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Entre a ciência, a educação e o rádio

1.3 Pioneiros do rádio

1.3.7 Edificando o mundo do rádio

Ao final na década de 1920, a rede de pessoas que participavam da programação da Rádio Sociedade foi se estendendo. Substituindo o diletantismo dos homens de ciências, foram surgindo os primeiros trabalhadores voltados ao rádio: speakers, cantores, redatores, ainda que a maior parte acumulasse mais de uma dessas funções no cotidiano da radiofonia.

Após o término do primeiro mandato da diretoria da PRA2, em meados de 1926, Ferdinando Labouriau foi escolhido para a Presidência da emissora. Em defesa da Radiocultura, o novo Presidente enfrentou questões provenientes das mudanças no mundo da radiofonia. A própria PRA2 já contava com uma estrutura bem mais complexa que a da fundação. Havia diferentes seções como Broadcasting, Organização de programas e Artística. Na sede da emissora, a biblioteca contava com mais de 800 volumes, além de esquemas sobre radiofonia para livre consulta. Nas salas de laboratório, eram realizados cursos de radiotelegrafia e radiotelefonia com aulas práticas em transmissores menos potentes, doados por sócios. Ocorriam as primeiras experiências sobre a transmissão com o uso de ondas curtas, mas sem muito sucesso.

Neste mesmo período, a inauguração da Estação Sepetiba para recepção internacional, marcou definitivamente o destino do radio brasileiro. A nova tecnologia, dotada de sinais mais abrangentes e fundamental ao desenvolvimento da radiofonia, não foi fruto de uma obra estatal, mas de um consórcio internacional formado pelas empresas Marconi’s Wireless Telegraph Co. de Londres, Cia Telefunken de Berlim, Radio Corporation of America e Compagne Generale de Telegraphie San Fils. O caráter comercial dos investidores é logo destacado pelos pioneiros do rádio: As estações

receptora e transmissora são separadas e bem distantes uma da outra facto este resultante do plano commercial da Companhia que estabelece a recepção e a

transmissão de radiogrammas conjunctamente (Electron, setembro de 1926, p.4). Em

troca do investimento, seria permitida a exploração comercial, o que atrairia outro formato de emissora, que caracterizaria a década seguinte. Com a nova antena a qualidade do sinal melhorou, permitindo irradiações regulares.

O desenvolvimento tecnológico saía do âmbito desejado pelos homens de ciência. O advento da Estação Sepetiba é saudado com desconfiança: Em nome da

Radio Sociedade do Rio de Janeiro saúdo, pois seus fundadores, e nutro a fundada esperança de vei-a contribuir efficazmente ao progresso do Brasil, bem como a boa harmonia e a sinceridade das relações entre todas as nações a cujas communicações vae servir (Electron, setembro de 1926, p.7). Outra reação é a fundação da Associação

Brasileira de Radio-Amadores, ainda em 1926. Presidida por Demócrito Seabra, sócio- fundador da PRA2, tinha como objetivo justamente o desenvolvimento técnico da T.S.F..

A Radio Sociedade e a Estação Praia Vermelha não brilhavam mais sozinhas no cenário nacional. Outras emissoras estavam em funcionamento como a Radio Club do Brasil, a Radio Educadora Paulista e a Radio Club de Pernambuco, que também adotavam os preceitos de transmissão da cultura sem o caráter de comercial. Não havia o clima de concorrência, e nem caberia tal rivalidade, pois todas lutavam pelo desenvolvimento da radiofonia nacional. Sempre que possível, havia troca de informações, e há até mesmo registros de visitas aos estúdios por associados de diferentes rádios. A PRA2 disponibilizava aos associados de outros estados os mesmos direitos de seus sócios.

Ao final da década de 1920, o cenário começou a mudar. Outras questões surgiram aos homens do rádio: a necessidade da renda dos reclames comerciais para o pagamento das despesas das emissoras, a reivindicação dos artistas por pagamento de um adicional quando suas obras fossem irradiadas e a criação de radio-escolas.

Em 1926, os sócios efetivos da Rádio Sociedade publicaram em Electron o artigo sob título Uma explicação necessária onde relatavam as várias dificuldades que a PRA2 enfrentava, e, principalmente, a falta de recursos financeiros:

Saibam, pois os que não conhecem esses esforços que, para a música, a noção scientifica, a informação diária dos acontecimentos mundiaes e a informação comercial, tão útil ao interior do paíz, lhes cheguem aos lares é preciso manter-se uma aparelhagem custosa e a organização de programmas diários também custosos.

A nossa aparelhagem obtida por meio de esforços formidáveis, representa um valor de seis mil libras esterlinas e sua montagem custou cem contos de réis.

Mas essa aparelhagem technica, com o continuo funcionamento da nossa estação, deprecia-se, gasta-se, exige substituição de peças, de válvulas impõe cuidados esmerados de conservação, dada a delicadeza de suas peças. Basta lembrar que trabalhamos, só na estação transmissora, com oito grandes válvulas de transmissão cujo preço médio é de 30 libras cada uma cuja duração media é de mil horas e que estão sujeitos a accidentes de toda sorte (Electron, agosto de 1926, p.)

