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No caso de Eduardo, cujo pai tocava gaita-ponto, a sua “maior referência musical” foi seu irmão, Jair Vargas. “E os dois, na época, faziam aula com o falecido Sadi Cardoso” (CE-EDUARDO, p. 3).

Eduardo teve experiência semelhante à de Renato quanto ao incentivo a tornar-se músico. No início era só uma brincadeira, por isso era motivado a tocar. Mas a partir do momento em que Eduardo aponta para a música como escolha profissional, o pai se mostra contrário a essa escolha:

É meio contraditório isso, mas pilhava muito, mas mais por exibicionismo, eu acho, por poder me levar nos lugares pra tocar. Mas quando eu foquei, e decidi que aquilo ali era o que eu queria ele começou a podar já. Começou a podar, porque não dava. (CE- EDUARDO, p. 12).

Segundo Eduardo, o pai “teve uma fase da vida que ele tocava também”, mas que não era um trabalho constante. Eduardo relata que o pai “nunca ganhou dinheiro com a música, ele pagava pra tocar”. E que o pai achou que com Eduardo “ia ser da mesma forma” (CE-EDUARDO, p. 12).

Eduardo teve o primeiro contato com a gaita-ponto “com quatorze [anos]”. Embora já tivesse uma “iniciação com oito, nove anos, do pai botar ela [a gaita- ponto] no colo e [lhe] passar alguma coisa” (CE-EDUARDO, p. 3).

Embora Eduardo considere que sua “iniciação musical foi através da gaita- ponto mesmo”, ele tinha “o violão também, que iniciou mais ou menos na mesma época”. No entanto, “pegava com mais frequência o violão do que a gaita” (CE- EDUARDO, p. 3).

O fato de ser considerado um instrumento difícil de tocar também interferiu na escolha da gaita-ponto. Ao ser perguntado o que lhe chamou mais atenção na gaita- ponto, explica que “a primeira coisa é pela dificuldade”, justificando: “Eu sempre gostei daquilo que me instigava. O desafio. Por ser uma coisa difícil” (CE- EDUARDO, p. 6).

Além disso, despertou sua atenção por ouvir outros acordeonistas falarem “que a gaita-ponto não tinha recurso”, devido ao “diatonismo54”. Porém, acreditava

que essa limitação era um “mito”, como explica: “Pega só duas tonalidades, e daí uma terceira tonalidade que não tem na gaita tu não vai poder tocar”. Tal dificuldade foi superada com o estudo do instrumento: “Depois, vim a descobrir que explorando o instrumento tu consegues ou transportar [fazer a transposição da tonalidade], ou de alguma forma aproveitar o que tu tens nas duas ilheiras pra uma tonalidade que fique faltando uma nota só” (CE-EDUARDO, p. 6).

O professor revela que a motivação para tocar gaita-ponto também vinha das reações que sentia no público que o escutava: “A admiração que eu via dos outros quando eu tocava era a mesma que eu tinha” (CE-EDUARDO, p. 6).

De acordo com Eduardo, quando ele tinha “quatorze anos”, foi morar com o pai e começou a “aprender gaita com ele”, revelando: “Aí entre a doma55

e a gaita ali, eu me recordei de algumas coisas que ele tinha me ensinado no passado, mas que eu não tinha dado muita bola” (CE-EDUARDO, p. 4).

Eduardo teve uma experiência semelhante também à de Renato no que se refere à dificuldade de manter a independência entre as mãos. Ele comenta que sua “grande dificuldade no início era juntar as duas mãos”. Certo dia, conseguiu “juntar as duas mãos” e “tocar aquela música” que o pai tinha lhe ensinado: “Fui bem faceiro mostrar pra ele, e disse, eu quero aprender outra. Aí ele me ensinou a segunda música”. Seu pai, então, ensinou-lhe as duas músicas que “Sadi dava na iniciação musical”. Essas músicas, que, atualmente, Eduardo ensina no projeto Fábrica de Gaiteiros aos seus alunos, “não tinham título”. Conforme Eduardo, o referido professor criava para cada aluno “uma música que, pela metodologia dela, para aquele aluno facilitaria no aprendizado”. Eduardo nomeou essas duas composições “Xote 1 e Xote 2” (CE-EDUARDO, p. 4).

Seu pai teria ensinado “um terceiro Xote”, mas que ele não lembra mais. A partir desse momento Eduardo teve que estudar de forma autônoma, pois o repertório do seu pai havia esgotado, “era só o que ele sabia”, e o seu irmão “já tinha largado também a gaita”. Além disso, ambos moravam em regiões afastadas,

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Sonoridade dupla (bissonoridade) para cada botão: um mesmo botão emite notas diferentes se o fole é aberto ou fechado.

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Eduardo, com o pai, em Guaíba/RS, e o irmão “na Lomba do Pinheiro”, em Porto Alegre/RS (CE-EDUARDO, p. 4).

Outro desafio enfrentado por Eduardo era a escolha do dedilhado correto para a execução das músicas na gaita-ponto. Ele se perguntava: “Por que é tão difícil limpar [tocar a melodia sem erros], se ouvindo o Leonel56 tocar, ouvindo o Edilberto57 tocar, parece tão fácil?”. Para solucionar esse problema, Eduardo contou com o auxílio de um colega, Tiago, “que tocava violão”: Conforme Eduardo, esse colega dizia: “Cara, o Leonel, ele compõe pensando assim, e daí, quando vai executar, ele procura uma digitação melhor. No violão é assim também, quando o solo é muito difícil, a gente procura uma digitação melhor”. Eduardo explica que “fazia [o solo] bem devagar”, orientado pelo colega: “Esse teu dedo tá torcendo a mão pra conseguir atingir a nota que tu precisa. Se tu tentar esse dedo aqui [...]”. O músico relata que sentiu “necessidade de estudar a digitação pra poder ter uma desenvoltura melhor no instrumento” (CE-EDUARDO, p. 7).

