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Social e Conservadorismo Punitivista: a contradição permanente entre Estado Penal e

Capítulo 1 - Fundamentos do conservadorismo: uma rememoração necessária

1.3 Social e Conservadorismo Punitivista: a contradição permanente entre Estado Penal e

É fato que em sua origem a profissão esteve atrelada às primeiras respostas dadas pelo Estado na tentativa de responder aos interesses do capital, e pautou-se na moralização e culpabilização dos indivíduos, ações essas conduzidas por uma matriz ideológica conservadora, que embora tenha sofrido alterações no curso da história e das lutas sociais travadas pela profissão, pode-se dizer que ainda não foi superada, levando em conta a ideia de que as famílias e sujeitos hoje atendidos nas mais diversas políticas sociais, ainda são responsabilizados exclusivamente por suas condições de vida, moradia e sociabilidade.

O Serviço Social tem nas políticas sociais um eixo importante de atuação e de afirmação de direitos de cidadania, visto que a garantia de direitos via políticas públicas e sociais conflita diretamente com a ideia de ajuda e improvisação, elementos esses que corroboram com o pensamento conservador. As políticas sociais são resultado do processo de luta da classe trabalhadora para efetivação de seus direitos, e de concessão por parte do Estado dessas garantias, de modo que possa haver uma ―redistribuição” da riqueza socialmente produzida a fim de possibilitar a reprodução e manutenção da sociedade capitalista e assegurar de forma muito limitada o acesso aos direitos sociais por parte da classe trabalhadora (BEHRING; BOSCHETTI, 2009).

Aqui, entendendo também, que o trato dado aos temas da culpabilização dos sujeitos sociais, da moralização em torno da desigualdade de classe e do punitivismo em relação ao não cumprimento de critérios de condicionalidades no acesso às políticas públicas são elementos que tendem a contribuir no aprofundamento das expressões da Questão Social, não o bastante, na permanência do conservadorismo no âmbito da profissão. No dizer de Marilda Iamamoto:

As políticas sociais traduzem sempre uma tensão contraditória entre os imperativos da reprodução do capital por um lado e, por outro, as necessidades da reprodução da força de trabalho, para o que os gastos públicos são fundamentais. Esse caráter contraditório do Estado e da política social, cujo chão é a sociedade de classes, estende-se também à análise da profissão (IAMAMOTO, 2019, p. 449).

Portanto, a face contraditória das políticas sociais forjadas na sociedade do capital, tendem a propiciar a expansão em nome do acesso aos direitos, da face judicial do Estado. A judicialização da Questão Social, por exemplo, é entendida como um processo no qual o

Poder Judiciário sobrepõe suas ações em detrimento do papel do Estado Social, com relação à efetivação dos direitos sociais. O que nos dá elementos para pensarmos formas revitalizadoras do conservadorismo, entendo que um dos seus eixos troncais é o de justamente sobrepor o interesse individual em detrimento do coletivo. A resultante desse processo é lida com uma maior demanda em torno do acesso aos direitos sociais pela via judicial que se consagra por mecanismos de ingresso e reivindicação situados na ação individual do sujeito que move uma determinada ação.

Assim sendo, a via judicial é priorizada no processo de garantia e acesso aos direitos, uma vez que o Estado Social passa a ser deslegitimado de suas responsabilidades no fomento e na garantia de direitos universais, para comprometer-se com a ampliação de sua face penal via judicialização no campo individual. Nesse sentido, tende a ―facilitar‖ mecanismos de ingresso cada vez maior de sujeitos sociais em processos de judicialização, entre os exemplos, podemos destacar o direito previdenciário, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e demandas relativas ao contrato formal de trabalho. Como resultado da sobreposição da via judiciária às demais instâncias da esfera pública, as respostas dadas são carregadas de autocracia e moralismo, executadas de modo individual e focalizado (AGUINSKY, 2006).

Tal posição vai contra o que se espera para a garantia concreta das demandas da população, pois a atuação não pautada na coletividade e estritamente alinhada com concepções conservadoras vai contra o projeto do Serviço Social.

Com a judicialização da Questão Social, o Poder Jurídico fica responsável por responder às demandas que são de caráter coletivo, em instâncias individuais, fazendo com que a esfera jurídica desempenhe de forma precária e focal atribuições legadas ao Estado Social. Um exemplo pertinente desse processo de judicialização das demandas sociais pode ser dado a partir da realidade enfrentada pelos/as assistentes sociais que atuam no Ministério Público. Como ressalta Tejadas (2013), o Serviço Social encontra-se em uma atual incorporação no Ministério Público brasileiro, tendo a Constituição Federal de 1988 como principal mecanismo jurídico de garantia e exigibilidade dos direitos. Foi a partir do final da década de 1990 que iniciou o movimento de contratação de assistentes sociais na instituição, com um significativo aumento na década de 2000.

