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Neste capítulo são exibidos os conceitos e as características da edificação penal, ao se abordar a relação da arquitetura com a penalogia. Neste sentido, os condicionamentos penalógicos de ordem teórica, sociológica e pragmática da composição arquitetônica foram examinados. Isto evidenciou os processos, componentes e padrões geradores da composição arquitetônica. Este capítulo é complementado pelo Apêndice A.

Com base na definição de edificação de Edgar Graeff (2006), a edificação penal pode ser entendida como o espaço organizado, por meio da matéria e da forma arquitetônica, para abrigar a atividade prisional. Esta acepção abre campo para a inferência dos vetores da modelagem espacial da prisão, a partir do conceito de espaço e da conjunção entre arquitetura e a atividade prisional.

O conceito de espaço em arquitetura não é consensual, embora as questões da forma e da função sejam recorrentes - a relação entre o interior e o exterior e o invólucro (GRAEFF, 2006, p. 33). Christopher Alexander (1977a) explica a forma como qualquer solução projetada para resolver um determinado problema funcional. Assim, a forma de Alexander equivale ao edifício (MOREIRA, 2007, p. 65). Para Alexander (1977a, p.1), a forma é uma organização física que corresponde conceitualmente ao objeto artificial descrito por Herbert Simon (1981, p. 27). Este artefato artificial é concebido pelo indivíduo como resposta funcional a uma demanda, cuja caracterização pode ocorrer em termos dos objetivos, funções e adaptações a situação em que opera, ao mesmo tempo em que a forma muda constantemente junto com as exigências sociais e as condições de uso. A partir deste entendimento, o espaço arquitetônico pode ser descrito segundo seu objetivo, o modelo como opera e a situação onde funciona (SIMON apud MOREIRA, 2007, p.59-61). Deste modo, a edificação penal pode ser definida como o espaço construído para abrigar a atividade prisional, constituído em função do padrão penal adotado por um grupo social, em um determinado período de tempo.

A definição formulada apontou três vetores da composição arquitetônica da prisão. Em primeiro lugar, ao abrigar a atividade prisional, a edificação prisional transparece a vertente penalógica predominante, qualificando o espaço como de punição ou de reintegração social. Em segundo lugar, o padrão penal indica as necessidades físicas para o cumprimento da pena, configurando a programação arquitetônica do estabelecimento, conforme o preconizado no modelo prisional. Por último, a variável sócio- temporal evidencia a subordinação da arquitetura à penalogia, cuja mudança produziu modelos espaciais para a prisão. Em suma, a composição arquitetônica da prisão envolve o caráter penalógico, a programação arquitetônica e os padrões arquitetônicos penitenciários, examinados a seguir.

1.1 Caráter penalógico

Qualquer abordagem da arquitetura no campo penal deve levar em conta a polarização punição- reintegração social da pena privativa de liberdade, cuja equalização implica em uma diversidade de

estabelecimentos, baseada na correspondência entre a pena e o apenado (UNOPS, 2016, p. 22). Esta equalização é identificada pelo nível de segurança do estabelecimento penal que determina uma escala diretamente proporcional da intensidade punitiva da pena em relação ao perfil dos presos14. Para os

presos mais perigosos pressupõe-se que a pena é mais rígida, sendo abrigados em estabelecimentos de maior segurança, e vice-versa.

Em termos do espaço arquitetônico, Rolim (2005) afirma que “o projeto arquitetônico de um estabelecimento prisional é o resultado de um conceito de pena privativa de liberdade”. Neste sentido, o nível de segurança é a categoria penitenciária que define de forma mais consistente o espaço arquitetônico, configurando as modalidades de espaço arquitetônico (ORLAND, 1978, p.52). As demais categorias resultam apenas em nuanças programáticas. Quanto ao gênero, por exemplo, a unidade feminina difere da masculina apenas na saúde da mulher e no apoio à criança filho de presa, segundo as regras técnicas brasileiras vigentes.

O Technical Guidance for Prison Planning (2016, p.31 e p. 68 - 70) apresenta as características gerais de unidades prisionais de maior segurança: um número maior de barreiras, zonas inacessíveis e obstáculos entre o exterior e as áreas mais internas da unidade prisional, compactação funcional em um edifício único, a separação espacial dos grupos de presos através da minimização do compartilhamento de áreas. Orland (1978, p. 52) especifica alguns dos elementos de maior segurança: a localização isolada, muros altos ou cercas duplas acompanhadas por torres, a população prisional mínima e a incessante vigilância, assistida por dispositivos eletrônicos e holofotes. Nelas, o isolamento celular torna-se preferível e em agrupamentos mínimos de celas. As mesmas não possuem janelas ou estas são diminutas, enquanto as portas são em grade ou com visores, impedindo qualquer privacidade - os banheiros são abertos e monitorados. Os pátios são diminutos e fechados lateralmente, permitindo apenas a visualização superior. Portanto, o espaço arquitetônico de maior segurança tende a ser mais fechado, restritivo, monótono e comprimido para as atividades dos presos.