Com o alto custo da emissora e as escassas fontes de renda, a diretoria recorreu ao serviço de publicidade. Ao justificar esta decisão, os diretores, embora ressaltassem que eram contrários à exploração comercial da rádio, tiveram de aderir aos reclames por tratar-se do meio encontrado para financiar o propósito do rádio disseminador da cultura e da ciência. No ano de 1926, é possível observar que o anúncio de alguns programas vem acompanhado do nome das empresas que o patrocinavam: Transmissão da opera cantada no Teatro São Pedro do Rio de Janeiro, pela Companhia Lyrica da Empresa Paschoal Segreto.

Os artistas passaram a reivindicar o pagamento de um adicional quando suas obras fossem irradiadas. Esta remuneração implicava em uma despesa com a qual as emissoras não tinham condições de arcar. As transmissões tiveram que ser interrompidas. Esta interrupção era considerada um grave empecilho aos propósitos das sociedades de rádio, que consideravam a música clássica como um dos expoentes da nossa cultura, que o povo deveria conhecer, e que, por isso, não poderiam ser excluídas de suas programações.

As Sociedades de Rádio e as Óperas do Municipal Comunicado das Sociedades de radio do Rio de Janeiro

Havendo a empreza Scotto recusado attender as solicitações das sociedades de radio que interpretavam o sentir de milhares de brasileiros desejosos de ouvir a transmissão das operas da actual estação lyrica, as mesmas sociedades cessaram toda a sua actividade presente a empreza decididas a appelar para melhores dias.

A empreza recusava-se a permittir na irradiação, em vista de um convenio firmado em Roma, pelo qual os artistas ficaram com o direito a uma percentagem que importaria em despesa avultada. Agora é permitida a irradiação de uma ópera. Não vala a pena exigir da empreza tal sacrifício pela irradiação de uma opera apenas.

Assim, os associados de radio apoiados por muitos de seus consórcios não aceitam o favor que lhes quer fazer a empreza Scotto, certos de que outro não poderia ser o seu procedimento.

Pela Radio Sociedade do Rio de Janeiro –Ferdinado Labouriau – Presidente Pela Radio Club do Brasil – Julio Nogueira – Presidente

(Jornal do Brasil, 4/9/1928, p.11)

Os intelectuais enfrentavam dificuldades cada vez maiores para manter o rádio como veículo de disseminação da cultura e do conhecimento. De acordo com o formato de sociedade que as emissoras adotavam, as despesas deveriam ser custeadas exclusivamente pela contribuição de sócios e pelas doações. O valor arrecadado não era capaz de custear as despesas de manutenção e as dívidas se acumulavam, ameaçando a sobrevivência da radiocultura. O projeto da rádio escola, elaborado pelos pioneiros do rádio propunha que o Estado assumisse os custos de uma emissora educativa:

Cada Estado na sua capital, dispondo de estabelecimento de certo vulto fundaria uma grande radio escola. Um entendimento entre os governos, sob os auspícios do Governo Federal, permittiria a acquisição das vinte poderosas estações necessárias. Seriam todas do mesmo typo, por economia, fornecidas em concorrência publica. Não há um só estado do Brasil em condições de não poder com esta despesa. A função destas vinte Radio Escolas Estaduaes, seria puramente directora. Seus programmas educativos mostrariam as cidades do interior o caminho a seguir. Uma vez que o ideal é dar ao homem do povo o seu radio, seria preciso completar a instalação do sistema (Electron, abril de 1926, p.16).

A partir destes preceitos, os pioneiros do rádio organizaram uma campanha pela criação de radio escolas. A ABE participou deste movimento:

Em uma das reuniões da Secção de Ensino Primário o professor Dulcídio Pereira depois de fazer o histórico do que tem sido a Radio Cultura no Brasil, e após várias considerações mostrou a necessidade da realização da Radio Escola Municipal, tendo ficado assentado que se entendesse elle a respeito com o Dr Fernando de Azevedo e Frota Pessoa, o que de fato aconteceu, estando neste momento a organização de um minucioso trabalho que o Dr Dulcídio Pereira apresentará ao Director de Instrucção (Boletim da ABE, maio de 1929, p.34).

O estado de Pernambuco, por meio da iniciativa de Carneiro Leão, e o Distrito Federal, pela Reforma de Fernando de Azevedo, instituíram oficialmente radio escolas, ainda na década de 1920.

Diante do novo contexto que emergia ainda nos final dos anos 1920, a década seguinte não será marcada pela discussão de questões técnicas ou pela luta para que a recepção seja autorizada para todos. Várias empresas que trabalhavam com equipamentos para radiofonia como receptores e peças montam suas emissoras, com interesses amplamente comerciais, a partir da tecnologia disposta pela Estação Sepetiba.

A luta dos homens pela ciência, a educação e o rádio se desloca para o controle do que deve ser irradiado, uma vez que eles se sentem responsáveis pela condução da cultura nacional. Neste aspecto, não aceitam perder o controle sobre o veículo de comunicação que tanto divulgaram como solução para o nosso atraso.

Capítulo II