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Foi durante esse semestre extraordinário que estive em campo a maior parte do tempo Nesse tempo era comum escutar dos sujeitos que estavam inseguros com a possibilidade de serem “mandados embora” com o fim

do contrato vigente. Como eu tinha algum contato com os superiores, muitas vezes os auxiliares vinham a mim e perguntavam se eu tinha informações sobre os novos contratos, como e quando seria o processo licitatório, etc.

30 Disponível em:

http://www.otempo.com.br/cidades/servidores-da-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-integrada-dar%C3%A3o- in%C3%ADcio-%C3%A0-opera%C3%A7%C3%A3o-padr%C3%A3o-1.1013445 acessado em 20 de fevereiro de 2016.

Desde então, se iniciou um longo conflito político31 entre a categoria organizada e o Poder Executivo Municipal. A situação só se tranquilizou no início do semestre seguinte, porém sem um desfecho efetivo. Boatos, assembleias, manifestações públicas, participação ativa da imprensa local e as paralisações fizeram parte da rotina no campo da fiscalização, conturbando não só a relação dos servidores públicos com a PBH, mas incidindo também na fiscalização “ao nível de rua”.

Enquanto instrumento de pressão, os fiscais integrados não só diminuíram o ritmo de trabalho cotidiano, como também colocaram as próprias instituições públicas municipais no alvo da fiscalização, expondo seu poder de polícia como sanção direta à PBH.

Diante dessas ações, que inclusive foram amplamente divulgadas e apoiadas por parte da mídia32, por meio de uma Portaria expedida em abril (SMAFIS No 010/2015), a Prefeitura ataca o poder discricionário dos fiscais integrados, suspendendo “a execução de atividades fiscais de forma espontânea, excetuando aquelas de caráter de urgência ou emergenciais que envolvam perigo iminente de qualquer natureza”33, e limitando as suas ações somente quando recebidas automaticamente pelo Sistema Integrado de Fiscalização (SIF), repassados pelos gerentes com programação e agendamento prévio.

A portaria efetivada pela PBH não seguiu válida por muito tempo. Uma denúncia formal foi encaminhada34 pelo Sindibel ao Mínistério Público que, por sua vez, abriu um inquérito,

31 “Nos últimos anos, apesar do poder discricionário das atividades fiscais e em razão da redução do número de

fiscais atuando no cargo, o trabalho da fiscalização passou a ser feito basicamente atendendo as demandas repassadas pelos gerentes, que priorizam os locais com mais reclamações. Diante do questionamento se os fiscais trabalham ou não, os servidores resolveram deixar de cumprir somente esse papel e voltar a usar seu poder discricionário de fiscalizar as irregularidades, independente das orientações das gerências. No primeiro dia de operação padrão, a fiscalização emitiu mais de 100 notificações e multas em prédios e equipamentos da própria Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) e em grandes empreendimentos, que, até então, não eram prioridades da secretaria de Fiscalização. Entre esses locais, destaca-se o futuro Centro de Convenções do município, que foi notificado pelo uso indevido de logradouro público, dificultando o acesso de veículos; pela falta de laudo comprovando o sistema de combate a incêndios e pânico; pelo risco de instabilidade do imóvel; pela não promoção de segurança e salubridade, como a limpeza para evitar a proliferação da dengue; além da ausência da certidão de baixa de construção. Também foi constatado que os Centros de Saúde do município, em sua grande maioria, não possuem plano de gerenciamento de resíduos sólidos e nem alvará de funcionamento.” Disponível em: http://sindibel.com.br/balanco-do-primeiro-dia-de-operacao-padrao-da-fiscalizacao-integrada/ 32 Disponível em: http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/prefeitura-de-bh-recua-e-fiscalizac-o-retoma-rotina-na-cidade- 1.324504 e http://minaslivre.com.br/plus/modulos/noticias/ler.php?cdnoticia=3333#.Vl0UcFirTIU acessados em 20 de fevereiro de 2016. 33 Disponível:

http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1140393 acessado em 20 de fevereiro de 2016.