No outro extremo, as prisões de menor segurança devem ficar próximas às comunidades, a população prisional não deve ser grande, predomina a cerca de arame e poucas ou nenhuma torre de guarda. Nelas existe uma variedade de alojamentos, normalmente coletivos e o controle interno é reduzido. Assim, o espaço arquitetônico de menor segurança tende a ser mais aberto, acessível, criativo e favorável à realização das atividades dos presos. As distinções entre estes espaços são evidenciadas ao se comparar as topologias de uma prisão tradicional e uma contemporânea de princípio recuperativo (Figura 2).

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De modo informal, este perfil é aferido pela periculosidade do preso. A periculosidade é determinada pelo desvio da conduta do preso em relação ao comportamento regularizado pelas normas de disciplina da prisão (SILVA, J; RODRIGUES, 1989). A periculosidade retrata o potencial ofensivo e o risco que os prisioneiros representam para a instituição prisional (UNOPS, 2016, p. 31).

Figura 2 – Gráficos topológicos de estabelecimentos penais15

À esquerda, gráfico de uma prisão contemporânea do tipo rede, à direita, gráfico de uma prisão tradicional do tipo árvore. O primeiro apresenta menor profundidade até as celas e profusão de conexões e circuitos, e o programa é amplo. O segundo apresenta maior profundidade devido ao número de controles, poucas conexões e

circuitos (poucas alternativas de trajeto), o programa é reduzido. (Fonte: MARKUS apud SPENS, 1994, p. 17)

Na atividade prisional, a polarização da pena é materializada pelos instrumentos da segurança penitenciária e do respeito à condição humana, compreendidos como um conjunto sistemático de medidas físicas e operacionais interdependentes, visando à implementação das funções da prisão (ORLAND, 1978). A segurança penitenciária remete à contenção dos presos e ao controle das pessoas, necessária à ordem interna, enquanto a condição humana remete ao bem estar das pessoas. Então, ambas são forças antagônicas e complementares entre si para viabilizar o funcionamento do estabelecimento, ao mesmo tempo em que configuram as modalidades de espaço arquitetônico, associadas ao nível de segurança do estabelecimento penal.

Ao aproximar a funcionalidade da prisão da composição arquitetônica, não se encontrou um termo mais adequado para sintetizar e exprimir as demandas da segurança penitenciária e do respeito à condição humana. Neste sentido, a definição de boa condição penitenciária de Foucault (1987, p. 237- 238) foi reformulada para esta tese16. A concepção original expressava a correta aplicação da pena,

significando a prática dos princípios de funcionamento da prisão (ESTECA, 2010, p. 42) à qual foi acrescida a idéia de respeito à condição humana na prisão. Neste exercício, o respeito à condição

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A representação topológica trata de como os espaços são organizados com respeito de uns aos outros e ao mundo exterior em termos de proximidade - o que cada espaço é em relação ao próximo e ao de onde foi penetrado. Esta é uma questão de topologia, não de geometria. Se todas as interligações são marcadas sobre um plano e depois retificadas em um gráfico de modo que o primeiro espaço (digamos um hall de entrada) se encontra no nível um, tudo mais pode então passar para o nível dois, e assim por diante, uma rede característica aparece. Dois de seus aspectos são a profundidade e o grau em que ele contém anéis e árvores. Profundidade refere-se ao número total de níveis para se alcançar um espaço vindo de outro – quer dizer a partir do exterior para o interior. Um anel indica que se poderá passar de um espaço para os demais e regressar ao ponto de partida por uma via diferente e que, em uma árvore não há escolha senão se mover para trás e para frente ao longo do tronco e galhos. Ambas as propriedades têm demonstrado as interações sociais, encontros, vigilância e controle, em outras palavras, as relações sociais no edifício (MARKUS apud IONA, 1994, p. 15).

