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Neste capítulo, a base teórico-metodológica para a tecnologia de projeto é delineada, em termos dos quesitos estruturadores do programa arquitetônico, assim como, dos critérios e processos para a composição do espaço arquitetônico penal.

O Panóptico é, conforme Foucault (1987, p. 169), um modelo generalizável de funcionamento que tem por objetivo disciplinar uma atividade, pela intensificação e concentração do poder sobre muitos na mão de poucos, para se obter a economia e a eficácia dos resultados e processos.

Mas o Panóptico não deve ser compreendido como um edifício onírico: é o diagrama de um mecanismo de poder levado à sua forma ideal: seu funcionamento, abstraindo-se de qualquer obstáculo, resistência ou desgaste, pode ser bem representado como um puro sistema arquitetural e óptico: é na realidade uma figura de tecnologia política que se pode e se deve destacar de qualquer uso específico (FOUCAULT, 1987, p. 194).

O Panóptico pode ordenar, classificar e analisar a decomposição de qualquer relação produtiva de modo a maximizar os efeitos da coletividade, por meio do controle sobre as individualidades. Conforme Foucault (1987), o Panóptico é uma máquina retificadora dos indivíduos, laboratório de experiências, otimizadora do exercício do poder e democraticamente controlada.

O Panóptico pode ser sintetizado como um aparelho disciplinar cujo objeto e fim são as relações de disciplina23, o que Foucault chamou de disciplina-mecanismo e que visa à intensificação e ramificação do poder, por meio de uma ordenação vinculada às relações de custo e benefício de uma atividade. Foucault desenvolve o tema disciplinar citando Baltard, que afirma que as prisões devem ser instituições completas e austeras, ou seja, devem atuar sobre todos os aspectos do individual de forma incessante e despótica - é o “onidisciplinar”.

A generalidade do Panóptico permite a sua aplicação diversificada, seja na educação, na terapêutica, na produção ou no castigo. Como coloca Miller (BENTHAM et al., 2008), o Panóptico não é uma prisão. Por outro lado, segundo Foucault (1987, p. 235), “o tema do panóptico – ao mesmo tempo vigilância e observação, segurança e saber, individualização e totalização, isolamento e transparência – encontrou na prisão seu local privilegiado de realização”.

O Panóptico se desenvolveu na produção intelectual do filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832). No século XVIII, Bentham propôs uma doutrina moral baseada no Princípio de Utilidade ou Princípio da Maior Felicidade24. Este Princípio estabelecia a fórmula: a maior felicidade do maior número de

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As disciplinas são uma tecnologia de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta um conjunto de técnicas que visavam a “tornar o exercício do poder o menos custoso possível”, com um “máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto possível, sem fracasso, nem lacuna” (FOUCAULT, 1987, p.179).

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O Princípio de Utilidade consistia na aplicação do método científico ao bom governo das nações (ALGARRA, 2007), visando à maior felicidade para as pessoas como resultante das ações dos governos, por meio de um “cálculo da felicidade” (COLLINSON, 2004, p. 164).

pessoas, e enunciava: a punição é útil somente se estiver voltada para minimizar a dor e maximizar o prazer25 (COLLINSON, 2004, p. 163). Entre os conceitos de utilidade e a felicidade, Miller

(BENTHAM et al., 2008, p. 99) aponta a predominância do utilitarismo no pensamento de Bentham para a prisão, instituído como meio ideal de dominação absoluta dos indivíduos e das comunidades. Segundo ele:

Se a humanidade é serva de dois senhores [prazer e dor], ela será consequentemente serva de quem se fizer senhor de seus senhores. E no Panóptico, como vimos, é como cães que Bentham solta o prazer e a dor em cima dos reclusos.

Em 1791, Bentham publicou A Casa de Inspeção (The Inspection House), apresentando o Panopticon como a utopia do encarceramento perfeito (Figura 12). O Panopticon (lugar de onde tudo se observa) era um projeto de prisão-modelo, dedicado às Casas de Correção. Por isso, embora não fosse arquiteto, há autores que atribuem a Bentham “o primeiro tipo consciente de arquitetura penitenciária” (RODRIGUES apud GARCÍA BASALO, 1959, p. 60). Uma descrição da edificação panóptica:

[...] na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado [...] (FOUCAULT, 1987, p. 165-166).

