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6.2 SOBRE AS AULAS

6.2.1 Número de alunos

Algumas unidades do projeto Fábrica de Gaiteiros têm mais alunos que outras. A unidade Butiá/RS (ver Anexo F), administrada pela professora Adriana tinha “quarenta” alunos, à época da entrevista (CE-ADRIANA, p. 21). Em Guaíba, Fofa tinha “trinta e poucos” alunos, à época da entrevista (CE-FOFA, p. 15). Na unidade Bagé/RS, Augusto contava com “oitenta e dois” alunos, quando foi realizada a entrevista (CE-AUGUSTO, p. 21). Renato revela que o número de alunos da sua unidade, em Porto Alegre/RS, é um trato do Renato Borghetti com o SESC, e se limita a “vinte e um” alunos (CE-RENATO, p. 22).

Esse número “pode aumentar” se Renato “conseguir alunos com mais ou menos o mesmo nível, e conseguir juntar em grupo”, isso liberaria horários.

Contudo, “não é fácil ter alunos com o mesmo nível”, e “toda a logística de levar, trazer, é complicado”, como detalha:

Não é fácil tu juntares o horário dos pais pra levar. Esse é o grande problema. Eu tenho horários ali super difíceis. Porque oito horas da manhã, uma cidade grande, às vezes, tem que acordar seis e meia da manhã, é horrível. Onze horas, o aluno da manhã, às 13h tem que estar na escola. Com os alunos que estão ali nesse horário, eu faço 50 minutos de aula, pra dar dez minutinhos, porque dez minutinhos, às vezes, faz diferença. E o menino que entra às 13h, às vezes, não dá tempo de chegar da escola (CE-RENATO, p. 25).

O projeto atende alunos de sete a quinze anos de idade, como já mencionado. Porém, não é necessário que o aluno deixe totalmente o projeto após concluir esse primeiro ciclo de aprendizagem. Os professores avaliam como positiva a participação dos alunos mais velhos como monitores dos mais jovens.

Renato afirma que a idade ideal para começar o curso de gaita-ponto é com oito anos: “[...] é uma média de oito anos, nove. Porque eu não gosto de pegar muito cedo, acho que eu já comentei contigo. A partir dos oito é bom, mas assim seis, sete, dá uma canseira, sabe, de tu teres que ficar assim...” (CE-RENATO, p. 1-2).

Adriana tem alunos “de sete até quinze. Tem uns que já estão com dezesseis, estão quase saindo” (CE-ADRIANA, p. 30).

Conforme Newton, se o aluno quiser, “mesmo que ele tenha desenvolvido todo o processo dentro do projeto, ele vai dar a vaga para outro, mas não fica proibido de estar presente. Então, ele vem, ele convive com os mais novos, ele convive com o professor” (CE-NEWTON, p. 7).

Essa informação é corroborada por Fofa: “[...] não tem, agora tem que ir embora, porque fez quinze. Não, não é assim. Vai ficando, sim. Tem uns que já saíram, mas se a gente precisa fazer uma apresentação, estão sempre junto com a gente” (CE-FOFA, p. 22).

Renato tenta incluir os alunos mais velhos no processo de aprendizagem dos mais jovens, como monitores. Entre os alunos, há um aluno que entrou com dez anos no projeto, e hoje está “com dezesseis anos”. Conforme Renato, a única maneira de mantê-lo seria fazer aula em grupo com ele. Para ele, se o aluno “quiser manter o vínculo é uma boa alternativa”. No caso desse aluno, Renato disponibilizou horários na “segunda, terça e quarta de manhã”, mas o aluno “não apareceu” (CE- RENATO, p. 30).

Para Adriana é fundamental oferecer horários flexíveis para que os alunos que precisam trabalhar possam frequentar as aulas:

Acontece muito que os alunos, eles começam a ajudar cedo em casa. Eu já tenho alunos, com quatorze anos eles trabalham em posto de lavagem. Então, às vezes, o que acontece, o dono do posto libera ele meia-horinha pra ele ir lá fazer a aula e voltar. Então, eu até tento encaixá-los no primeiro horário, porque eles vão lá, fazem a aula e voltam para o trabalho (CE-ADRIANA, p. 30).

Nóvoa (2017) ressalta que “um professor tem de se preparar para agir num ambiente de incerteza e imprevisibilidade”. Para esse autor, o professor, no seu dia a dia de trabalho, é chamado a “responder a dilemas que não têm uma resposta pronta e que exigem de nós uma formação humana que nos permita, na altura certa, estarmos à altura das responsabilidades” (NÓVOA, 2017, p. 1118).

Adriana, quando se dispõe a dar aula em outro horário para possibilitar a continuação do aprendizado a um aluno que trabalha no posto de gasolina e pode fazer aulas somente ao meio-dia, responde a uma situação imprevista ‘na altura certa’, à altura da sua responsabilidade como professora.

Conforme Adriana, alguns alunos da “primeira turma” já tiveram que sair do curso “em razão de que já passaram de dezesseis, estão iniciando faculdade, outros tem que trabalhar”. De forma semelhante a Renato e Fofa, Adriana procura chamar “aqueles [alunos] que estão mais adiantados, já que eles conseguem tirar uma musiquinha”, para auxiliá-la “com outros”. Adriana se preocupa com “alunos que não têm o que fazer em casa”:

Se eles pararem com a Fábrica, com aquela atividade ali, eles vão ficar aquele tempo sozinhos em casa. Então, eu acabo sempre querendo trazê-los de algum modo. Envolvê-los até que eles saiam da cidade pra trabalhar, ou arrumem um trabalho, ou vão fazer uma faculdade pra ocupar o tempo (CE-ADRIANA, p. 30).

