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3 OS CAMINHOS TURVOS DA EDUCAÇÃO ENQUANTO DIREITO SOCIAL

3.3 A EDUCAÇÃO ALMEJADA

Mediante a revisão realizada, foi-nos possível esquadrinhar importantes assuntos vinculados à educação. Começamos o presente capítulo tratando-a como direito social, explicamos seu tenso percurso político no Brasil, e em seguida tratamos das influências neoliberais e de organismos externos na educação brasileira. Finalizamos este momento com uma tentativa de retomarmos a educação vinculando-a com discussões já tratadas anteriormente nesse trabalho.

Como foi esquadrinhado, a educação, e mais especificamente a educação pública brasileira, é transpassada por inúmeras questões políticas, o que a configura como um elemento enraizado por tensões civis, políticas, econômicas, sociais, e de Estado. Assim, aprofundemo-nos na discussão a respeito de alguns conceitos específicos que também caracterizam nosso objeto, a saber, a educação e a cidadania.

Defendemos que a educação almejada por políticas públicas, por diferentes instituições e pela sociedade, deve se comprometer com a garantia da liberdade e do direito, além de ser aquela defendida por Paulo Freire (1996), que foge do estigma de transferência de conhecimento e volta-se para a possibilidade da construção ou produção do conhecimento em conjunto; a autonomia dos educandos deve ser estimulada, pois a ideologia neoliberal, com ares de “pós-modernidade”, insiste em divulgar que nada se pode fazer contra a realidade social que de “histórica e cultural, passa a ser ou a virar ‘quase natural’. [...] Do ponto de vista de tal ideologia, só há uma saída para a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada” (FREIRE, 1996, p. 19 e 20).

Corroborando com Paulo Freire, Ahlert (2003, p. 65 e 66), diz que

para garantir uma educação libertadora e emancipacionista, e não apenas de adaptação do indivíduo à sociedade constituída, não podemos cair no erro histórico de educar apenas para o trabalho, pois isto significaria que a cidadania se reduziria ao trabalho. [...] Daí a necessidade de construir políticas públicas que tenham a educação como um direito de todos os cidadãos, a participação popular como seu método de gestão. [...] O princípio fundamental a ser assumido é o da democracia participativa, que reafirme a educação como um direito de todos os cidadãos; que tenha uma concepção de educação emancipadora e libertadora, formadora de sujeitos

livres e críticos e para transformar a realidade na construção de uma sociedade humanista, democrática e justa.

Embutido nos pensamentos de Ahlert (2003) e Freire (1996) está a possibilidade de igualdade no acesso às oportunidades. Também para Marshall (1986, p. 101), o direito do cidadão tem a ver com o direito à igualdade de oportunidade. Seu objetivo é eliminar o privilégio hereditário. “Basicamente, é o direito de todos de mostrar e desenvolver diferenças ou desigualdades; o direito igual de ser reconhecido como desigual [...] permitir que o jovem desprovido de recursos mostre que é tão capaz quanto o rico”.

A educação libertadora deve possibilitar a emancipação humana pelo processo de ação comunicativa. E isto só “é possível na concepção Freireana, através de um processo de ensino ‘dialógico, crítico e problematizador’, capaz de conduzir as relações a um elevado grau de responsabilidade política, social e reflexiva” (KUNZ, 2004, p. 136).

Pensando numa educação horizontal, na qual tanto aluno quanto professor têm a transmitir e a aprender, considerando as relações políticas e sociais que ao mesmo tempo produzem direitos e oprimem, é que se autoriza a educação enquanto direito social, estimulando a emancipação humana e a participação social.

Como foi possível observar em Pateman (1992) a participação51 assegura a igualdade política na tomada de decisões envolvendo um caráter educativo que aumenta a liberdade e autonomia do indivíduo. Sua teoria vai de uma concepção micro para o macro, isto é, as pequenas participações em ambientes de indústria ou empresa aumentam a eficácia e tem efeitos psicológicos positivos no incentivo à participação política em instâncias mais amplas.

Sendo assim, as experiências que os indivíduos adquirem nos espaços de participação, são de extrema importância para a formação da cultura política, principalmente no sentido de socializar ideias e valores. Quanto maior a participação do indivíduo em diferentes esferas, maior é o grau de eficiência política que o mesmo adquire. É por isso que acreditamos que a participação em âmbito escolar é um caminho positivo para a participação política, em esferas macro.

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No cap. 1 foi realizada uma discussão profunda sobre o conceito de participação defendido por Pateman (1992).

A ideia de participação, de autonomia, é intrínseca à ideia de democracia e cidadania. Em Müler (2007, p. 21), cidadão é aquele que participa, e só pode participar da tomada de decisões “quem tiver poder e tiver liberdade e autonomia para exercê-lo. Isto faz da cidadania e da autonomia [...] duas categorias estratégicas de construção de uma sociedade melhor em torno das quais há frequentemente consenso”.

Defendemos então que liberdade, autonomia, participação, e emancipação são alguns dos importantes conceitos que devem estar atrelados à educação como direito, comprometida com a promoção de cidadania. Mas como será isso possível? Um dos autores que apontam ações interessantes nesse sentido é Rodriguez (1999, p. 25), para quem “eliminar irracionalidades administrativas, enfrentar a pulverização de recursos, controlar o clientelismo e aumentar o controle público nos sistemas estão entre as principais recomendações”.

Assim, cabem aos gestores, professores, alunos e toda a comunidade escolar estabelecer um compromisso com uma educação pública de qualidade que trate e estimule a cidadania, o desenvolvimento como liberdade, e a participação de todos, com vistas à emancipação política do Estado e emancipação humana dos indivíduos. Os problemas e conflitos estão postos há séculos, mas a garantia da educação enquanto direito social também está firmada na legislação brasileira.

A incumbência de todos aqueles que têm acesso às informações que qualificam a educação enquanto direito social, é de proclamar a educação libertadora, que, após o referencial levantado, parece-nos ser a possibilidade mais concreta em promover a cidadania a partir da participação, do conhecimento dos direitos e deveres, resultando em emancipação.

Perguntamo-nos então como a Educação Física enquanto componente curricular está configurada no que se refere à promoção de cidadania? Quais as ações da gestão educacional para possibilitar que a mesma assim se legitime? O que professores de Educação Física lotados em cargos estratégicos administrativos na Seme realizam enquanto ações de política públicas para que a Educação Física garanta/promova cidadania? É pensando em responder tais questões que o próximo capítulo irá tratar especificamente da Educação Física e de seus PCNs.

4 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL: DOMINAÇÃO DOS CORPOS,