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Os princípios da boa condição penitenciária foram apresentados por Foucault como “as sete máximas universais da boa ‘condição penitenciária’” (1987, p. 237) e são amplamente citadas na literatura jurídico-penal (ver capítulo 2).

humana foi traduzido no conforto ambiental, em atenção à prioridade ditada pelo sistema penal e à conveniência técnica existente, pois o bem-estar é tratado nas regras técnicas vigentes sob esta perspectiva. Com isto, a funcionalidade da prisão corresponde às exigências de natureza utilitária organizadas por Graeff, relativas à eficiência prática (êxito do edifício quando é favorável à atividade humana) e ao conforto físico (êxito do edifício quando é favorável à existência humana). No âmbito legal, estes valores encontram suporte na Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984) (ver capítulo 3)17.

Em suma, o edifício prisional deve atender a duas condições, visando à boa condição penitenciária:

a) A correta aplicação da pena: a composição arquitetônica voltada para as necessidades espaciais institucionais que abordam a prisão como atividade econômica para o cumprimento da pena, prevendo a privação de liberdade, a assistência do Estado e o programa de benefícios aos presos, voltados à reinserção social dos presos.

b) O respeito à condição humana na prisão: a composição arquitetônica voltada para as necessidades espaciais das pessoas que abordam a prisão como atividade humana, voltada para o bem-estar das pessoas, neste caso, com foco no conforto ambiental.

A questão da arquitetura está na moderação entre a segurança penitenciária e o respeito à condição humana, pois o aumento de um resulta no decréscimo do outro. Como afirma Sá (2005), se por um lado a prisão não é corretora do indivíduo, ao tentar perde a sua força de punição. Deste modo, uma edificação equitativamente punitiva e humana é relativamente inviável, pelo menos do ponto de vista econômico, sendo possíveis apenas unidades de maior ou menor segurança (ESTECA, 2010). Da mesma maneira, uma edificação plenamente punitiva ou humana também não é possível. Por um lado, existe o fato básico de a prisão lidar com pessoas e não com objetos (GOFFMAN, 2005). Por outro lado, a natureza da pena implica, por si só, em algum grau de desrespeito à condição humana. Neste sentido, segundo Foucault (1987), a melhor prisão seria a “não-prisão”. Portanto, como não é possível falar em ‘pena leve’, mas em ‘pena justa’, segundo um cálculo racional (ROLIM, 2005), apenas é possível almejar uma ‘arquitetura justa’, equalizada entre as concepções negativa e positiva da pena (ESTECA, 2010). Em se tratando de um nível de segurança alto, o incremento da segurança na arquitetura deve ser refreado pela condição humana, não podendo haver prejuízo ao bem-estar das pessoas. Como é posto no Manual Internacional para uma Boa Prática Prisional: “O dever primário de cuidado é o de garantir a segurança das pessoas privadas de liberdade. O dever de cuidado compreende também um dever de garantir o bem-estar da pessoa [...]” (apud ROLIM, 2005). Este raciocínio

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A correta aplicação da pena, segundo os princípios basilares de Foucault (ver seção 2.1, capítulo 2), tem a seguinte relação: a pena reformadora do homem (Art. 10°), a classificação dos presos (Art. 5°), a progressão de regime (Art. 112), o trabalho (Art. 28), a educação (Art. n° 18), o pessoal das prisões (Art. 77) e a continuidade da assistência do Estado ao preso durante e após o cumprimento da pena (Art. 26-27). O respeito à condição humana é tratada no Art. 3º desta Lei que afirma ser “assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal”, além de outros dispositivos e diplomas abordarem o tema.

encontra paralelo na criminologia crítica de Baratta e na disciplina-bloco de Foucault (1987, p. 173) que assumem a ênfase no cumprimento da pena na prisão.

Na arquitetura ainda deve ser considerado que a segurança penitenciária depende da operação, então não basta o planejamento do edifício dentro de um esquema de segurança físico, mas associá-lo aos moldes operacionais. Uma maior segurança implica em uma ênfase dos processos totalitários da prisão: “buscas nas celas por armas e contrabandos, o atendimento estrito das regras disciplinares, banhos tomados sob supervisão, prevenção do contato físico com visitantes e vistorias físicas que frequentemente antecedem e prosseguem com as visitas” (ORLAND, 1978, p. 52). Sá (1990, p. 256) demonstra a partir da sua vivência nas prisões, “a relatividade e, até mesmo, a perniciosidade de se confiar excessivamente às medidas arquitetônicas, frias e impessoais, a segurança, à procura de uma segurança máxima”. O mesmo registrou esta questão no depoimento de um agente penitenciário (Idem, 1990, p. 255): “Segurança máxima não existe, porque o preso também é inteligente. Ele tem muito mais tempo do que nós para pensar. O que vai segurar o preso não é a segurança, esses blocos, toda essa parafernália, mas a aceitação, por parte dele de ficar aqui”. Neste sentido, a segurança penitenciária depende da implementação das políticas penitenciárias, do acompanhamento do judiciário, da possibilidade da assistência e do programa de benefícios aos presos e da postura e capacitação dos funcionários (WENER, 1993).