Figura 12 – Desenho do Panopticon de Jeremy Bentham (Fonte: FOUCAULT, 1987, figura 17)

O projeto Panopticon foi criação do irmão de Jeremy, Samuel Bentham. Samuel elaborou originalmente como uma edificação para a instrução de trabalhadores em uma fazenda em Krichev, na Rússia Branca, no ano de 1786. Em um primeiro momento, o projeto de Samuel se ocupou de um

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Para Perrot (BENTHAM et al., 2008, p. 114), a publicação An introduction to the principles of morals legislation (1789) define a utilidade como a submissão, científica e calculada, aos dois grandes aspectos que governam toda a conduta dos indivíduos e das sociedades: a evitação da dor e a busca do prazer.

problema pragmático: os abusos dos inspetores ingleses sobre os trabalhadores, remetendo a questão: quem guarda os guardas? Além disso, o projeto incorporou a teatralidade e a dualidade da sociedade russa, materializada na disposição central da casa do inspetor, rodeada pelos camponeses em suas funções. Werret (BENTHAM et al., 2008, p. 168), afirma que “na realidade, a arquitetura do Panóptico apresentava uma forma secularizada dos mecanismos de poder da igreja ortodoxa”: a pessoa comum é posicionada orbitando o divino, senhor e intocável. Na conclusão de Werret (Idem, p. 172), a contribuição de Jeremy Bentham foi a descontextualização do projeto do irmão, partindo de uma solução específica para uma genérica, que pudesse ser aplicada “sem exceção, a todos e quaisquer estabelecimentos nos quais (...) se queira manter sob inspeção um certo número de pessoas” (BOWRING apud BENTHAM et al., 2008, p. 40).

O modelo benthaniano foi um reflexo do pensamento penalógico no século XIX, período da Ciência das Prisões: “A surpreendente descoberta que Bentham faz do poder da arquitetura – ‘e isso por uma simples idéia de arquitetura’, repetia – é adotada por toda a época” (PERROT apud BENTHAM et al., 2008, p. 137). Por outro lado, os problemas do Panopticon levaram os estudiosos do sistema penal a abordar o trabalho de Bentham do ponto de vista filosófico ou idealístico, como sublinha Werret (BENTHAM et al., 2008, p. 154-155) ou, como coloca Perrot, de modo mais indireto do que literal. Ao conceber o Panopticon, Bentham construiu um modelo político para a prisão: um projeto pedagógico que reúne esforços de escolarização e moralização (PERROT apud BENTHAM et al., 2008, p. 136). Particularmente, a tecnologia de Bentham integrou o modelo prisional, a operação e o espaço arquitetônico, por meio de uma argumentação de natureza penalógica e pragmática. Para García Basalo (1959, p. 60), ele “associa intimamente concepção penitenciária e concepção arquitetônica”. Por isso, também em arquitetura, o trabalho de Bentham se destaca mais por sua contribuição teórica do que pela morfológica. Algarra (2007) aponta isto na história da prisão:

Vimos como a prisão celular baseada na prisão de Ghent e no Hospício de São Miguel de Roma, se foi impondo como uma solução civilizada. No meio do caminho, a contribuição criativa conceitual de Bentham que, como normalmente acontece com os filósofos, teve mais transcendência como uma ideia do que como modelo real. No outro extremo, nos de resultados práticos, os modelos de prisão radial e corredor dos Estados Unidos se espalharam para o mundo inteiro.

Para Basalo (1959, p. 60), o Panóptico é “importante porque as ideias de Bentham exerceram marcada influência na teoria da arquitetura penitenciária e materializando-se em edifícios em cujas linhas gerais é evidente a influência do seu projeto”. Assim, o Panóptico se tornou a base teórica da arquitetura penal e o Panopticon seu modelo emblemático. Para Foucault, este edifício é a figura arquitetural do conceito de prisão que persiste até a atualidade: “O fato de ele ter, até nosso tempo, dado lugar a tantas variações projetadas ou realizadas, mostra qual foi durante quase dois séculos sua intensidade imaginária” (1987, p. 194).

Como prova da força do Panopticon, o desenho foi reproduzido tardiamente e justamente em sua forma mais pura entre os séculos XIX e XX, por exemplo: na Stateville Correctional Center, nos Estados Unidos (1925), e no Presídio Modelo, em Cuba (1928). No Brasil, em Salvador, o Corpo IV da Penitenciária Lemos Brito ainda replicou o modelo com alterações (1950) (Figura 13). Para Trigueiros (2011, p. 19 e 23), “a materialização de Bentham constituiu uma permanência com uma memória coletiva própria que não é dificilmente exorcizável, [...] como conceito arquitetônico, o Panóptico de Bentham influenciou a construção prisional”.