O Ministério Público, nesse sentido, é uma instituição que carrega potencialidades, contradições e desafios para a superação da barreira do conservadorismo e de suas múltiplas expressões. É uma instituição que surgiu com o intuito de garantir a defesa dos direitos

democráticos, incumbida pela Constituição Federal de 1988. É um órgão que atua na defesa dos interesses coletivos, ao mesmo tempo, e contraditoriamente, em que mantém o caráter de ser uma instituição estatal, refletindo os poderes deste, ainda que seja um órgão independente e com autonomia para que sua atuação não seja subjugada a interesses de governos e outros dispositivos de poder (TEJADAS, 2013, p. 466).

Esse órgão tem como responsabilidade agir onde as frações mais vulnerabilizadas no cotidiano de enfrentamento político apresentam necessidades, como crianças e adolescentes, idosos, interditos, pessoas com deficiência, entre outros, tendo uma dinâmica essencial na proteção, defesa e garantia de direitos coletivos. Traz novos conhecimentos referentes ao sistema de proteção, sobre o mecanismo e a estrutura das políticas públicas.

Tendo as políticas públicas como aliada na atuação e intervenção profissional, entende-se que tem como papel apontar uma direção para o agir institucional frente aos direitos garantidos legalmente e ainda não firmados, mas que ainda permanecem no calendário. As fiscalizações das políticas públicas têm relação com a característica e eficiência da política pública, sinalizando que só a oferta de projeto e programas é insuficiente, sendo fundamental o julgamento da qualidade e respostas dos direitos assegurados (TEJADAS, 2013).

A participação do Serviço Social neste espaço sócio-ocupacional denota o alinhamento existente entre o que propõe o Ministério Público, enquanto órgão atuante na garantia de direitos, e o projeto ético-político profissional que a profissão defende. Ambas as orientações em consonância são fundamentais para a efetivação dos direitos sociais, mas que também podem concordar com práticas e atuações pautadas no conservadorismo. Como aponta Tejadas (2013), os grupos de demandas que chegam até a instituição, sejam elas individuais ou coletivas, historicamente exigem dos/as assistentes sociais a elaboração de estudos sociais relativos a situações familiares. Essa Exigência acaba por induzir a fragmentação das violações de direitos, que deixam de ser entendidas e analisadas de modo coletivo.

Entendendo que o acesso às políticas sociais, bem como a denúncia de violações de direitos por vezes são realizadas de maneira fracionada, focalizada e com diferentes abordagens interventivas, implica com que cada caso seja individualizado, pautando a

decisão em uma determinada lei, tendo por tanto, a via judicial, ou a perspectiva legalista conservadora como ―saída‖ ou ―solução‖ para um caso de ausência do Estado de Direito.

Ao adotarmos a expressão legalista conservadora, buscamos como a mesma desmistificar a falsa aparência de acesso aos direitos que se produz pela via judicial. Isso porque, esse mecanismo tem como eixo fundante a abordagem individual, procedimentalista e empirista em relação à vida do sujeito demandante. Coloca em xeque, dessa maneira, a centralidade coletiva, da relação contraditória entre capital e trabalho, da produção e reprodução das desigualdades sociais e de como essa produz na vida concreta dos sujeitos coletivos um conjunto de violações. Sendo assim, quando a proposta é judicializar essas questões, está sendo dito, ao mesmo tempo, que a superação dessas violações não perpassa pelo campo coletivo, das lutas coletivas, mas de uma ―habilidade‖ e manejo individual em buscar a esfera da judicialização. Esse caminho não é nem pode ser um espaço de atenção de todos e todas em situação de violação de direitos.

Nessa esteira, destacamos a intervenção profissional dos/as assistentes sociais que atuam em especial na área sociojurídica, mas não somente nele. Considerando que em muitos casos, há uma verdadeira peregrinação de sujeitos, em grande parte de mulheres, na busca de acesso aos direitos sociais, tais como programas de transferência de renda, acesso à saúde, e políticas de inclusão para mães atípicas. Fora isso a questão da violência de gênero, em que a judicialização é dada como único recurso, sem em muitos casos acesso às políticas de prevenção.

Dito isso, soma-se às condições precárias de trabalho na qual os/as profissionais estão inseridos, isso porque, ―as condições de trabalho não estão apartadas da direção social que a intervenção venha adquirir‖ (TEJADAS, 2013, p. 474). Vai depender também do direcionamento e da posição política e ética do/a profissional, a relativa autonomia de trabalho, essa que tende a ser mais compelida em espaços hierarquizados, cuja função social atribuída ainda é a de "auxiliar", como ocorre nos espaços jurídicos.

Portanto, a relativa autonomia do/a assistente social está intimamente ligada às questões supracitadas, envolvendo, do mesmo modo, a dinâmica exigida pela instituição.

Pensando na lógica do Poder Judiciário – mas entendendo que o Ministério Público atua tanto no contexto judicial como também extrajudicial –, ―o direito apresenta-se como um dos instrumentos utilizados pelo Estado para gerir conflitos presentes nas relações sociais‖

(TEJADAS, 2013, p. 477). Levando isto em consideração, quando a atuação do/a assistente social encontra-se alinhada a estes propósitos há de se esperar que o conservadorismo esteja presente, uma vez que o mesmo serve para estas finalidades.

