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DUMAZEDIER, Joffre Trabalho e Lazer In: Tratado dé Sociologist dó Tra ba lho Vol II, 1973 p.397

No documento A pirita humana : os mineiros de Criciúma (páginas 172-180)

VEÍCULOS DE INFORMAÇÃO.

1. DUMAZEDIER, Joffre Trabalho e Lazer In: Tratado dé Sociologist dó Tra ba lho Vol II, 1973 p.397

lazer para a classe trabalhadora decorrem das limitadas alterna­ tivas de lazer a ela oferecidas pelo sistema. Ha poucas caracte­ rísticas de vida urbana; nos bairros predomina a inexistência de ãreas livres e não se forma o cidadão no convívio das praças e dos locais públicos de lazer. No passado, era muito comum o en - contro dos mineiros nos "botequins" e nas "vendas", onde discu - tiam questões relativas ao trabalho, ao sindicato, e à política. 0 conhecimento político sobre direito trabalhista, que os minei­ ros do passado possuiam, advinha, em parte, da comunicação infor mal nas rodas de "botequins".

' Hoje, o moderno sistema de turnos de trabalho e de rodí zio semanal dos mesmo, dificulta a rotina dos encontros sociais e de lazer, ao final da tarde, como acontecia no passado.O tem­ po livre ë hoje empregado em programas de televisão ou em desean so individual na prõpria casa. O lazer passa, gradativamente, de formas socializadas para formas individualistas,' condizente . com a tendência capitalista dominante.

6 . Religião

As populações de vilas e municípios catarinenses forma­ dos pela imigração européia apresentam, entre suas tradições,vin culo âs igrejas, normalmente à Igreja Católica. Na região de Cr-L ciúma, iniciada com os primeiros imigrantes italianos,depois po loneses e alemães, não foi diferente.. ,A mesma tradição religiosa ê mantida quando, a partir de 1920, afluem açorianos de Imbituba, Laguna e outros municípios do Sul para a industria extrativa do carvão, que iniciava.

(100%) como católicos. Contudo, a Igreja não sé constitui num ele mento integrador da vida comunitaria e das motivações que envol­ vem a vida cotidiana dos trabalhadores mineiros, Essa constata - ção ë feita a partir das declarações dos trabalhadores e deduzi­ da tambëm pela postura que a Igreja Católica de Criciúma tem man tido, tradicionalmente, frente â população trabalhadora.

Na relação da Igreja com a classe operaria, especifica­ mente com a classe operaria mineira, podem-se encontrar duas fa­ ses, que caracterizam a postura da Igreja, não só em Criciúma , mas no Brasil e atê na América Latina. Até a década de 1970, a Igreja no Brasil esteve muito ligada ao poder oficial do Estado e atuando na conveniência das políticas dos governos. Os anos de 19 6 8 e 1979 são marcos na mudança de orientação política da Igre ja na América Latina. Em 1968, o CELAM (Conselho Episcopal Lati­ no Americano) realiza a .Conferencia de Medelin, onde afirma a Teologia da Libertação; em 1979, o CELAM, agora na Conferência de Puebla, no México, faz a opção da Igreja pelos pobres.

As posições histõrico-políticas da Igreja na América La tina e no Brasil orientam a posição das Igrejas locais e sua atua ção junto âs classes sociais.

Desde a criação do Sindicato até o final da década 1970, a Igreja local de Criciúma manteve sua posição tradicional de aberta-reprovação â luta de classes, que se manifestava na or ganização sindical da região.

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Os mineiros aposentados e os trabalhadores mais antigos são unânimes em afirmar que a Igreja, no passado, era frontalmen te contra a organização e ao movimento operário. 0 discurso da Igreja, lembram os líderes sindicais do passado, "era de reprova

ção ao mineiro e de louvor ao èmpresãrio"; ou,quando não agredia o operário, "sua pregação era de conformismo; pregava a paciên - cia e a humildade nas injustiças e . judiarias que o mineiro ;p as­ sava" .