1.2 Programa arquitetônico

A atividade prisional transpõe os objetivos da pena para a edificação, percebidos em duas atribuições do espaço arquitetônico: a segregação social do preso e a funcionalidade do estabelecimento penal. Como coloca Markus (apud SPENS, 1994, p. 15), a organização espacial da prisão é representativa das relações de poder internas e em relação ao mundo externo. A primeira atribuição do espaço arquitetônico remete ao conteúdo desenvolvido por Goffman (2005, p. 16-24) sobre o isolamento social das Instituições Totais. Para Goffman (2005, p. 16), estas instituições apresentam diferentes “tendências de fechamento”: “seu fechamento ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico. Por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos”. A barreira perimetral é o elemento que garante o cumprimento da justiça e da segurança social, ao mesmo tempo em que rompe a relação social entre aqueles mundos, tornando-se invólucro de uma nova sociedade (ESTECA, 2010, p. 135).

Além da barreira, para Markus, a localização do estabelecimento penal integra o isolamento social (MARKUS apud SPENS, 1994, p. 16): “Claramente, o edifício ou seu sítio requerem limites físicos fortes, ele pode ser localizado em uma locação remota tanto quanto para fazer ambos, a fuga e a

participação de conspiradores externos, mais difícil”. Neste sentido, a distância física entre o mundo interno e o externo é apontada como recurso da segurança penitenciária. Seguindo esta lógica, o isolamento social compreende também os afastamentos extramuros (entre o limite do terreno e a barreira) e intramuros (entre a barreira e as edificações). Estes artifícios do espaço concorrem para apartar o mundo da prisão.

Um aspecto importante do isolamento social é a necessidade de interrupção da comunicação dos presos com o mundo externo - a impermeabilidade, entendida como “o grau em que os padrões sociais mantidos no interior da instituição e na sociedade-ambiente se influenciam mutuamente, e cuja consequência é uma redução das diferenças” (GOFFMAN, 2005, p. 104). A impermeabilidade diz respeito à interação prisão-sociedade que, em termos funcionais, é regrada pelo esquema de segurança penitenciária. Neste sentido, quanto mais elevado o grau de segurança da unidade penal, maior a impermeabilidade, pois o domínio da informação na prisão torna-se essencial para a administração total (GOFFMAN, 2005, p.19-20).

Na segunda atribuição do espaço arquitetônico, a funcionalidade do estabelecimento penal é determinada pelo modelo e pela realidade prisionais (ESTECA, 2010). O modelo prisional caracteriza os processos totais na operação penitenciária, por meio da técnica penitenciária aplicada, o que leva a uma reprodução dos diferentes aspectos da vida em liberdade, porem sob um regime totalitário. Neste sentido, o espaço da prisão é comparado a uma pequena cidade sob quarentena para o controle de uma peste (FOUCAULT, 1987, p.186). A realidade prisional reelabora partes dos processos totais, a partir das relações sociais na prisão, como será visto nos Capítulos 3 e 4. Assim, os processos totais e as relações sociais na prisão são dois fatores que condicionam a concepção espacial da prisão.

Conforme os ditames do integralismo, do mecanicismo e do controle, a prisão reproduz o conceito de “educação total” de Foucault (1987, p. 222), firmado pelos reformadores do Iluminismo, cujo pensamento seria:

Conceber-se a potência da educação que, não em só dia, mas na sucessão dos dias e mesmo dos anos pode regular para o homem o tempo da vigília e do sono, da atividade e do repouso, o número e a duração das refeições, a qualidade e a ração dos alimentos, a natureza e o produto do trabalho, o tempo da oração, o uso da palavra e, por assim dizer, até do pensamento (Ch. Lucas, 1838, vol II, p. 123-124).

O integralismo determina um programa extenso e multifuncional para a edificação prisional que institui uma autonomia operacional em relação ao mundo externo. O mecanicismo trata da rotina prisional que define uma organização espacial em termos da localização das atividades e dos deslocamentos. O controle permite a administração total, ao estabelecer a supremacia institucional.