Figura 13 – Fotografia do Anexo IV da Penitenciária Lemos Brito/BA (Fotografia do autor)

2.1 Quesitos panópticos para o programa arquitetônico

Os princípios panópticos são um conjunto de pressupostos e regras alicerçados no trabalho teórico- conceitual de Bentham e que regem a concepção do edifício prisional. Eles foram estabelecidos a partir da relação de causa e efeito entre os objetivos da pena e a modelagem espacial da prisão, tendo sido definidos por Esteca (2010), com base no trabalho de Foucault (1987).

Em seu trabalho, Foucault associa a sociedade disciplinar com o Panopticon, relacionando as disciplinas sociais com o modelo proposto por Bentham. Para Foucault (1987, p. 118), as disciplinas sociais foram transpostas para as técnicas penitenciárias, o que intensificou o poder institucional e despersonificou o preso. Segundo o mesmo (Idem, 1987, p. 208), estas disciplinas foram organizadas em três grandes esquemas: o modelo político-moral do isolamento individual e da hierarquia; o modelo econômico da força aplicada a um trabalho obrigatório; o modelo técnico-médico da cura e da normalização - a cela, a oficina, o hospital.

Mais à adiante em seu trabalho, Foucault lista três princípios para a prisão fundados nas disciplinas por ele esquematizadas: o isolamento, o trabalho e a modulação da pena. O isolamento listado se

bifurca em duas abordagens: “Isolamento do condenado em relação ao mundo exterior, a tudo que motivou a infração, às cumplicidades que a facilitaram. Isolamento dos detentos em relação uns aos outros [...] pela ruptura de qualquer relação que não seja controlada pelo poder ou ordenada de acordo com a hierarquia” (FOUCAULT, 1987, p. 222 e 226). Assim, o isolamento tem uma dupla intenção: submeter e reformar os presos, aliando os aspectos negativo e positivo da pena. O trabalho dos presos na acepção de Foucault envolve não apenas a oficina, mas todas as atividades destes, racionalmente programadas, que em conjunto fazem parte de uma relação de poder – “um esquema da submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção”: instrução, refeições, oração, sono em ciclos diários, semanais, mensais, anuais. O isolamento e o trabalho dos presos são vistos como agentes de transformação do indivíduo. Por fim, a modulação da pena trata do ajustamento da punição em razão da recuperação alcançada pelo preso, devendo ser constantemente acompanhada e periodicamente avaliada – o que pode ser exemplificado pelo sistema progressivo de pena, adotado, entre outros países, no Brasil. Para tanto, a prisão é local de punição, mas também de observação dos indivíduos punidos: “as prisões devem ser concebidas como um local de formação para um saber clínico sobre os condenados” (FOUCAULT, 1987, p. 235). A prisão deve vigiar, examinar e registrar.

Do desenvolvimento dos princípios inicialmente elencados, Foucault apresenta os princípios fundamentais da prisão - as sete máximas universais da boa condição penitenciária (1987, p. 237): a correção do indivíduo e a classificação e separação dos tipos de presos; o trabalho como obrigação e como direito do preso, além da educação; e a modulação das penas, gravitando em torno deste os princípios da gestão da pena por pessoal técnico e das instituições anexas que acompanham o preso após sua liberação. Esta lista originou o que Esteca (2010, p. 42) denominou de princípios de funcionamento da prisão (ver capítulo 1): o isolamento social dos presos, o isolamento individual do preso, as atividades dos presos e a vigilância acompanhada da administração da pena.

Em um momento seguinte, ao discutir as diferentes facetas da disciplina prisional, associando os princípios fundamentais da prisão e o espaço arquitetônico panóptico, Foucault abordou indiretamente a composição arquitetônica da edificação penal e apontou subliminarmente os princípios do espaço arquitetônico da prisão26. Estes princípios espaciais foram sistematizados por Esteca (2010, p. 46) em

quatro: o isolamento social do preso, o isolamento individual do preso, a organização do espaço e o controle. Ambos os isolamentos seguem a abordagem de Foucault, envolvendo a segregação dos presos em relação ao mundo externo e entre si, dentro da prisão. A organização do espaço incluiu não apenas as atividades do preso, mas todas as atividades do estabelecimento necessárias para o funcionamento do mesmo, ou seja, aquelas expressas pelos sistemas de segurança e operacional,

