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A educação de adultos em Portugal

Na história portuguesa recente, a educação de adultos como um processo que se mistura com o próprio processo de vida do adulto foi sendo progressivamente assumida como algo positivo que poderia ajudar os adultos quer na vida profissional quer no âmbito pessoal.

Desde finais do século XIX começaram a surgir em Portugal várias iniciativas ligadas à alfabetização das populações. Com alguns avanços e recuos, motivados essencialmente pelo regime ditatorial, a educação de adultos foi tendo um lugar na sociedade portuguesa. Os movimentos associativos contribuíram muito para o seu desenvolvimento mas não tiveram oportunidade de se desenvolver, uma vez que o regime não lhes permitiu. Assim, durante todo o regime ditatorial as iniciativas com vista à educação de adultos estiveram sempre condicionadas pela ideologia vigente. No entanto, a reforma do sistema educativo de 1971 encarou com maior seriedade a importância da educação de adultos. É com esta reforma, também conhecida como a Reforma Veiga Simão, que se salienta a importância de um igual acesso à educação para todos os portugueses. É nesta altura que se criam também os cursos de “educação básica de adultos” (1973).

Apesar de escassas iniciativas, até finais dos anos 70 a educação de adultos não recebeu o destaque justo e necessário por parte dos vários governos. Em 1979, é criado o Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos (PNAEBA). Nele, o governo torna clara a intenção de acabar com o analfabetismo em Portugal e toma ainda outras medidas pontuais com vista ao progresso e ao alargamento de oportunidades de educação

para todos os adultos. Apesar de ser um instrumento importante para a educação de adultos, o PNAEBA não obteve, na prática, o êxito esperado.

Em 1986 surge a Lei de Bases do Sistema Educativo. Este documento, de extrema importância para a educação em Portugal, não atribuiu à educação de adultos o lugar de destaque que esta mereceria no contexto nacional. Com referiu António Nogueira nas Jornadas de Educação de Adultos realizadas em Coimbra em 1986, “A LBSE tratou de forma indiferente a Educação de Adultos e o seu conceito nem sequer é adoptado pelo legislador” (Nogueira, A., 1996: 111).

Desde essa altura que os governos têm vindo a investir de modo mais ou menos regular na educação de adultos, oscilando entre orientações ora mais social-democratas, ora mais neoliberais. De acordo com Licínio Lima, em 1994 o estado da educação de adultos em Portugal encontrava-se “indelevelmente marcado pelo esbatimento da intervenção do Estado, por uma ausência na agenda da política educativa e por uma reconversão, por estreitamento conceptual, da própria definição ampla e plurifacetada de Educação de Adultos” (Lima, L., 1996: 61). A partir de 1996 inicia-se um novo ciclo de governação que anuncia uma preocupação renovada com a educação de adultos e com a educação permanente. Assim, cria-se em 1999 a Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos que tinha como principais funções a criação de programas de educação e formação de adultos, bem como o apoio a iniciativas da sociedade civil. Apesar de ter um campo de intervenção demasiado limitado tendo em conta a pluralidade de dimensões da educação de adultos, a ANEFA revelou algumas potencialidades para intervir em certas áreas da educação de adultos, especialmente no que diz respeito ao sistema de reconhecimento de competências. Mais tarde, criam-se os cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) e os Centros Novas Oportunidades (CNO), com processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC). Estes processos abrangeram um número progressivamente maior de adultos e são praticamente a única iniciativa apoiada pelo governo no âmbito da educação de adultos. O objetivo de reconhecimento das competências dos adultos, associado a uma necessidade de aumentar as estatísticas relativas às baixas qualificações profissionais da população portuguesa, trouxe alguns constrangimentos para todo o processo. Se no início do programa, em 2005, a preocupação com o rigor e o cumprimento dos pressupostos associados ao processo de reconhecimento de competências era uma realidade, com o avançar dos anos foi havendo alguma leviandade na interpretação da génese do programa e muitos Centros Novas

Oportunidades foram revelando uma preocupação maior com o crescimento do número de adultos certificados do que com a sua reflexão e desenvolvimento pessoal, em grande parte porque, especialmente “nos processos de reconhecimento, validação e certificação de competências dos adultos, realizados em larga escala, existem formas de controlo central, a priori e a posteriori, com regras universalmente estabelecidas” (Lima, L. 2010: 46). Se, na origem de um processo de reconhecimento de competências nunca estava o pressuposto de que todo o adulto teria competências suficientes para conseguir concluir sucessivos níveis de escolarização, o que é certo é que foi isso que começou a acontecer em muitos casos. Assim, mesmo adultos com pouco mais de 18 anos e com experiência de trabalho quase inexistente foram conseguindo ver as suas “competências” reconhecidas, atingindo o nível básico e secundário de certificação. O governo atual já anunciou a extinção destes Centros Novas Oportunidades até ao final do ano de 2012 e aguarda-se a divulgação de informação relativa a um novo modelo de educação de adultos.

Parece claro que os conceitos de educação de adultos e aprendizagem ao longo da vida não têm sido encarados pelos recentes governos nacionais nas suas verdadeiras significações. Após alguns momentos de força que fazem acreditar que Portugal terá uma verdadeira política de Educação de Adultos, surge uma apatia generalizada que apenas deixa sobreviver a iniciativa maioritariamente privada e empresarial na formação profissional, deixando de lado o investimento em projetos de educação de adultos que se transformem numa constante realidade. Assim, sobrevive uma definição de Educação de Adultos fortemente marcada quer pela formação profissional, quer pela educação escolarizada e formal e que continua a colocar de parte o investimento necessário para que se consiga oferecer a todos os cidadãos uma verdadeira educação ao longo da vida. Mesmo as mais recentes iniciativas no âmbito dos cursos de Educação e Formação de Adultos e dos processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências têm vindo a mostrar-se incapazes de cumprir pressupostos básicos que devem estar inerentes a qualquer processo verdadeiramente educativo. O objectivo principal destes processos “educativos” parece ser a melhoria de um deficit de qualificações que se deve traduzir em resultados contáveis a curto prazo. A educação parece ter sido “reconvertida em aprendizagem de ‘habilidades economicamente valorizáveis’ ou em ‘qualificações para o crescimento económico’ segundo as categorias dominantes, à escala europeia, nos discursos de política

educativa” (Lima, L., 2010: 42). A construção de uma cidadania ativa, o crescimento individual e a verdadeira educação permanente parecem, em alguns casos, ficar para segundo plano.

Assim, é necessário que o ideal do “aprender a ser” de Edgar Faure não seja esquecido e que se recoloque a educação de adultos no lugar que esta deve ocupar no contexto educativo português. Os conceitos de educação / aprendizagem ao longo da vida têm que fazer cada vez mais parte do quotidiano dos portugueses. As políticas de educação de adultos não podem preocupar-se apenas com o aumento das qualificações; a preocupação deverá centrar-se em dotar os adultos de todos os mecanismos necessários para que estes possam qualificar-se para um maior nível de empregabilidade mas também para que cresçam individualmente, tornando-se cada vez mais cidadãos ativos e conscientes da importância do “aprender pelo aprender”. A continuarem com a mesma política, os países europeus, “arriscam-se não apenas à ineficácia face aos seus objectivos de criação de empregos, de aumento da competitividade e da produtividade, mas também à condição de uma acção orientada para a subordinação e para a alienação dos cidadãos” (Lima, L., 2010: 49).