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FUNÇÕES DO PROFESSOR NO PROJETO FÁBRICA DE GAITEIROS

Secretária, faxineira, professora, psicóloga, pedagoga, e tudo mais. Mãe. Tudo aqui (CE- FOFA, p. 13).

Cada unidade do projeto Fábrica de Gaiteiros tem um professor que também administra a unidade. Múltiplas são as funções dos professores de gaita-ponto entrevistados, dependendo da unidade em que atuam.

As funções do professor Eduardo que coordena as aulas na sede do projeto em Barra do Ribeiro/RS são “ensinar gaita-ponto” e organizar as apresentações dos alunos (CE-EDUARDO, p. 17). Eduardo orgulha-se da disciplina dos alunos:

O pessoal comenta muito a respeito da disciplina musical deles. Embora lá dentro da Fábrica, a gente tenha um ambiente bem descontraído, familiar, nas práticas de conjunto e ensaios, e nas apresentações, tudo alinhadinho, é padrão profissional (CE- EDUARDO, p. 17).

Augusto que administra a unidade do projeto em Bagé/RS considera abrangentes suas funções: “Professor de gaita, babá, faxineira, secretário, coordenador, psicólogo, amigo, criança. Tudo, tudo. Não era, mas agora, a partir de 2017 centralizou tudo comigo” (CE-AUGUSTO, p. 21).

Além de ministrar aulas e coordenar o empréstimo de instrumentos, Renato ainda faz as matrículas e organiza as apresentações dos alunos. O professor diz que se utiliza das mídias sociais para facilitar a organização das atividades: “Hoje já tem ferramentas que te ajudam. Um grupo de pais no whatsapp, por exemplo, tu mandas uma mensagem, tu falas com todo mundo. Então isso te ajuda muito”. Esse canal seria “exclusivamente pra gente organizar apresentações, qualquer outra coisa, relacionada com a Fábrica de Gaiteiros” (CE-RENATO, p. 23).

Segundo Renato, as matrículas ocorrem “hoje, por e-mail”. Antigamente, Renato “anotava tudo”, mas perdia as anotações, às vezes: “Não tem como, tudo no e-mail. Porque daí eu dou uma estrelinha lá, vai pra um lugar, e está tudo certo, não perco”. O professor destaca que há “uma fila lá de cinquenta, quarenta crianças”,

mas que precisa verificar essa ordem, pois “muitos entraram na fila há três anos, com treze anos. Hoje, já estão com dezesseis” (CE-RENATO, p. 29).

A professora Adriana descreve que é “responsável por tudo” na unidade do projeto que coordena:

Desde organização pra saída de viagem da Fábrica, organização de camiseta para os alunos. [...] Matrícula. Quando eles decidem ir pra rodeio122, tentar fazer uma preparação melhor pra eles irem pra rodeio. Tudo lá. Tudo da Fábrica funciona comigo. A questão de rodízios de gaitas, o cuidado das gaitas, tudo isso (CE-ADRIANA, p. 20).

Adriana se preocupa ainda com alguns alunos que “são de baixa renda”:

Quando temos excursões, [...] nem todos às vezes conseguem ter aquele dinheirinho pra ir. Quando a gente faz uma viagem, às vezes, eu tenho algum show, que eu posso levar eles junto pra se apresentar [...] pra não deixar nenhum aluno de fora, então eu promovo rifas (CE-ADRIANA, p. 20-21).

Segundo Adriana, outra denominação é adotada para evitar complicações: “Rifas, não. Rifa não pode, porque vai preso. Não pode dizer que é rifa, é ação entre amigos. Senão a professora vai presa ainda [risos]” (CE-ADRIANA, p. 21). Ela explica como promove a “ação entre amigos“: Cada aluno “vende a sua rifa”, e a professora anota o que cada um tem vendido: “Então cada um tem o seu caixinha [um valor em dinheiro] individual”. Se a turma “vai fazer uma viagem”, e “vai precisar de quarenta reais”, o aluno que tem vinte reais economizados “vai ter que colocar vinte do bolso”, enquanto outro aluno “já tem pra pagar todo o passeio. E assim a gente vai fazendo pra gaiterada123” (CE-ADRIANA, p. 20-21).

