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Capítulo 1 - Fundamentos do conservadorismo: uma rememoração necessária

1.1 Edmund Burke: o ―pai‖ do conservadorismo

No contexto da Revolução Francesa, em 1789, Edmund Burke escreve seu principal trabalho, pelo qual seria lembrado por toda a história: Reflexões sobre a revolução na França, publicado em 1790. Nascido em Dublin, Irlanda, no ano de 1729, esteve intensamente atuante na política ao longo de sua vida, o que não teria sido diferente neste extraordinário momento histórico. Elaborou fortes críticas ao movimento que estava ocorrendo na França, opondo-se veementemente aos acontecimentos da Revolução, bem como aos rumos tomados pela mesma, que iam contra ao que o mesmo acreditava.

O conservadorismo, que já estava presente na época, tem como elaboração fundamental, que corrobora na atualidade, o pensamento proposto por Burke em 1790, sendo ele a referência indispensável para se entender tal concepção teórico-política. O conservadorismo clássico é notadamente atribuído a este autor, embasado pela sua principal

obra anteriormente citada, utilizando-se de seus argumentos contrários ao movimento revolucionário da França para assentar ideais que defendiam a aristocracia da época. ―As Reflexões se estabelecem como o marco da tradição conservadora. Nelas, estão condensados também os ideais culturais e simbólicos das classes sociais golpeadas pela Revolução Francesa‖ (SOUZA, 2016, p. 362).

Para contextualização histórica, pode-se dizer que o conservadorismo clássico é aquele que compreende o período durante e pós Revolução Francesa, entre 1789 e 1914, sendo caracterizado como um sistema de pensamentos que tinha como fim evitar a dominação ideológica, política e econômica emergente na época, ocorrida por meio da ascensão burguesa e pelo desenvolvimento das forças produtivas com o capitalismo nascente.

Eram inúmeras as transformações sociais e institucionais ocorridas na época, as quais os conservadores lutavam contra.

É nesse contexto que estão situadas [...] as formulações de Edmund Burke (1729-1797), Joseph de Maistre (1753-1821), Klemens Von Metternich (1773-1859), Benjamim Disraeli (1804-1881) e Alexis de Tocqueville (1805-1859). Ainda que alguns conservadores contemporâneos [...] afirmem que as raízes da tradição conservadora inglesa remontam ao século XVI, é possível considerar esse conjunto de pensadores como fundadores do conservadorismo clássico, com destaque para Edmund Burke (SOUZA, 2015, p. 4).

Para Burke a revolução é um ponto em que a ordem social é afetada pela barbárie e as tradições são rebaixadas, onde a revolução é sinônimo de desordem e destruição. Para ele, é mais positiva uma aliança de classes que não altere os mecanismos, mantendo o poder nas mãos dos que controlam os que estão abaixo na escala social. Especificamente ele faz essa reflexão em volta da Revolução Francesa (SOUZA, 2016).

O anseio é por uma ―revolução sem revolução‖, sendo assim, por mudanças feitas de cima para baixo, pragmáticas, que sejam apenas para manter as tradições já determinadas e que não sejam guiadas por uma determinada parcela da sociedade: os proletários. Essas transformações deveriam ser feitas com total distanciamento popular, deixando de lado as vontades em volta da democracia e a noção de luta por direitos.

O liberalismo foi um importante sustentáculo para o conservadorismo (SOUZA, 2016), mas foi logo em seguida, com a formação do pensamento conservador moderno e, após, as influências do positivismo, que de fato ocorreu essa aproximação. Para a devida conservação da sociedade de classes era imprescindível a presença do pensamento liberal, uma vez que é por meio dele que a lógica da exploração tem sua base. Os ideais defendidos por ambos os

pensamentos quanto à defesa da propriedade privada, do individualismo e da manutenção da ordem culminaram para essa indissociável aproximação.

Outra característica importante para se destacar acerca deste pensamento conservador é a relevância do irracionalismo, sendo um símbolo fundamental que está presente no conservadorismo, pois este nega a razão e afirma uma concepção pragmática, imediatista, tanto de ação como de pensamento, e, juntamente, não reconhece a ciência.

Ainda segundo o pensamento de Burke, exposto por Souza (2016), o Estado tem o dever de proteger e garantir a propriedade privada, mas os pobres ficariam com inveja e almejariam os mais ricos, alterando a ordem natural societária. A delimitação dos indivíduos em grupos marginalizados, ocasionando preconceitos e exclusões é algo tido como natural, ocorrendo, como visto mais recentemente na história, em governos fascistas.

Já entre os finais da década de 1910 até 1960-70 ressalta-se o pensamento conservador moderno, agora incorporado às necessidades da sociedade capitalista, uma vez que o pensamento conservador clássico não deu conta de ―conservar‖ a antiga ordem, submetendo-se à sociedade burguesa. Para tanto, como indica Souza (2015), o positivismo teve papel importante enquanto um impulsionador do pensamento conservador, do mesmo modo que causou modificações, permitindo sua adequação à sociedade capitalista.