A posição da Igreja, evidenciando sua identidade com a política das classes dominantes e com o governo, é encontrada nos registros de atas do Sindicato. Seu discurso é reproduzido tam­ bém por mineiros, que relatam "sermões dos padres" contra os ope rãrios militantes. As "praticas" proferidas na Igreja contra os mineiros eram comuns por ocasião das campanhas eleitorais db sin dicato e em época de greves. Não apenas o discurso da Igreja es­ tava a serviço da ideologia dominante; sua ação, no tocante â pastoral operária, fortalecia as posições patronais.

A posição tradicional da Igreja, declaradamente a favor das classes privilegiadas, contava com a atuação isolada de sa­ cerdotes que se posicionavam a favor da classe operária e atua - vam na defesa dos sindicatos autênticos. Entre os operários é lembrada a atuação do Pe. Osni Rosembrock e do Pe. Alípio.

Atualmente, em todo o Brasil, principalmente a partir de 1979, constata-se a existência de núcleos regionais em que as / Igrejas mudaram sua postura em relação à classe operária.

Um mineiro aposentado afirma que a atuação da Igreja mu dou fundamentalmente do passado em relação â dinâmica atual, na Igreja de Criciúma. ■ , .

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"Hoje a Igreja é aliada do mineiro. No passado, os bons atuantes estavam sem ação, na Igreja; hoje,os ruins é que estão desmoralizados. Os padres areja­ dos atuam mais. 0 Pe. Miotelo está fazendo um bom trabalho de base. 0 Pe. Maneca é conservador, mas

seu trabalho de base ë fantástico. Os padres,mesmo os tradicionais, começam a. mudar. Porque a ordem da Igreja agora, e partir por.este caminho".

A postura mais comum encontrada nas diversas paroquias on de há operários mineiros ë a posição de "uma Igreja mediadora en tre as classes sociais", pretensamente neutra, não comprometida com a posição de nenhuma delas. O vigário da paróquia São José ê do parecer de que se deve fazer um trabalho com os "dois lados com o* trabalhador e com o empresário:

"Nõs devemos alertar o empresário para uma certa discordância em relação ao nível salarial,para uma maior distribuição da renda, mas, por outro l a d o , , alertar o operário para o fato de que o empresário ë quem arrisca; que o empresário âs vezes não quer, mas ë obrigado a despedir o mineiro porque há su­ perprodução. Nisso tudo o culpado ë o sistema ; não o patrão. 0 patrão, âs vezes, ë injusto, mas o operã rio tambëm ë injusto com o patrão".

A defesa da postura de uma Igreja acima das classes ë assumida, oficialmente, nas paroquias de Criciúma. Há contudo,po sições dissidentes por parte de alguns sacerdotes. Por exemplo,o Pe. Valdemir Miotelo, que iniciou um trabalho pastoral junto aos operários da Vila Manaus, um bairro pobre e totalmente carente de

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benefícios sociais, considera que a Igreja ainda está longe de "atender e defender" o operário. Èle afirma:

"Normalmente o mineiro não frequenta a Igreja.Tal­ vez a Igreja tenha perdido o operário por causa de suas posições conservadc/ras nas décadas de 50 e 60. A ação da Igreja com os mineiros ë insignificante. O clero daqui ë muito conservador. A Igreja perdeu os mineiros, assim como perdeu a classe estudantil. Antes de 196 4, o Pe. Osni teve uma boa atuação,mas

Os mineiros, por sua vez, se situam numa posição em que a Igreja não faz parte essencial de suas motivações.Contudo,iden tificam a Igreja como benéfica ou prejudicial ao mundo operário. Para 59% dos mineiros, a Igreja ajuda a ação dos trabalhadores ; 37% dizem que não ajuda; 4% não sabem opinar sobre o assunto. A ajuda da Igreja ou a ausência dela ê considerada pelo trabalha - dor principalmente sob o enfoque "sobrenatural". É assim que 44% afirma que a "fé ajuda":

"Deus olha por quem tem fé. A pessoa tem que ter uma palavra confortável, no caso, a palavra de Deus".

"Ajuda de todo jeito; rezar ajuda e resolve muita coisa".

Da mesma forma, as afirmações dos mineiros ' esclarecem - que eles separam os dois mundos - o do trabalho e o da religião:

"A religião ë mais para a parte do espírito. A re­ ligião e a Igreja não podem se meter em política". "O religioso não mistura a Igreja com o trabalho . Sabe a hora da religião e do trabalho".