Perceber as possibilidades existentes no espaço sócio-ocupacional, indo além do que é estritamente requerido pela instituição, requer um olhar atento do/a profissional e um claro compromisso ético e político com o projeto profissional e com o projeto de sociedade com vistas à superação de práticas conservadoras. As estratégias utilizadas devem ir além da individualização e culpabilização, entendendo as determinações de classes que atravessam as demandas, sejam elas individuais ou coletivas, ou seja, é preciso percebê-las no âmbito da universalidade dos direitos.

Além do compromisso profissional, deve-se buscar o reconhecimento e a delimitação clara das atribuições, impedindo que a/o assistente social desempenhe atividades que não são de sua competência. Como traz Tejadas (2013), a dimensão do planejamento é imprescindível, na qual a/o profissional deve estar ciente de seu lugar e de suas responsabilidades, impondo os limites necessários, sempre em conformidade com o projeto profissional defendido pela profissão, e tendo clareza do seu papel, do planejamento de sua atuação para que a mesma tenha como horizonte a garantia efetiva dos direitos.

Perante esses aspectos, é necessário compreender claramente o papel do/a assistente social a frente da situação que vem sendo instalada, sendo importante que o/a profissional trate do espaço que está inserido e tome conhecimento dos projetos societários que estão em cenário, criando assim um comportamento e exercício que suspenda o cotidiano, e que se oponha às demandas que venham a partir de processos judiciais. E os/as assistentes sociais que operam juntamente ao Poder Judiciário, são estimulados a pensar além da esfera jurídica, com a visão atenta da sociedade em questão, deixando de lado as respostas padronizadas.

O Estado tem elementos para reconhecer os aspectos originários dessas demandas sociais, compreendendo os mecanismos coletivos que sustentam as desigualdades, operacionalizando individualmente cada histórico que chega, mas foi feito ao contrário, encaminharam-se para processo de penalização. Esses fatores são agudizados pela política neoliberal, isso porque a mesma se sustenta na individualização e criminalização dos pobres.

Importante ressaltar que quando se debate punitivismo no Brasil, deve-se ter a consciência das discriminações de classe, raça e gênero, visto que a dimensão punitiva e

seletiva do Estado recai sobre esses corpos tanto no âmbito da negação do acesso aos direitos sociais, quando na penalização e punição dos mesmos. O ―perfil‖ de quem ingressa na judicialização por direitos, não difere dos que ingressam nos sistema prisional (DUARTE, 2017). No dizer de Wacquant a penalidade neoliberal se expressa:

em um contexto de desigualdades extremas e de violência de rua desenfreada, respaldado por um Estado patrimonial que tolera a discriminação judicial rotineira, causada tanto pela classe e pela cor quanto pela brutalidade policial sem freios, e considerando-se as terríveis condições de confinamento, impor a contenção punitiva aos moradores das favelas decadentes e dos conjuntos habitacionais degradados equivale a trata-los como inimigo da nação (WACQUANT, 2014, p. 150).

O Estado Penal tem como um dos elementos de sobrevivência, a culpabilização do indivíduo, fazendo com que ele incorpore não só a degradação da sua vida, mas seja responsabilizado individualmente pela mesma. Encopar a culpa por sua condição de vida e material, cria na vida desse sujeito, uma relação apolítica com o mundo, a invisibilidade plena de sua cidadania. Entre os elementos que compõem essa realidade está a segregação socioespacial, o lugar do inabitável, do indesejado, formado pelos rejeitos do capital: a classe trabalhadora mais precarizada. Não por acaso, Carolina Maria de Jesus denominou que as favelas eram o ―Quarto de Desejo‖. Segundo Wacquant (2014) a política penal e a política social não deixam de ser sinônimos dentro de uma política de pobreza, na ambiguidade de luta pelo poder e ação pública. A maneira como a política social acaba sendo usada é, em sua grande maioria, primeiramente com uma perspectiva punitivista, para depois entender o processo individual e societário de uma questão. Tudo isso está em correlação com o fortalecimento de um Estado Penal, que atua nas camadas subalternizadas na divisão social da sociedade.

Para esse mesmo autor ―o vetor da penalidade sempre atinge preferencialmente as categorias situadas na base tanto da ordem de classes quanto das degradações de honra‖

(WACQUANT, 2014, p. 141). As degradações de honra da qual ele se refere remetem às desigualdades existentes entre os diferentes grupos étnicos/raciais, já que a sociedade capitalista dispõe também destes marcadores sociais que são utilizados para repressão e discriminação, sendo levados em consideração pela justiça criminal na hora de punir e injustamente responsabilizar os indivíduos.

Os programas do Estado, sejam eles de cunho social ou penal, voltam-se para as populações marginalizadas nos territórios das cidades como um instrumento de controle social, de repressão, contenção e regulação de problemas sociais. Wacquant (2014) chama

esse Estado de ―centauro‖, pois é liberal no topo e punitivo na base (p. 141). A gestão do Estado neoliberal se utiliza de uma perspectiva punitivista de responsabilização dos indivíduos a partir do uso de uma política social disciplinar, da expansão do sistema penal.

Capítulo 2 - Serviço Social e produção do conhecimento: uma análise dos artigos sobre