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Capítulo 2 - Serviço Social e produção do conhecimento: uma análise dos artigos sobre

2.2 Estado

Um primeiro ponto a se levar em consideração quanto às discussões tratadas pelos trabalhos do 16°CBAS com relação ao papel atribuído ao Estado, e o que se espera dele enquanto responsável por dar respostas concretas às demandas da classe trabalhadora, é identificar quais foram as publicações que trouxeram essa temática em seus apontamentos, contabilizando-as, para que assim fosse possível obter um panorama de quantos trabalhos fizeram essa discussão.

Evidentemente, entendendo que o Estado é fundamental para a sociabilidade capitalista, uma vez que é por meio dele que a ordem societária é mantida, e é através do seu mecanismo de poder, força e coerção que a ―harmonia‖ social é garantida para que ocorra continuamente a expropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores assalariados. Nessa mesma condição se inserem os/as assistentes sociais, vendendo sua força de trabalho, em grande parte para o Estado, uma vez que é seu maior empregador, mas também para instituições privadas, lucrativas ou não.

É o Estado que regula as relações sociais em suas mais variadas esferas, é para ele, e consequentemente para o capital, que os/as assistentes sociais trabalham, assim como todos os outros que vendem sua força de trabalho a fim de manter a própria subsistência.

Compreende-se, então, a centralidade da discussão do papel do Estado, sendo ele o alicerce não só do processo de exploração capitalista, mas de tudo que advém dela: as mais variadas expressões da Questão Social nas quais o Serviço Social é atuante. Assim diz Iamamoto (2014):

a atuação dos assistentes sociais dá-se no âmbito das relações entre as classes e destas com o Estado no enfrentamento das múltiplas expressões da ―questão social‖, sendo a política social uma mediação fundamental do exercício profissional voltado para a sua formulação, gestão avaliação e financiamento, assim como para a assessoria aos movimentos sociais (IAMAMOTO, 2014, p. 618).

O Serviço Social insere-se nesse contexto com um caráter contraditório em sua atuação junto à classe trabalhadora, uma vez que, estando a serviço do Estado, pode fortalecê-lo quando reitera práticas conservadoras pautadas na mera execução de políticas sociais. Entretanto, pode igualmente dar poder às classes subalternizadas atendidas, pois seu caráter educativo tem potencial para promover amplos debates, discussões e, dessa forma, impulsionar as lutas sociais.

Pensar o conservadorismo sem trazer para o debate o Estado e sua função crucial para a perpetuação da ideologia dominante, que se utiliza dos elementos do pensamento conservador como mecanismo de produção e reprodução da vida social, é deixar uma lacuna irreparável, impedindo a análise real e completa dos complexos processos que envolvem a conservação da sociedade de classes, processos esses nos quais o Serviço Social está indispensavelmente inserido.

Desse modo, atentemo-nos em levantar quantitativamente quantos trabalhos se propuseram a discutir essa temática fundamental. Percebemos que a grande maioria dos

trabalhos trouxeram alguns aportes sobre a discussão, alguns abordando mais a temática que outros. No total, dos 35 trabalhos analisados, o Estado aparece integralmente com um papel definido em 28, levando em conta o seu papel central no trato às expressões da questão social. Percorrendo assim um caminho de análise que vai desde os processos na efetivação das políticas até a composição de políticas excludentes, racista, classistas e homofóbicas em seus equipamentos.

Dos trabalhos que não trouxeram o Estado em suas pontuações, quatro estavam no âmbito da formação e do trabalho profissional, dois tratavam sobre gênero, raça e etnia, e apenas um trabalho, abordando a ética como temática central igualmente não ponderou o Estado e seu papel indispensável no cenário da vida e da dinâmica social.

Quanto ao que os trabalhos apontaram com relação ao Estado, as explicitações foram as mais diversas, em consonância entre si, mas cada um trazendo elementos diferentes, indicando muito sobre o que deveria ser um Estado mais adequado às necessidades sociais, abordando qual seria a atuação ideal perante as expressões da Questão Social, e alguns indicando o papel do mesmo no compromisso o mais próximo possível das reivindicações da classe trabalhadora.

Um traço importante das considerações trazidas pelos/as pesquisadores/as no trabalho Conservadorismo, patriarcado e serviço social: desafios ao projeto profissional crítico no contexto dos anos 2000, foi a relação atribuída ao papel do Estado e a manutenção da ordem capitalista e, indissociavelmente, do pensamento conservador. A título de exemplo, um trabalho apontou a relevância do Estado burguês na manutenção da sociedade de classes.

Outro ainda sinalizou o Estado como um ―propagador‖ do conservadorismo, na medida em que naturaliza as relações sociais de dominação e exploração.

Aqui, vê-se como o conservadorismo é tido como um alicerce para a exploração capitalista, solidificando o ideal de que o processo de expropriação das riquezas produzidas socialmente faz parte da ―naturalidade‖ da vida social, devendo ser mantido a qualquer custo.