Eduardo concorda com os colegas entrevistados quanto às dificuldades para encontrar um professor de gaita-ponto “por ser um instrumento que era pouco visto”. O músico comenta que quando começou a aprender o instrumento “não tinha mais professor, em Guaíba [RS]”, cidade em que residia. Dos músicos que ele procurou, “nenhum se disponibilizou a ensinar”. Segundo ele, os motivos da recusa eram diversos: “Um tocava gaita cromática, e disse que não sabia nem pegar a gaita- ponto”. No entanto, buscava o ensino teórico: “Como é que funciona a questão das notas, pra me facilitar no estudo autodidata”. Outro músico procurado por Eduardo para ter aulas de gaita-ponto teria se recusado a utilizar o modelo de gaita-ponto que ele possuía, por julgá-lo inferior, o que o teria impulsionado a continuar o aprendizado de forma autodidata:

[...] eu levei uma oito-baixos do pai que nós temos até hoje, que foi a gaita que eu comecei. E daí ele tocou na gaita. Traz a gaita aí que eu vou dar uma olhada, eu te ensino alguma coisa. Ele tocava gaita botoneira58. Ele pegou, fez um floreio assim, e disse. Não, cara, eu te

ensino, mas primeiro tu compra uma gaita. Então, la verdulera59 não

era o suficiente pra me tornar gaiteiro. Então eu disse: “Não, então eu vou seguir solito e vamo tentiando” (CE-EDUARDO, p. 6).

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Leonel Gomez, acordeonista de Santana do Livramento/RS.

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Edilberto Bergamo, acordeonista de São Gabriel/RS.

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Gaita-ponto com três fileiras de botões na mão direita (31 botões).

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De acordo com as palavras de Eduardo, ele “sempre [teve] muita facilidade de aprender”, com alguém lhe “mostrando” as músicas, mas que nunca teve “um professor de fato”. O entrevistado recorda que teve “algumas aulas” com um músico que “era amigo do [seu] pai e não dava aula. Mas disse que abriria uma exceção”. Esse músico chamava-se “Zé Melo”. Segundo Eduardo, o músico “era multi- instrumentista”, e “chegou a gravar” dois discos, nos quais “tocou praticamente todos os instrumentos. Ele tocou violão, tocou baixo, tocou gaita, cantava”. Com o referido músico, teria aprendido “três músicas”, porém, seu aprendizado artístico teria sido mais importante que o instrumental: “Aprendi muito mais, os ensinamentos dele foram muito mais válidos pra mim como artista, como pessoa, do que como instrumentista mesmo” (CE-EDUARDO, p. 5).

Eduardo revela que teve uma relação muito forte com o disco de vinil quando começou a estudar gaita-ponto. Entre suas principais referências artísticas estavam “Gaúcho da Fronteira60”, “Gilberto Monteiro61” e “Renato [Borghetti]” (CE-EDUARDO,

p. 4).

Ele recorda que seu pai “esteve casado” durante “dois anos” com uma acordeonista chamada Jeanete, a “rainha do acordeom”, que possuía “uns três mil e quatrocentos LPs”. Quando o casal se separou, parte desse acervo ficou na casa de seu pai, constituindo um acervo para seus estudos. Entre esses LPs, estariam o segundo álbum de Renato Borghetti, e o álbum “Pra ti Guria”, de “Gilberto Monteiro”, o qual Eduardo “escutava muito” (CE-EDUARDO, p. 4-5).

Eduardo orgulha-se da dedicação que tinha no período da sua iniciação musical e ressalta que ensaiava “todo o dia”:

Alguns alunos meus hoje vão pesquisar vídeos meus na internet, e encontram vídeos daquela época, quando eu tinha dezessete, dezoito anos. Aí eu brinco com eles, nessa época eu tocava gaita, nessa época eu tocava, porque eu virava a noite compondo com os guris ou ensaiando (CE-EDUARDO, p.11).

Nessa fase, os ensaios com seu grupo musical duravam “quatro, cinco horas”. Eduardo descreve: “[...] às vezes, a gente se perdia em uma música. Perdia, não, ganhava”. Comparando com o tempo que dedica, atualmente, para manter as habilidades necessárias para tocar gaita-ponto, Eduardo admite estudar “muito

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Nome artístico de Heber Artigas Armua Frós, cantor/instrumentista uruguaio naturalizado brasileiro.

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pouco”, e que “praticamente” largou o acordeom, depois que entrou na faculdade, como detalha: “Pegava mesmo para ensinar, mas não consegui mais desenvolver minha técnica dentro do instrumento. Porque me tomava muito tempo estudar outras coisas” (CE-EDUARDO, p.11).

Eduardo relembra que “na [sua] iniciação musical, através da gaita, a possibilidade de estudo era muito remota”. Mas que a geração “anterior”, à que fizeram parte seu pai e seu irmão tinha Sadi [Cardoso]:

[...] E depois, os alunos do Sadi, os que seguiram, ou tinham carreiras profissionais aleatórias62, e não tinham tempo de lecionar, ou, por um motivo, ou por outro, não ensinavam. Porque também não é muito fácil ensinar. E tu tens a opção, também, de querer, ou não” (EDUARDO, p. 19).