Para 37% dos mineiros, a Igreja não ajuda, mas eles tam bem não sabem em 'que ela poderia ajudar; 15% consideram que a Igreja e a religião não estão ligadas ao trabalho; 9% acham que a Igreja dá apoio moral e que tem defendido os direitos do traba lhador.

A visão desvinculando o "mundo do trabalho" do " mundo da fé" prevalece entre os que afirmam -que a Igreja ajuda a ação dos trabalhadores. Os mineiros que indicam que a Igreja não atua junto aos operários mantêm igualmente uma postura política de oposição ao sistema. Acusam a Igreja de isolar~se do mundo opera

declarações de um mineiro da CBCA e de outro da Prospera:

"A Igreja está por fora do que acontece no meio das indústrias, debaixo nas minas .Os padres não têm ideia do que acontece no serviço. Mesmo que quisessem fa lar, não sabem o que dizer; a linguagem dos padres não ê nada do que é a nossa vida no trabalho".

"Não, a Igreja não ajuda o trabalhador. Os padres não fazem uma pratica para os patrões pagar melhor os operários, ou para defender os operários. 0 po­ vo fica mais de lado. Os padres têm medo de defen­ der o operário!-'.

Observa-se que o mundo operário mineiro se divide funda mentalmente em dois grupos, em relação â religião e â ação da Igreja. 0 primeiro grupo, mais numeroso, atribui â religião e a Igreja uma missão sobrenatural, voltada para a dimensão de " fê espiritual". 0 segundo grupo não identifica claramente o papel da Igreja e a razão da religião. Contudo, acena vagamente para a postura que vincula a Igreja a posições políticas de defesa dos direitos do operário. - ,

7 Moradia

A aspiração â casa própria não se constitiu exclusividade da categoria dos operários do carvão, senão de toda classe traba lhadora. Ãs outras classes, dos pequenos proprietários e da bur­ guesia, não se coloca o problema, uma vez que ter casa própria e questão solucionada. Contudo, para a classe trabalhadora,em m u i ­

tos casos se trata de objetivo irrealizável, se a renda familiar e totalmente consumida em alimentação, vestuário e transporte.

sos, tem duração igual ao numero de anos de vida profissional ati va do trabalhador; os que adquirem casa através de financiamento o fazem por um plano de 20 a 25 anos. Se aposentam e continuam pa gando. Outros constrõem,eles mesmos, a própria casa, em fins de semana, nas férias, e o fazem em etapas. A conclusão das casas , não raro, se estende por varios anos. Alguns herdaram a casa dos pais. Outros compram uma casinha de madeira, de algum amigo,na área rural e transportam - n a ' para o bairro operario, onde com­ pram um "chão" para aí levantar a própria casa.

O nível de moradia dos trabalhadores varia não só de acordo com o bairro, senão também quanto à localização das ca­ sas nos mesmos bairros. Sendo o nível salarial dos mineiros, su­ perior ao de outros trabalhadores da região, os bairros mais p o ­ bres, cujas moradias são muito precárias, são habitados por tra­ balhadores de indústrias cerâmicas ou doutro ramo na região. As casas dos operários das minas apresentam, em relação aquelas, me lhor aparência. Contudo esta c o m p a r a ç ã o .não deve ser portadora de uma imagem positiva sobre'aproximadamente 50% das casas dos m i ­ neiros. Denuncia, isto sim, a exploração ainda máis aviltante de outras categorias profissionais, cuja remuneração do trabalho s5 viabiliza ter como teto nada mais que um barraco. O desfrute do direito à casa própria representa, inúmerâs vêzes, uma trajetõ - ria dolorosa, um processo onde o resultado final nem sempre ê vi torioso. O mineiro Mário, da Próspera, contava, com frustração ,

o seu fracasso: . /

"Esta casa aqui é mais um rancho, que eu troquei com um companheiro. Comprei uma casa financiada,mas depois de dois anos o dinheiro não deu mais e fui obrigado a entregar. Daí o companheiro que morava aqui assumiu a dívida, fiquei com a casinha dele e

passamos os papéis".

No documento A pirita humana : os mineiros de Criciúma (páginas 172-180)