Souza (2015) aponta essa característica intrínseca ao pensamento conservador moderno, que propõe justamente essa manutenção de que falam os/as pesquisadores/as.

Quando debatemos conservadorismo e suas expressões perante uma sociedade capitalista, o Estado tem um papel definido na composição e implementação de determinadas políticas públicas. E como esse processo reflete diretamente no trabalho do/a assistente

social, nas ferramentas que estão disponíveis e nas fundamentações teóricas de formação que perpassa pela composição conservadora.

O conservadorismo resultou em como o Estado utilizou a política social para o enfrentamento da Questão Social, sendo que o Serviço Social não está protegido da ofensiva do Estado Burguês, mesmo tendo um papel de destaque no projeto de emancipação societária. O Estado se coloca como um disseminador do conservadorismo, no momento em que normaliza relações de exploração e em que a classe dominante prioriza a socialização restrita de seus interesses particulares.

Como esse determinado Estado reflete negativamente na construção e na aplicação das políticas, em que nos deparamos com um Estado mínimo, que responsabiliza a população e diminui seu papel efetivo de determinadas responsabilidades que são dirigidas a ele.

Sucateia as políticas públicas, flexibiliza e desregulamenta as relações de trabalho e privatiza o patrimônio estatal.

Nesse ponto, essas regulamentações controlam diretamente a forma como o trabalho do/a assistente social é operacionalizado, a implementação efetiva das políticas e as dificuldades de intervenção a partir do sucateamento dos equipamentos e das privatizações do mesmo. Não podemos deixar de associar a sociedade em que estamos inseridos e em como ela reflete na profissão, mesmo com o Projeto Ético Político, tendo pautado determinações concretas, encontra-se dificuldade nas execuções das políticas.

Um dos trabalhos que abordou o trabalho profissional, Serviço Social, Conservadorismo e Bolsonaro? Desafios contemporâneos, elencando os desafios contemporâneos enfrentados pelo Serviço Social, destacou a conjuntura histórica mundial da década de 1970 e os intensos processos de reestruturação produtiva. Abordou a nova faceta do Estado ante as crises que enfrentava, assumindo um papel ―mínimo‖, no sentido de diminuir os gastos sociais. Aliado ao neoliberalismo nascente, passou a combater o ―Estado de direito‖, ou o ―Estado Social‖, que até então vigorava desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Esse novo Estado emergente, o ―Estado mínimo‖, cujo caráter é puramente repressivo e coercitivo. Que se aprofunda no Brasil na década de 1990, quando se iniciam as privatizações e a implementação da agenda neoliberal no contexto político brasileiro.

Juntamente ocorre a retomada do conservadorismo enquanto estratégia de manutenção da hegemonia do capital, que possibilitou as mudanças necessárias em favor da ordem burguesa.

Ao todo 8 trabalhos mencionam o neoliberalismo e a sua emergência ao lado da retomada do conservadorismo. Os elementos presentes na matriz conservadora são novamente resgatados para dar sustentação e justificativa para as mudanças ocorridas em todas as esferas da sociedade, como indicam esses trabalhos, de forma que a apropriação das riquezas através de uma série de ataques aos direitos sociais é realizada com o ―aval‖ da coletividade, visto que incorpora as diretrizes dessa perspectiva.

Os trabalhos reforçam as características do Estado como estritamente alinhado ao neoliberalismo, na medida em que flexibiliza e desregulamenta as relações de trabalho e privatiza o patrimônio estatal. Esses movimentos acentuam ainda mais as expressões da Questão Social, sucateando as políticas públicas. Esses elementos reverberam diretamente no trabalho profissional do/a assistente social, visto que incidem na precarização dos espaços sócio ocupacionaise na fragilidade dos serviços e programas ofertados.

Sendo assim, o terreno para a disseminação do pensamento conservador e das consequências trazidas por ele é fértil. Está no projeto de sociedade que o Estado propaga com a perspectiva neoliberal de enxugamento dos gastos com as necessidades sociais, na hegemonia de pensamento da sociedade burguesa que se propaga também para as classes subalternas, reiterando preconceitos e dinâmicas discriminatórias, chegando até o âmbito da atuação do/a assistente social, que, quando não passa pela reflexão crítica é direcionada para outro horizonte social, fortalece o conservadorismo.

Atuando por meio das políticas sociais, os/as assistentes sociais precisam manter-se em constante movimento para reafirmar a prática com vistas a garantir os direitos sociais, pois cada vez mais o Estado os deslegitima, naturalizando as desigualdades sociais. Ao mesmo tempo as políticas servem à ordem burguesa estatal como forma de socializar parte da produção de riquezas, para dessa maneira perpetuar a exploração, controlar as revoltas sociais e conformar a ordem imposta.