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O programa multifuncional e a individualização da pena estão baseados no que Foucault denominou de o ‘penitenciário’, medidas do cumprimento da pena não previstas na sentença jurídica, mas integrantes do funcionamento da prisão.

igualmente submetidas à disciplina espacial panóptica. Por isto, a organização do espaço intercepta de modo sistêmico os demais princípios, que participam com suas particularidades na composição arquitetônica da edificação penal. Esta simbiose ocorre de modo mais visceral com o controle, como foi sublinhado no estudo da edificação penal, no capítulo 1, desta tese. No controle foram enfatizados os procedimentos prisionais ao lado do princípio de inspeção panóptica, baseado na vigilância inverificável. Assim, enquanto a vigilância panóptica pode sugerir um processo estático, esta ênfase também ressalta a dinâmica operacional, constituída do acompanhamento das atividades dos presos.

Os princípios deduzidos do trabalho de Foucault foram associados por Esteca aos processos totais da Instituição Total descritos por Goffman e aos elementos centrais da edificação penal, havendo uma correspondência em ambos os casos (Quadro 1). Destaca-se que a descrição de Goffman das Instituições Totais envolve os mesmos requisitos da prisão panóptica: o controle das necessidades, movimentação e comunicação das pessoas; a centralização do poder na divisão entre um grande grupo controlado e uma pequena equipe dirigente; e a vigilância absoluta e incessante. A convergência observada explicitou o conhecimento da pragmática prisional que Bentham detinha e utilizou no desenvolvimento do Panopticon, assim como, evidenciou a proximidade do trabalho de Foucault em relação à edificação prisional. Neste sentido, o estudo realizado indicou a aplicabilidade teórica do Panóptico para o projeto arquitetônico de estabelecimentos penais, fixando os temas centrais para a composição do espaço arquitetônico deste tipo de edificação, com base na sistemática da atividade prisional do trabalho de Foucault. Estes temas ou quesitos sintetizam os principais aspectos da pena moderna e da edificação prisional, assim como das relações existentes entre ambos, interagindo intimamente com o modelo e a realidade prisionais. Os mesmos preenchidos pelos princípios espaciais panópticos configuram o Panóptico.

Quadro 1 – Quesitos panópticos relacionados aos princípios, processos e elementos arquitetônicos

Princípios panópticos Princípios de

Funcionamento

Processos Totais

Elementos centrais da

edificação penal Quesitos panópticos

Isolamento do preso Isolamento social dos

presos

Isolamento

social Barreira Perimetral

Isolamento social do preso

Isolamento do preso Isolamento Individual

do preso - Cela

Isolamento individual do preso Trabalho

Atividades dos presos Integralismo e

Mecanicismo Pátio

Organização do espaço

Controle inverificável Vigilância Controle Salas de Controle Controle

Modulação da pena Administração da Pena - - 27

(Fonte: adaptado de ESTECA, 2010, p. 192)

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A administração da pena corresponde ao penitenciário descrito por Foucault (1987, p. 207) e não produz efeitos físicos singulares, mas contribuições aos outros princípios.

2.2 Composição arquitetônica panóptica

A partir dos quesitos panópticos é possível organizar os princípios trabalhados por Bentham, de modo a compilar uma base teórico-metodológica para a composição arquitetônica da prisão.

2.2.1 Isolamento social da pessoa presa

O isolamento social do preso trata da segregação social do grupo de pessoas condenadas pela Justiça, atendendo ao caráter retributivo da pena e à função da prisão: a proteção da sociedade. Nas palavras de Garbelini (2005, p. 158): “o principal traço arquitetônico da prisão é impedir a comunicação com o exterior de modo seguro e eficaz”. Na perspectiva do princípio panóptico, para Foucault o isolamento social é condição primordial para o exercício da disciplina. O isolamento cria as condições para o exercício da ciência da punição descrita por Bentham. O utilitarismo determina o cálculo acurado das quantidades de prazer e dor a serem ministradas, de modo a infligir a punição sem inutilizar os corpos. Este cientificismo exige a identificação, o posicionamento, o exame e o registro do processo aplicado a cada preso. Como pretenso ambiente controlado, um laboratório, a prisão parece para Bentham o campo ideal para as suas experimentações (PERROT apud BENTHAM et al., 2008, p. 115). Neste sentido, Agostini (2002, p. 3) enfatiza a complementaridade da disciplina e do isolamento:

Somente com o total afastamento entre os infratores e a vida extra-muros é que se pode conformar um ambiente hierárquico preciso, caracterizado por um cotidiano de submissão do preso ao sistema que lhe é imposto; um espaço com regras próprias e cuja racionalidade disciplinar representa “o sonho de um meio artificial, funcionando como um laboratório ideal”.