34 Disponível em:

http://sindibel.com.br/sindibel-encaminha-denuncia-ao-ministerio-publico-contra-as-arbitrariedades-da- secretaria-municipal-adjunta-da-fiscalizacao/ acessado em 20 de fevereiro de 2016.

investigou e constatou “que a portaria entra em confronto com a legislação municipal. A Lei 10.308/2011, que cria o cargo de fiscal integrado, prevê, entre outras coisas, que uma das competências do servidor é ‘fiscalizar e fazer cumprir as normas da legislação mediante vistorias espontâneas, sistemáticas e dirigidas’.”35 Neste período de tensão política, o trabalho nas ruas realizado pelos auxiliares, frente ao comércio ambulante, seguiu seu curso rotineiro, porém sem contar com o suporte institucional imediato de grande parte dos fiscais que aderiram à “Operação Padrão”. O grande impacto desse fator externo - aos conflitos “ao nível de rua” - foi o reforço da capacidade do corpo operacional de negociar sua autoridade diante dessa limitação contextual, aspecto da mecânica do controle social que será explorado no Capítulo 4. A controvérsia política em questão não precisa ser contada em detalhes, até porque seus efeitos no trabalho de rua são, em grande medida, amortecidos no âmbito operacional, como veremos. Por outro lado, a partir desse apontamento, quero chamar a atenção para como as tensões políticas do campo da gestão urbana, de origem principalmente institucional, protagonizadas por grandes figuras, grandes organizações, incidem na vida diária, interferindo diretamente sobre as dinâmicas do cotidiano nas ruas, nas linhas de encontro entre os agentes de operacionalização do controle social e o público-alvo. Mesmo sendo os auxiliares de fiscalização funcionários terceirizados, teoricamente alheios às questões levantadas nesses embates entre o sindicato e a PBH (os terceirizados não participam das assembleias, não são representados pela Sindibel e nem têm suas pautas inclusas nas reivindicações sobre “condições de trabalho na fiscalização”), o que ficou latente ao longo do trabalho de campo é que, a cada nova decisão institucional deferida, o impacto reverbera pelas camadas hierárquicas e toma forma ao nível da base.

2.4 Conclusão: Condicionantes políticos, institucionais e gestionários

Neste capítulo foi apresentado um panorama do que pode ser entendido como o background político e institucional para a implementação da fiscalização em Belo Horizonte, enquanto serviço público voltado ao controle de práticas nos espaços da cidade. Foram discutidos elementos desde o passado - já reconhecidos pela literatura selecionada como “história da cidade” - até o presente, apresentados, por sua vez, como conjuntura organizacional vigente.

35 Disponível em:

http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/prefeitura-de-bh-recua-e-fiscalizac-o-retoma-rotina-na-cidade- 1.324504 acessado em 20 de fevereiro de 2016.

Vimos, a partir da apresentação das propostas do Projeto Centro Vivo, que Belo Horizonte passa por um período, desde meados da década de 1990, frequentemente marcado por projetos de grande impacto em intervenção urbana. Na verdade, esse período pode ser entendido como marco de um processo mais amplo de promoção de um ideário centrado no ordenamento urbano, a partir da priorização de determinadas atividades/ocupações/usos urbanos, complementar à exclusão de outras atividades/ocupações/usos urbanos, o que ficou ilustrado com a histórica tensão entre os comerciantes ambulantes e o Poder Público em Belo Horizonte. Outro pilar desse discurso está previsto na formatação do Código de Posturas, legislação que sedimenta normas e, ao mesmo tempo, projeta a Fiscalização Integrada, modelo de gestão “inovadora” que promete eficiência na execução das regras. Diante desse cenário, se constitui toda tecnologia administrativa por trás da fiscalização urbana vigente: a reformulação das secretarias municipais, a redefinição de competências de cargos públicos, a criação da figura do agente auxiliar de fiscalização terceirizado e outros, o que está aliado ao desenvolvimento das estratégias de operação mais globais, e também estrutura a atuação dos agentes “nas pontas”.

O argumento dessa contextualização se conclui com a ressalva de que as transformações que passam os aparatos institucionais são processuais, portanto constantes. Estas se desenrolam no sentido de ajustarem-se às “demandas”, às pressões políticas, acompanhando a dinamicidade urbana e, em alguma medida, no sentido do reequilíbrio das tensões sociais (ELIAS, 1994b), sendo estas latentes e evidentes também em escala aproximada às interações face-a-face, às sociabilidades.

Todos os aspectos envolvidos no âmbito institucional, seja relacionado à formulação das políticas urbanas ou à dinâmica organizacional contemporânea, são entendidos não como “determinantes dedutivos”, mas como partes do fenômeno relativamente estruturantes para o desdobramento das tramas e conflitos. Projetos urbanísticos, estratégias de controle, legislações, rotinas de trabalho, discursos institucionais, trajetórias de trabalhadores: são vários os fatores que, interligados e influentes entre si, confluem para a construção do controle social em questão, como integrantes do que Foucault (1989) chamaria de dispositivo. A contextualização aqui descrita deve ser compreendida como um esforço de ampliação dos alcances de análise proposta pela pesquisa, a partir, principalmente, do meu contato enquanto pesquisador com os pontos de vista dos auxiliares de fiscalização.