela é, de fato, construída ativamente pelo sujeito no âmbito do processo de seu desenvolvimento cognitivo. Em decorrência do processo de reversibilidade, dois outros conceitos emergem como explicitação desta construção: regulação e compensação. Como esclarecem La Taille, Dantas e Oliveira (1992:111), “(...) estes dois conceitos traduzem o funcionamento do sistema em busca de equilíbrio”.

Por fim, Piaget trabalha os conceitos de abstração reflexiva e generalização construtiva. Descrevem como o sujeito passa de um nível “A” para um nível superior “B”. Ou seja, descrevem como o sujeito constrói novos conhecimentos e, assim, atinge níveis superiores de equilíbrio cognitivo. Em

síntese, Piaget aponta que a construção do conhecimento ocorre dinamicamente por via de certos mecanismos, iguais

para todos os seres humanos e, que, portanto, possuem um grau de independência em relação às variáveis sócio- históricas (idem, ibidem).

Estas são as bases da autonomia do sujeito na concepção piagetiana. A autonomia que se explicita em novas formas de pensar e de produzir novos conhecimentos. Para tanto, é necessário que o indivíduo tenha a oportunidade de usufruir de relações sociais de cooperação. Piaget diz de co-

operação. Esta teoria, marcada pela chancela de teoria

construtivista, é fundamental no processo educativo, pois como ensina Freire, a educação, qualquer que seja o nível em que se dê, se fará, tão mais verdadeira quanto mais estimule o desenvolvimento desta necessidade radical dos seres humanos, a de sua expressividade.

Lev S. Vygotsky, segundo autor referenciado nas Diretrizes da Orientação da Educação Básica do Estado de Mato Grosso, apresenta proposições de grande importância para as áreas da psicologia e da educação. Com destaque para o estudo e a compreensão da formação de conceitos. Este enfoque remete

imediatamente à discussão das relações entre pensamento e linguagem e ao fundamental tema da mediação cultural em todo o processo de construção de significados por parte do indivíduo. Em decorrência, conduz necessariamente à interrogações sobre o complexo processo de internalização do conhecimento e sobre o papel da escola na transmissão dos conhecimentos diferentes daqueles apreendidos e aprendidos no dia a dia.

Convém relembrar que este autor produziu seu corpo de concepções teóricas no contexto das ideias materialistas.

Vygotsky tem como centralidade de pensamento a ideia de que o ser humano constitui-se como tal na sua

relação com o outro social. Por isso, a cultura funciona como

fator determinante no processo de individuação e, em decorrência, torna-se parte da natureza humana. Ao longo do processo de individuação (Touraine, 2004:37), o processo histórico-cultural plasma o funcionamento psicológico do indivíduo. Sua visão multidisciplinar centra atenção específica no funcionamento cerebral. Realizou estudos importantes

sobre lesões cerebrais, perturbações da linguagem e, ainda, perturbações das funções psicológicas em circunstâncias normais e patológicas. Para este pensador, as funções psicológicas superiores se desenvolvem ao longo da história social do homem. Na relação com o mundo e sob a mediação de instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria e recria as formas de ação que o diferenciam dos demais animais. Como conseqüência, a compreensão do desenvolvimento psicológico não pode estar centrada em propriedades naturais do sistema nervoso.

A iluminação mais forte das ideias de Vygotsky espalha-se sobre o território de compreensão equivocada de funções mentais fixas e imutáveis. Para ele, o cérebro é, de fato, um sistema aberto, de larga plasticidade e de contínuo potencial dinâmico. O cérebro, portanto, pode se dispor a novas funções, criadas culturalmente pelo homem, sem que para isto haja necessidade de transformações morfológicas no órgão físico.

Para Vygotsky, a questão central na formação dos conceitos é a dos meios através dos quais esta operação é realizada. Para ele, “(...) todas as funções psíquicas superiores são processos mediados e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. (...) Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo” (Vygotsky, 1989:48).

O processo de formação de conceitos neste primeiro estágio de compreensão refere-se aos conceitos do dia a dia, espontâneos, ou seja, aqueles que a criança desenvolve no corpo de suas interações sociais imediatas. Vygotsky distingue os conceitos “cotidianos” dos conceitos adquiridos por meio do ensino sistematizado, que são os “conceitos científicos”. Estes conceitos passam igualmente por um processo de desenvolvimento. Portanto, não são apreendidos em sua forma final, conclusa, acabada, mas se desenvolvem em direções contrárias aos conceitos espontâneos. Isto é, inicialmente afastados, no processo de evolução, vão se aproximando e terminam por se encontrar. Os conceitos científicos, diferentemente do que ocorre com os conceitos cotidianos, estão organizados em sistemas consistentes de interrelações. Aqui, realça a importância da instituição escolar e das intervenções pedagógicas via educação escolar formal.

O destaque das conexões profundas entre a dimensão cognitiva e a dimensão afetiva é a extraordinária contribuição do pensamento de Vygotskyl. Sobretudo, na formulação de intervenções psicopedagógicas no interior de um projeto de educação inclusiva e, portanto, de inserção de alunos da Educação Especial, assim considerados historicamente, nas escolas regulares e nas salas de aula comuns.

Com as contribuições

destes dois pensadores, é possível

construir uma linha de fundamentação teórica no campo das práticas pedagógicas inclusivas. Sobretudo, é possível potencializar as mediações adequadas, para a viabilização de uma Educação Especial não divorciada da ideia de UMA SÓ ESCOLA PARA TODOS.

Piaget e

A CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NOS NÍVEIS