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Capítulo IV – Retórica, argumentatividade, argumentação

4.2. Ducrot e a argumentação na língua

Os estudos de Ducrot sobre a argumentação na língua passam por diversas transformações, em que são criados ou modificados conceitos. Aqui abordaremos a classe e a escala argumentativa, o conceito de diretividade do dizer e as críticas que Ducrot faz à argumentação retórica, pois se relacionam com a perspectiva de argumentação que estamos trabalhando.

4.2.1 Classes e escalas argumentativas.

Ducrot desenvolve o conceito de classe e escala argumentativa num estudo de 1973. Ducrot (1981) elaborou estas noções, observando processos de implicação e em relação às leis retóricas e leis argumentativas. A noção de classe argumentativa indica uma diretividade entre argumentos, e a de escala argumentativa traz-nos relações de forças entre as palavras, o sentido das escalas de força constituídas e como isto se relaciona com a argumentação.

Para Ducrot (1981) a classe argumentativa é quando: “Diremos que um locutor ― entendendo-se por essa palavra um sujeito falante inserido numa situação de discurso particular ― coloca dois enunciados p e p' na C.A. determinada por um enunciado r, se ele considera p e p' como argumentos a favor de r” (Ducrot, 1981, p. 180).

Complementando esta noção Ducrot (1981) explica que no caso de A e B, considerados argumentos em favor de r, eles podem funcionar apenas como autorizando r, não há necessidade de que sejam provas para r. E assim, Ducrot (1981) distingue argumento de prova. Afirma que um argumento pode autorizar uma conclusão, sem impô-la e que “Essa distinção nos permitirá considerar uma ordem entre os argumentos, falando de elementos mais fortes e mais fracos que outros” (Ducrot, 1981, p. 180).

A noção de escala argumentativa descreve esta ordem entre os elementos de uma classe argumentativa:

Suponhamos que um locutor coloque p e p' na C.A. determinada por r. Diremos que ele toma p' como um argumento superior a p ou (mais forte que p) em relação a r, se, aos olhos desse locutor concluir de p a r implica que se aceite concluir de p' a r, a

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recíproca não sendo verdadeira. Por outras palavras, p' é, para mim, mais forte que p em relação a r, se de meu ponto de vista, contentar-se com p como prova de r, implica contentar-se também com p', mas não o inverso. Na medida em que uma C. A. comporta semelhante relação de ordem, chamamo-la "escala argumentativa" (E. A.) e a representamos pelo esquema:

r p'

p (DUCROT, 1981, p.181).

Em nosso trabalho abordaremos as relações de força entre os argumentos numa classe e numa escala argumentativa, mas não exatamente como fez Ducrot (1981) as relacionando ao que ele chamou leis da retórica e leis argumentativas, também, não contemplaremos os processos de implicação. Posteriormente, Ducrot fez várias outras discussões sobre argumentação. Abordamos a seguir, um texto de 2009 em que ele apresenta características mais recentes da argumentação na língua e a relaciona com a argumentação retórica, ao mesmo tempo, que a critica.

4.2.2. Argumentação na língua e a crítica da argumentação retórica.

Ducrot (2009) defende o posicionamento de que há a argumentação linguística e que ela não tem relação direta com a argumentação retórica. Ressalta que, geralmente, a palavra argumentação tem o sentido de argumentação retórica. Mas ele as distingue de forma radical. Ducrot (2009) entende argumentação retórica como a atividade verbal que visa fazer alguém crer em alguma coisa. Ducrot (2009) faz duas críticas a esta definição: a de que ela exclui a atividade que visa levar alguém a fazer alguma coisa, e que só considera que levar alguém a fazer alguma coisa deve estar apoiado em um fazer crer, que é bom para ele fazer essa coisa. Ducrot (2009), neste caso, em que se propõe distinguir a argumentação retórica da linguística, afirma que considerará unicamente a persuasão pela palavra, pelo que chama de discurso.

E define, então, a argumentação linguística como sendo:

os segmentos de discurso constituídos pelo encadeamento de duas proposições A e C, ligadas implícita ou explicitamente por um conector do tipo donc (portanto),

alors (então), par conséquent (consequentemente) ... e Ducrot chama A o argumento

e C a conclusão (DUCROT, 2009, p. 21).