Segundo Goffman (2005), o espaço do edifício prisional é organizado conforme as representações institucionais que definem os diferentes graus de permeabilidade e de liberdade de movimentação, segundo os atores prisionais: visitantes, presos e a equipe dirigente. Com base nesta perspectiva da representação teatral trabalhada por Goffman, o espaço arquitetônico da prisão pode ser observado como um teatro da manipulação das impressões. Esta manipulação objetiva a manutenção da imagem da prisão como “organizações racionais, conscientemente planejadas como máquinas eficientes” (GOFFMAN, 2005, p. 69). Externamente, à sociedade é apresentada a situação institucionalmente definida, o que Goffman denominou de ‘fachada’. A entrada do público externo no estabelecimento é permitida até áreas específicas e é condicionada por regras de conduta, de modo a garantir esta representação institucional. Os bastidores são restritos aos presos e funcionários, havendo aí outras representações que não convêm à instituição a apreensão do público. Assim como, a informação externa chega aos presos sob censura da administração, o que favorece o controle destes. Goffman mostra ainda que a estanqueidade entre estes lugares externos e internos, cuja passagem está sob o poder da administração depende da permissividade atribuída aos atores. Esta impermeabilidade garante a aparência produtiva do estabelecimento, mostrada nas áreas mais externas, enquanto são ocultados os problemas da realidade no interior do espaço prisional.

Segundo o esquema teatral de Goffman, a espacialidade da prisão é definida em camadas (setores, blocos e cômodos): a divisão entre o espaço externo da sociedade e o interno da unidade penal se replica pelo corpo do estabelecimento penal de modo fractal, criando lugares relativamente mais externos ou internos. Juntamente com esta percepção, vem uma conotação de lugar mais ou menos próximo da liberdade ou perigoso. Estas significações atribuem valores aos lugares, segundo os interesses de funcionários e presos.

Conforme Goffman (2005), a definição de Instituição Total pressupõe o controle absoluto do espaço arquitetônico pela equipe dirigente, todavia este controle é relativizado na realidade prisional. Para ele, a apropriação de certos espaços pelos presos é inevitável. Com base nesta assertiva, segundo este autor (Idem, 2005, p. 188), o espaço da prisão se classifica em: local vigiado - onde os presos estão submissos à instituição; local livre - onde os presos conseguem certa autonomia e privacidade em relação à instituição; e local proibido – onde a instituição é soberana e a presença de presos é comprometedora. Do ponto de vista do nível de segurança, um grau mais alto significa a predominância de locais proibidos e vigiados, em detrimento dos locais livres.

1.3 Mutabilidade do espaço arquitetônico penal

Para Herbert Simon (1981), o projeto do objeto artificial muda o resultado formal na medida em que os objetivos dos indivíduos também evoluem, em termos das condições de uso, com a adequação das exigências funcionais a serem atendidas. No universo prisional, isto corresponde à afirmação de García Basalo (1959, p. 44): “a evolução da arquitetura penitenciária ocorre juntamente com a transformação das ideias penais e a modificação da legislação punitiva”. Esta mutabilidade remete a correlação histórica da arquitetura e da penalogia, na qual a edificação respondeu a cada mudança no status penalógico, originando padrões arquitetônicos penitenciários.

Em um primeiro momento, surgiram os padrões arquitetônicos de inspeção central e de blocos laterais em correspondência a Ciência das Prisões18 que tinha como objeto a administração da prisão e o

tratamento dos presos (MIOTTO, 1992, p. 32). O padrão arquitetônico de inspeção central contava com três modelos: o panóptico, o circular e o radial, caracterizados pela ênfase na vigilância central. Um ícone deste período foi o edifício Panopticon (capítulo 2), que originou o padrão panóptico, cuja arquitetura “tornou-se, por volta dos anos 1830-1840, o programa arquitetural da maior parte das prisões” (FOUCAULT, 1987, p. 209). Todavia, o edifício era pequeno e de difícil construção, então, caro, além de ser inflexível e falho na visualização interna. Os outros padrões arquitetônicos do período derivaram de técnicas penitenciárias, como o radial e o de blocos laterais. A Eastern State Penitentiary (Figura 3), ocupada em 1829, foi o marco da técnica filadélfica, em substituição ao edifício panóptico19, tornando-se “paradigma de cárcere de planta radial” (ALGARRA, 2007). Esta

unidade renunciou ao princípio de ver o interior das celas, substituindo-o pela aspiração de “ver desde

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