Eduardo comenta que, em 2018, fez “a primeira formatura da unidade da Barra [do Ribeiro/RS]”, e formou “cinco alunos”, mas que fez a formatura pela questão da idade: “Porque nós temos uma idade limite, então, passou daquela idade, eu fiz a formatura, o que não os desligou totalmente”. Para Eduardo, a formatura marca o “cumprimento de [um] ciclo”, porém “não quer dizer que eles se

formaram no instrumento”, até porque, como ele mesmo enfatiza, “todos continuam estudando”, inclusive o próprio professor (CE-EDUARDO, p. 15).

Em relação à questão de gênero, Adriana chama a atenção para o número de alunas na unidade do projeto em que atua – são “quase dez” – e diz que quer “incentivar mais as gurias pra que a gente tenha mais gurias tocando”. Para ela, “as meninas são muito mais acanhadas que os meninos”, e acrescenta: “Eu percebi isso, no geral”. Adriana observa que a Aluna X “está tocando muito bem gaita, mas é envergonhada. Chega, fica quieta, na dela, não pega a gaita”. Mas salienta que há exceções: “Eu tenho uma aluninha, a Aluna Y, que essa, não. Ela não tem vergonha, ela chega, ela gosta de tocar” (CE-ADRIANA, p. 32-33).

Adriana acha que é “bacana do projeto, dar espaço pra professoras também”:

[...] o [Renato] Borghetti deu espaço pra mim e pra Fofa, somos duas mulheres. [...] Não sei se ele pensou nisso, ou se foi por acaso. Mas eu acho interessante que com o tempo a gente consiga também dentro do projeto ter mais meninas que toquem (CE-ADRIANA, p. 32).

Ela não saberia avaliar se o fato de ser uma professora atrai mais as meninas: “Nunca fiz esse questionamento. Mas seria interessante fazer”. Mas acha que pode ser uma questão “identificação, ou que [as alunas] possam ter mais intimidade com uma professora do que com um professor”, declarando: “Então eu acho que essa questão do incentivo mesmo pra que venham mais meninas tocando. Eu acho que isso é importante, pra cultura também” (CE-ADRIANA, p. 32-33).

O projeto Fábrica de Gaiteiros se preocupa também com a inclusão de crianças com necessidades especiais. Na seção a seguir os professores contam sobre suas experiências com alunos especiais dentro e fora do projeto.

Augusto relata que terá oportunidade de trabalhar com educação especial no projeto Fábrica de Gaiteiros: “[...] porque agora um desafio enorme vai me aparecer, graças a Deus, vai entrar o primeiro aluno especial. Ele é portador da síndrome de Down” (CE-AUGUSTO, p. 21).

Adriana foi convidada pela Prefeitura de Charqueadas/RS a participar de um projeto de inclusão social. A professora vai lecionar gaita-ponto para crianças do CRAS117, e no CAPS118: “São dois [projetos] diferentes. São crianças com

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deficiência mental. E o outro é para crianças com problemas de família, drogas. Mas é só pra jovens esse projeto, [...] jovens que têm essas duas questões envolvendo”. Para Adriana, “é um desafio, porque não é um jovem que está vindo pra aula de gaita, é a aula de gaita que está indo pra eles” (CE-ADRIANA, p. 17-18).

Renato também menciona sua experiência com crianças com deficiências sugerindo que o projeto está aberto a recebê-las. Um dos alunos de Renato foi vítima de hemiparesia, que “é um AVC no parto”. Esse aluno que “tinha treze” anos, e “frequentava a escola normal”, tinha “total a dificuldade pra tocar, não conseguia tocar”, mas as aulas de música ajudaram-no na escola: “A professora ligou pra mãe dele, o que está acontecendo com o Artur? Por quê? Ele melhorou a letra”. Para Renato, “esse tipo de coisa é muito legal”. Apesar da aula de música ter sido uma experiência positiva para o aluno, ele não conseguiu continuar: “Ele teve problema no joelho, de articulação, teve que operar, não conseguiu mais vir” (CE-RENATO, p. 28-29).

Renato trabalhou ainda com um aluno “com Asperger119”, e “há pouco tempo, ele teve muita crise”:

Tiveram que trocar a medicação dele, e a mãe achou melhor ele parar, porque ele estava ficando agressivo. Ele andou agredindo professoras na escola e não gostava de lugares com muita gente. Então a mãe achou melhor, Renato, vamos parar. Quando ele melhorar eu te procuro de novo (CE-RENATO, p. 28-29).

Para Renato, “cada história é uma história”. Ele relata que um aluno com síndrome de down era levado à aula de gaita-ponto pela avó que estava “toda entusiasmada dando estímulo para o menino”, pois “a mãe [o] tinha abandonado com a avó”, como relembra:

A mãe não dava estímulo nenhum, bota na frente do computador pra ver desenho. Não ensina nem mexer, só bota na frente do computador, pra descartar. Pra desligar o computador, o menino não conseguia, não sabia (CE-RENATO, p. 29).

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Centro de Atenção Psicossocial.

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Síndrome de Asperger é uma perturbação do desenvolvimento caracterizada por dificuldades significativas a nível dos relacionamentos sociais e comunicação não verbal, a par de interesses e

padrões de comportamento restritos e repetitivos. Disponível em:

Segundo Renato, “tu tens que dizer, pega aqui, aperta ali, aperta a gaita aqui. E o menino começou a ter bons resultados, começou a já saber onde apertar, com toda a dificuldade, mas conseguia”. No entanto, “a mãe desse menino com down resolveu que queria o menino de volta. E a avó não pode fazer nada. A guarda é da mãe. Ele simplesmente não foi mais” (CE-RENATO, p. 29).