A professora promove ainda atividades para a integração de alunos e familiares:

Eu tento fazer alguns passeios, às vezes eu loco um parque de exposições que tem lá, que sai um valor baratinho, cinquenta reais. E levo todos os pais e as famílias pra lá. Aí eu levo cavalo, a gente consegue cavalo, consegue vaca parada124. Tento envolver eles nessas atividades (CE-ADRIANA, p. 20).

122

Ver nota nº 2.

123

Gaiterada significa meninos e meninas.

124

Espécie de jogo, competição ou brincadeira. Um cavalete de madeira com características de uma vaca é fixado no meio da arena e as crianças jogam o laço.

Conforme Nóvoa (2017), “para formar um professor não bastam as universidades e as escolas. É preciso também a presença da sociedade e das comunidades locais”. O autor defende que “quanto mais envolvermos os estudantes na vida das comunidades, melhor os conseguiremos preparar para trabalhar nos contextos em que virão a ensinar” (NÓVOA, 2017, p. 1117).

Os professores do projeto Fábrica de Gaiteiros, a exemplo da ‘ação entre amigos’ promovida por Adriana, já estão inseridos na comunidade antes mesmo de participar do projeto, e, com isso, conseguem atrair a comunidade para o projeto, facilitando o trabalho ‘nos contextos em que virão a ensinar’.

De forma semelhante a Augusto, Fofa considera múltiplas suas funções no projeto: “Virgem Maria! No começo, aqui, tudo era eu. Secretária, faxineira, professora, psicóloga, pedagoga, e tudo mais. Mãe. Tudo aqui” (CE-FOFA, p. 13).

Neste capítulo, foi revelado como os professores de gaita-ponto desenvolvem seu trabalho no projeto Fábrica de Gaiteiros, como está configurado o seu espaço de trabalho, como são organizadas as aulas, quais as funções exercidas pelos professores nesse projeto. Entre outras questões relevantes, este capítulo ajuda a concluir que:

Todos os professores entrevistados já conheciam Renato Borghetti antes de ingressar no projeto. Alguns professores foram convidados por ele para participar, outros tiveram sua participação associada ao interesse do poder público em trazer o projeto para sua cidade.

Os diferentes modelos de acordeom diatônico e suas afinações aparecem nos depoimentos dos professores como um desafio, pois o instrumento não possui um modelo padronizado, e há poucos materiais didáticos disponíveis para esse instrumento.

As unidades do projeto, embora estejam vinculadas à administração situada na matriz em Barra do Ribeiro/RS, onde são manufaturados os instrumentos que depois serão distribuídos às unidades, têm autonomia quanto ao número de alunos, à duração das aulas, à metodologia e dinâmica das aulas, à estrutura e ao espaço físico. A organização de cada unidade é competência do professor de gaita-ponto que atua na mesma e acumula outras funções além de ministrar as aulas, como pedagogo, secretário, produtor musical. As condições institucionais diferenciadas de

trabalho de cada unidade e as diferentes demandas podem gerar conflitos, pois alguns professores podem se sentir sobrecarregados.

A consolidação da atividade docente ocorre através do projeto Fábrica de Gaiteiros que impulsiona também a procura de alunos particulares. Eduardo, que declara, “eu não me considero um professor”, durante o encontro anual de alunos do projeto, veste uma camiseta com os dizeres “Sou Professor de Gaiteiros” (CE- EDUARDO, p. 10).

Figura 7: Eduardo Vargas

7 REFLEXÕES SOBRE O SER PROFESSOR

O objetivo deste capítulo é compreender qual o significado do ser professor para os professores entrevistados, quais as dificuldades enfrentadas e de que forma se sentem recompensados pela profissão.

Dentre os pontos que serão levantados, destacam-se as relações estabelecidas pelos professores com os alunos, com a família dos alunos, com os colegas e com a comunidade, as relações da performance com a atividade docente e da atuação no projeto Fábrica de Gaiteiros com as aulas particulares.