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Ducrot (2009) ressalta que, para os gramáticos e linguístas, A é apresentado como justificando C, como tornando C verdadeiro, válido, ou ao menos mais aceitável do que era antes de seu encadeamento a A.

Ducrot (2009), analisando encadeamentos em “portanto”, contesta esta interpretação de A portanto C, e também quando é atenuada pela formulação A é apresentado como justificando C ou a língua faz como se A justificasse C. Para ele, a argumentação retórica é definida como um esforço verbal para fazer alguém crer em algo, e que a argumentação linguística pode fazer disso um meio direto. Mas para Ducrot (2009) esta é uma concepção banal, e mesmo inevitável, do papel da argumentação linguística na argumentação retórica. Contudo, Ducrot (2009) quer provar que os encadeamentos conclusivos dos discursos não constituem meios diretos ou parciais de persuasão.

Para ele, a crítica clássica considera que as argumentações nunca são decisivas, que ao considerar A portanto C, se esquece das proposições intermediárias. Dessa forma, os encadeamentos apoiam-se em princípios gerais que admitem exceções. Então, a persuasão pede que o analista se apóie em outros motivos que não os racionais. Para Ducrot (2009), na retórica tradicional, há o logos e as razões que o constituem, mas é necessário desenvolver no ouvinte o desejo de crer verdadeiro, ou seja, o pathos. Assim, é necessário que se confie no orador, que deve aparecer como alguém confiável, sério e bem intencionado. E na retórica, o orador deve dar em seu próprio discurso uma imagem favorável de si mesmo, ou seja, constituir o ethos. E assim, na retórica, admite-se a existência, no discurso, de um logos, uma argumentação racional que seria suscetível de provar, de justificar. Mas Ducrot (2009) afirma que esse logos, não é suficiente para a persuasão.

Assim, defende que a argumentação linguística não tem nenhum caráter racional, e que ela não fornece justificação. E Ducrot (2009) põe em dúvida a própria noção de um logos discursivo, que se manifestaria através dos encadeamentos argumentativos.

Ducrot (2009) considera ainda que, apesar de não ter nada a ver com um logos, a argumentação retórica pode servir à persuasão, afirma que o caráter persuasivo desta argumentação existe, mas não se deve a um caráter racional.

Para Ducrot (2009), não há justificação de C para um enunciado A que seria compreensível em si mesmo, independentemente da sequência “portanto C”. Não há transporte, já que o encadeamento apresenta “portanto C” como já incluído no primeiro termo A. Para Ducrot (2009) o encadeamento argumentativo serve não para justificar uma afirmação

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a partir de outra, apresentada como já admitida, mas para qualificar uma coisa ou uma situação.

Ducrot (2009) ressalta, então, ao dar ênfase à argumentação linguística, não o fato da argumentação visar persuadir, mas o de qualificar, ou seja, de descrever algo. Ducrot (2009) considera que o “portanto” é um meio de descrever e não de provar, de justificar, de tornar verossímil. Para Ducrot (2009), o encadeamento já é dado pelo argumento. O argumento A anuncia já a conclusão no sentido de que a própria significação de “pouco” ou de “um pouco” comporta a indicação do que pode ser encadeado às proposições que contêm essas palavras. Assim, para Ducrot (2009), não há raciocínio, progresso cognitivo, transmissão de verdade, uma vez que “portanto” C já faz parte do sentido de A. E Ducrot (2009) considera que uma estratégia persuasiva tida como eficaz é a concessão.

Para Ducrot, a concessão manipula argumentações, implícitas ou explícitas.

Em nosso trabalho, não nos posicionamos nem na argumentação como retórica, nem na argumentação na língua somente, conforme Ducrot as concebe; pois a argumentação pode até visar a persuadir, mas não pode ser tomada como eficaz nesta persuasão, é o que nos mostra Ducrot, mas acreditamos que a argumentação não pode ser tomada apenas como encadeamentos qualificadores. Acreditamos que é necessário considerar complexidades enunciativas e discursivas envolvidas nos processos de argumentação.

Assim, a busca de compreensão de sentido (s), efeito (s) de sentido (s) constituídos na relação: sujeito, língua, memória de sentidos e temporalidades; pode ser um caminho para o estudo da argumentação.

Vejamos como a argumentação é entendida na semântica do acontecimento.