A prisão panóptica trazia uma política de abertura da instituição, na qual qualquer pessoa teria a possibilidade de entrar no estabelecimento e assumir o posto de controle na torre central. A possibilidade de visibilidade ou acessibilidade da instituição panóptica torna “um edifício transparente onde o exercício do poder é controlável pela sociedade inteira” (FOUCAULT, 1987, p. 196). Nas palavras de Foucault, um “controle democrático” da instituição. Para Bentham, este mecanismo era útil, pois promoveria a dissuasão do crime e moralização da população, enquanto esta, atuando como vigilante e fiscal da instituição, reforçaria o controle do estabelecimento, evitando “o risco de que o crescimento de poder devido à máquina panóptica possa degenerar em tirania” (FOULCAULT, 1987, p. 171). Com isto, Bentham insere a prisão na dinâmica social, apresentada como um teatro do castigo, oferecendo aos espectadores “um drama contínuo e continuamente interessante, no qual os personagens nocivos são in specie expostos a uma ignomínia educativa” (MILLER apud BENTHAM et al., 2008, p. 83). É a proposta da Casa de Vidro de Ivan Ângelo (1980), no qual a sociedade participa da rotina do estabelecimento como curiosa ou cientista. Ao mesmo tempo, Bentham reinscreveu a prisão no espaço social, aproximando a sociedade e a prisão. “Daí se deduz a localização das prisões panópticas: elas serão construídas nas proximidades da metrópole, perto das grandes cidades para serem de fácil acesso ao grande número” (MILLER apud BENTHAM et al., 2008, p. 83).

O controle do perímetro da unidade penal, defendido pela barreira de segurança, adere ao mesmo princípio de vigilância panóptico, no qual todas as áreas (adjacentes à unidade penal, além das áreas internas não edificadas) e construções (a própria barreira e as edificações) devem ser monitoradas. Bentham (2008, p. 23) previa que o “campo de inspeção pode ser dilatado em qualquer medida”. Neste sentido, a disposição das torres de vigilância externa e a geometria da barreira devem favorecer esta tarefa - o arranjo próprio das fortalezas: o Panopticon previa muros com geometria pura, quadrada ou hexagonal, em terrenos planos, como era padrão em seu tempo28. Além disto, Bentham criou um

elaborado sistema de defesas composto por sentinelas, muros, paliçadas e diques, cujo arranjo definia um acesso único à unidade prisional por uma avenida murada, não só para garantir o aprisionamento das pessoas, mas para proteger o estabelecimento de ataques externos (TRIGUEIROS, 2011).

2.2.2 Isolamento individual da pessoa presa

Além do poder visível e inverificável, para Basalo (1959) e Agostini (2002), a contribuição mais evidente do Panóptico ao aparelho disciplinar é o princípio do isolamento individualizado. O isolamento programado no sistema panóptico previa que “não somente a pena deve ser individual, mas também individualizante” (FOUCAULT, 1987, p.199) (Figura 14). Assim, a cela individual foi estabelecida como unidade básica de alojamento para evitar as “más influências recíprocas” e como “garantia da ordem”. A partir desta premissa, a cela individual era a célula primordial do projeto benthaniano, onde o preso deveria realizar todas suas atividades e de onde era vigiado.

Figura 14 – Gravura da cela do Panopticon (Fonte: FOUCAULT, 1987, figura 21)

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Bentham acreditava na inexpugnidade do edifício circular, não pela resistência de suas paredes, mas pela impossibilidade de um plano de fuga, diante da vigilância perene. Assim, a barreira perimetral não foi um tópico prioritário no trabalho do jurista. O tema surgiu após críticas ao panopticon, sendo desenvolvido nos Postscripts da publicação original (TRIGUEIROS, 2011).

Na cela, o recluso trabalhava, rezava, dormia e comia. Dentro do utilitarismo de Bentham, isto remetia a policrestia ou maximização do Panóptico que determinava a multiplicidade de usos para cada elemento (MILLER apud BENTHAM et al., 2008, p. 82). A cela possibilitaria a perfeita visualização do seu interior - a transparência almejada por Bentham. A mesma era permeável, transpassada pela luz, já que era fechada internamente com grades e vazada para o exterior da edificação. Foucault (1987, p. 163) se refere à prisão e à cela panópticas: “[...] espaço fechado, recortado, vigiado em todos

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