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O Abolicionista faz circular o texto “Mensagem da Junta”

Capítulo V – Movimentos argumentativos em dizeres sobre a escravidão

5.3. Análise de textos do jornal O Abolicionista

5.3.4. O Abolicionista faz circular o texto “Mensagem da Junta”

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Neste item objetivamos mostrar as relações entre o espaço de enunciação da escravidão no português brasileiro e o espaço de enunciação estrangeiro, no caso o francês, particularmente os efeitos de o locutor membro da Junta Francesa de Emancipação se dirigir ao alocutário Imperador do Brasil e ressaltar o poder que o Imperador tem sobre o povo, ao mesmo tempo, que argumenta para a necessidade da abolição. O Abolicionista traz em seus quadros: editoriais, artigos de opinião, anúncios e se vale da publicação de documentos como o texto abaixo, a mensagem de uma junta francesa. Os textos são relacionados à discussão sobre a abolição, mas, tanto nos outros tipos de texto como nos documentos, se configura, também, o que se caracterizava como a emancipação. Vejamos, este texto integral tomado como recorte:

Recorte 15

Mensagem da Junta Francesa de Emancipação ao Imperador do Brasil, em Julho de 1866

A sua majestade o Imperador do Brasil "Senhor!

No momento em que a república dos Estados-Unidos, vitoriosa de uma guerra longa e mortífera, acaba de dar a liberdade a quatro milhões de escravos; no momento em que a Espanha parece prestes a ceder à voz da humanidade e da justiça, ousamos dirigir a V. Majestade um ardente apelo em favor dos escravos do vosso Império.

Sabemo-lo, Senhor, e ninguém na Europa o ignora, que V. Majestade é poderoso no vosso Império, e a vossa força reside na administração reconhecida em amor sincero do vosso povo.

Já abolistes o tráfico; mas essa medida é incompleta; uma palavra, uma vontade de V. Majestade podem trazer a liberdade de dois milhões de homens. Podeis dar o exemplo, Senhor, e tende a certeza de que sereis acompanhado, porque o Brasil nunca olhou a servidão como uma instituição divina.

Vozes generosas levantam-se todos os anos nas assembléias, na imprensa, no púlpito, para pedir a abolição. O número dos escravos é menor que o dos homens livres; e quase um terço já existe nas cidades exercendo ofícios ou servindo de criados, e é fácil elevá-los à condição de assalariados. A imigração dirigir-se-á para as vossas províncias, desde que a servidão tiver desaparecido. A obra da abolição, que deve atender aos fatos, interesses, situações, parece menos difícil no Brasil, onde aliás os costumes são brandos, e os corações humanos e cristãos.

Desejamos a V. Majestade, já ilustre pelas armas, pelas letras, pela arte de governar, uma glória mais bela e mais pura, e podemos esperar que o Brasil não será por mais tempo a única terra cristã afetada pela servidão.

Temos a honra de ser de V. Majestade muito humildes e respeitosos servos. (O Abolicionista, 1 de novembro de 1880).

Neste texto, o Locutor dá lugar a um locutor membro da junta francesa que endereça a carta ao alocutário imperador do Brasil. Trata-se de um documento de 1866 e que foi novamente publicado nO abolicionista em 1 de novembro de 1880. Veja que a cena especifica

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a relação entre o espaço de enunciação brasileiro da escravidão e um espaço de enunciação estrangeiro, o francês. No recorte aparece o vocativo “Senhor” o que parece amenizar o fato de esta junta apreciar questões político-administrativas brasileiras, fazer recomendações e enviá-las ao imperador, e este é um acontecimento enunciativo, que é reiterado com esta publicação de 1880 e ganha novos sentidos. Analisamos este documento observando os efeitos de ele ser publicado nO Abolicionista e em 1880, são possíveis efeitos argumentativos, publicado no jornal, o texto parece dirigir-se ao alocutário senhor de escravo e aos demais leitores invocados a refletir sobre a necessidade da abolição, além de dirigir-se diretamente ao alocutário imperador do Brasil. Podemos dizer que esta mensagem tem o potencial argumentativo de uma interferência estrangeira nas questões brasileiras, contudo, tornada suavizada pela forma como é colocada, na enunciação constrói-se uma imagem positiva do imperador como soberano “V. Majestade, já ilustre pelas armas, pelas letras, pela arte de governar”.

No texto, há apelo para elementos éticos, e isto parece ser uma tentativa de sensibilizar o alocutário trazendo o argumento do locutor Junta Francesa de Emancipação, ou seja, um enunciador estrangeiro, que argumenta sobre os desdobramentos da luta pela abolição nos Estados Unidos e o empenho dos espanhóis para abolir a escravidão, infere-se que estes dois casos são apresentados como exemplos a ser seguidos pelo Brasil.

Os escravos são descritos, no texto, em oposição a homens livres, e são caracterizados como em número menor, com quase um terço destes escravos vivendo nas cidades e, ao mesmo tempo, o locutor Junta Francesa, informa e orienta o alocutário imperador e o alocutário leitor para a possibilidade de pensar outras formas de exploração do trabalho, uma das sugestões é a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. O locutor, então, enumera as atividades dos escravos: exercendo ofícios, servindo de criados; e argumenta que é fácil torná-los assalariados. Além disso, o locutor argumenta que os “imigrantes” virão para o Brasil, assim que for abolida a servidão. O locutor apela para elementos éticos e religiosos, e caracteriza o Brasil como lugar em que os costumes são brandos, os corações humanos e cristãos.

No 6º parágrafo, o locutor além de ressaltar elementos positivos do alocutário imperador, ainda apela para argumentos religiosos, ressaltando a incoerência de o Brasil ser uma terra cristã e ainda manter a servidão.

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Esta mensagem parece, então, funcionar como pressão internacional para o alocutário imperador, o próprio fato de o locutor ser uma junta estrangeira e discutir questões político- administrativas brasileiras sugerem pressão internacional ao imperador, agrega-se a isto o fato de o texto ser publicado no jornal em 1880, o que expõe à opinião pública (a que tem acesso a jornais) a figura do imperador, a posição do Brasil internacionalmente, e ainda informa e orienta sobre a abolição a possíveis alocutários como os senhores de escravos no Brasil.

A pressão internacional, sobre o governo brasileiro, para que realizasse a abolição parece ter funcionado de diversas formas, como vimos acima de maneira oficial, por meio do envio da mensagem da Junta Francesa de Emancipação ou por meio de notícias como a que analisaremos abaixo, a respeito de um banquete abolicionista. Ao serem publicados, no jornal, estes textos estendem esta pressão ao alocutário que pode ser tido como a opinião pública.