É contraditório o espaço no qual os/as profissionais estão inseridos, de acordo com o que é apreendido pela presente análise, através do conteúdo dos anais publicados no 16°

CBAS. O traço punitivo e repressor do papel do Estado é recorrentemente apresentado,

enfatizando o campo de trabalho desafiador para o Serviço Social nas mais variadas esferas de atuação profissional.

Um debate relevante nos conteúdos apresentados pelos artigos publicados é a discussão do fundamentalismo religioso como traço conservador, e as implicações disso na forma como o Estado lida com suas responsabilidades. Um dos artigos pontua a importância da manutenção do ―Estado Laico‖, que garanta a pluralidade de manifestações religiosas, contra toda forma de repressão.

Outro trabalho, As instituições evangélicas e sua influência na política no Rio de Janeiro, assinala o caráter interventivo do poder estatal na medida em que dá suporte à exploração da classe trabalhadora por meio do controle ideológico e de valores pautados na concentração e manutenção da propriedade privada, utilizando-se de princípios que oportunizam o fundamentalismo religioso como atributo do conservadorismo. A moral religiosa serve como subsídio para ações no campo da política com fins a obter interesses privados, vinculados às classes dominantes.

O trabalho citado acima aponta nessa direção, quando diz que: ―o caráter religioso que assume uma forma concreta, institucionalizada e sistematizada vem orientando as ações públicas e incidindo na vida dos sujeitos, no seu cotidiano e nas relações sociais.‖ (p. 3).

Assim, a religiosidade recai na esfera das ações públicas, reforçando e conformando a sociabilidade capitalista nos moldes em que se encontra. Apresenta-se também, para as populações subalternizadas, um falso consolo que naturaliza as desigualdades sociais. Assim indica o trabalho, destacando o ―lugar funcional que a religiosidade ocupa no capitalismo ao ocultar o caráter ontológico do trabalho na constituição do ser social, portanto, produzindo inúmeros mecanismos de alienação.‖ (p.5).

Um exemplo concreto e atual dessa ―deslaicização‖ do Estado, trazido pelo artigo supracitado, é a problemática da existência de uma bancada evangélica, que propõe pautas de ordem moral conservadoras a serem direcionadas para a sociedade como um todo, desrespeitando a multiplicidade de crenças existentes no Brasil, além de ir contra o proposto pela Constituição Federal de 1988.

Ao longo da história houve uma clara aliança entre Estado e Igreja, nesse caso a Igreja Católica, e o que agora se observa é o crescimento das igrejas neopentecostais e sua inserção cada vez mais forte no campo político. Do mesmo modo que a Igreja Católica teve sólido

papel na constituição do Estado brasileiro, incidiu também na emergência do Serviço Social brasileiro, na atualidade igualmente a igreja neopentecostal retoma esse papel de intervenção.

Essa participação aponta para o retrocesso na esfera dos direitos e reafirmação do conservadorismo. Para exemplificar, pode-se citar a transferência cada vez maior de serviços que deveriam ser ofertados pelo poder público para entidades religiosas, que denota esse retrocesso, além da precarização e da desresponsabilização do Estado de suas obrigações.

Esses serviços muitas vezes reforçam a face punitiva, moralizadora e controladora das instituições.

O trabalho cujo título é Dimensão religiosa e ético-política na formação e trabalho profissional no século XXI: temas para o Serviço Social apresentou alguns elementos para se pensar o ―neoconservadorismo‖, como o mesmo colocou, e a perspectiva religiosa presente no âmbito da profissão como uma expressão de retrocessos. Indicou que segundo as pesquisas feitas, grande parte dos estudantes que entram no curso de Serviço Social trazem em sua bagagem pessoal a formação religiosa, sendo que destes, 89,9% são vinculados às igrejas evangélicas. Dos que informaram que possuem religião, apenas 10% tinham algum tipo de engajamento político. O relato de muitos estudantes diz que eles entram no curso objetivando ―ajudar o próximo‖, dado que reforça o caráter assistencialista da profissão ainda não totalmente superado na imagem do Serviço Social, marcando o conservadorismo nesse sentido.

O fato de grande parte dos/as profissionais que compõem a categoria profissional serem mulheres também interfere no ideal do imaginário social conservador, remetendo aos primórdios da profissão no Brasil, composta por mulheres caridosas, religiosas e de classe média que buscavam exercer a benevolência e solidariedade propagadas pela Igreja. Ainda que a sociedade tenha avançado muito nesse ponto, vê-se que ainda não foi totalmente superado pelo Serviço Social.

Os trabalhos em geral reforçam a necessidade de um Estado presente, um estado que seja ―máximo‖ para as necessidades sociais, bem como interventor nas demandas da classe trabalhadora, solucionando-as por meio da efetiva garantia dos direitos. É um desafio, uma vez que o neoliberalismo mantém suas diretivas em sentido contrário, necessitando para a superação ao menos do ―Estado Mínimo‖ de forte pressão das organizações da sociedade por meio da luta coletiva, incluindo aí os/as assistentes sociais.