Desse modo, foi a partir desse processo que o conservadorismo deixou de lutar contra o capitalismo e passou a servi-lo. Se antes o objetivo era a luta contra a burguesia, agora a luta era ao lado desta e contra o novo ―inimigo‖ da ordem: a classe trabalhadora. Assim, o positivismo ―realinhou o foco das disputas políticas dos conservantistas, de posições antiburguesas para posições antiproletárias e, por derivação, contrarrevolucionárias‖

(SOUZA, 2015, p. 5).

Atualmente tem-se que o conservadorismo normalmente está atrelado às diversas posições que vão contra mudanças sociais em prol da classe trabalhadora, ainda que estas não vislumbre uma revolução em si. Modificações nas mais variadas esferas, sejam sociais, econômicas, e, principalmente, políticas são motivo de preocupação, pois consigo trazem as forças capazes de tirar daqueles que detêm o poder o seu lugar de privilégio e de domínio.

É implicado como conservador o indivíduo ou grupo político contrário, por exemplo, à luta pela universalização dos direitos e às demandas pela radicalização da democracia. Tal posição costuma estar associada também à adesão à ideologia do mercado, que envolve desde a defesa da mercantilização cada vez maior da vida

social, até a agenda de combate ao avanço dos direitos humanos. Nas instituições de produção de conhecimento, por outro lado, o conservadorismo é, na maior parte das vezes, tomado genericamente. O conteúdo político, teórico e social dessa corrente de pensamento e ação com frequência aparece fundido ao pensamento liberal.

Liberalismo e conservadorismo são tomados, corriqueiramente, como sinônimos.

(SOUZA, 2016, p. 361)

Para efeitos de comparação, de acordo com o enumerado por Souza (2015) algumas mudanças significativas de posição do conservadorismo moderno em relação ao conservadorismo clássico são:

(i) eles dificilmente assumem uma filiação teórica ou tradição ideológica, considerada pejorativamente como dogmas; (ii) diferentemente dos primeiros conservadores, os contemporâneos valorizam o presente e não são nostálgicos de formas sociais passadas; (iii) aproximam-se do pragmatismo, ou, no mínimo, de um acentuado empirismo, na medida em que valorizam ―o possível‖, a situação dada tal como se apresenta; (iv) atualmente, conservadorismo não significa oposição a qualquer tipo de mudança, mas a determinados tipos específicos de mudança, a saber, aquelas que possam ser desencadeadas pelas classes dominadas (p. 11).

Em síntese, o conservador moderno busca o caminho do meio, sem remeter-se ao passado histórico – o que representa uma perda considerável, já que o passado é um elemento importante para compreensão da totalidade dos fenômenos analisados – e sem objetivar um futuro alcançado por meio de uma revolução e de modificações na estrutura social. Mudanças são necessárias na medida em que beneficiam a manutenção da ordem, mas não são aceitas quando são promovidas pela classe trabalhadora. .

Neste momento o irracionalismo não é aceito completamente, e ocorre a valorização, pelo pensamento conservador moderno, do uso da razão, mas sempre havendo crítica ao racionalismo moderno. O racionalismo tenderia ao conhecimento da realidade apenas pela via teórica, enquanto que o saber empírico deveria ser o ―método‖ mais pertinente. Assim indica Souza (2015): particularidades no continente americano, chegou aos Estados Unidos e à América Latina atravessando os séculos e alcançando a atualidade. As condições sociais e as crises, em

especial a crise institucional e a fragilidade dos processos democráticos, permitiram que o conservadorismo chegasse também ao Brasil.

Observa-se, em anos recentes, o crescimento expressivo da publicação de obras e autores de repercussão nacional e internacional, ligados organicamente ao conservadorismo formulado por Edmund Burke. Autores como Russell Kirk, Michael Oakeshott, Roger Scruton, entre outros de expressão internacional, passam a tomar espaço significativo no mercado editorial brasileiro. Ao lado deles, um conjunto de divulgadores brasileiros do liberalismo, comumente inspirados pelas ideias elaboradas pelo Instituto Ludwig von Mises, passaram a defender, também, algumas ideias do conservadorismo. Tudo isso ocorrendo em paralelo à assim chamada ―escalada conservadora‖, que ganha densidade na cultura e na política institucional (SOUZA, 2016, p. 362).

Assim, o conservadorismo se aproxima da realidade social brasileira compondo a sociedade desde os seus primórdios. É elemento fundamental no contexto sócio-histórico de surgimento do Serviço Social, sendo base para a sociedade e indiscutivelmente para a profissão, como será visto adiante.

1.2 Pensamento conservador e Serviço Social: por uma análise crítica marxista