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5 AS AÇÕES DA SEME E A EDUCAÇÃO FÍSICA ENQUANTO COMPONENTE CURRICULAR

5.2 ANÁLISE DOS DADOS

5.2.3 Educação Física Escolar

O objetivo de nossa pesquisa foi tentar compreender quais são as ações dos atores responsáveis pela gestão da Educação Física na Secretaria Municipal de Educação de Vitória (Seme) no intuito de descobrir se e como esse componente curricular obrigatório atua no sentido de promover e garantir a cidadania.

É com o intuito de alcançar o nosso objetivo e responder questões de suma importância, que direcionamos como foco desse tópico a análise dos dados coletados tendo como referência a Educação Física escolar. Como já foi explicado, a Coordenação de Desportos embora atue no âmbito da educação Física escolar, não tem ingerência sobre o cotidiano de aulas dessa unidade disciplinar nas escolas, mas como percebemos na fala abaixo, os gestores entrevistados compreendem que suas ações afetam, de um certo modo, as aulas de Educação Física:

Essa coordenação ela é uma Coordenação de Desporto escolar, ou seja, ia [sic] tratar de assuntos relacionados ao planejamento, coordenação e organização do Desporto Educacional deste Município. Não significa que isso não diz respeito à aula de Educação Física, porque ao mesmo tempo que ele é desenvolvido nesse projeto de desporto educacional, ele também é desenvolvido nas aulas de Educação Física [sic], mas o nosso foco claro não é a aula ou o professor de Educação Física (E.C.).

[...] a Coordenação tem se preocupado muito com a qualificação das ações voltadas para o desenvolvimento do sistema da cultura corporal de movimento. Mas não temos focado especificamente na Educação Física como componente curricular, no entanto que a gente não tenta justificar a Educação Física na escola (E.C.).

A Coordenação de Desportos aponta que as aulas de Educação Física escolar acabam sendo afetadas pela dinâmica em que a equipe atua dentro da Seme, uma vez que ela é responsável por todos os projetos e ações que envolvem não só o desporto, mas inúmeras práticas da cultura corporal de movimento tais como a dança, além do lazer. Em consonância com as Diretrizes Curriculares de Vitória, evidencia-se que a Educação Física é uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza a cultura corporal.

De acordo com Soares e outros (1992), a cultura corporal engloba os jogos, a ginástica, as lutas, as acrobacias, a mímica, o esporte, etc. Assim, a cultura corporal é o conhecimento que constitui o conteúdo da Educação Física. Esse conceito sobre a Educação Física faz parte de uma metodologia desenvolvia por um coletivo de autores na intenção de ser uma ferramenta para que os professores possam pensar esse componente curricular/conteúdo pedagógico.

A Educação Física é tratada no município de Vitória a partir de uma concepção que segundo os Coordenadores do Desporto se desenvolve “[...] a partir

do princípio da educação estética, ou seja, a gente toma muito cuidado com as minúcias, com cada coisinha que a gente vai fazer” (E.C.). É importante considerarmos que nas Diretrizes Curriculares do Município não encontramos referência e essa “educação estética”, e por isso concluímos que essa é uma opção de trabalho da atual Coordenação de Desportos.

Apesar da Coordenação de Desportos parecer ter uma concepção teórica bem definida, não é possível saber até que ponto a teoria sobre a Cultura Corporal é vivenciada durante as aulas de Educação Física dentro das escolas da Rede. Isso porque, como descrito na fala abaixo, a Coordenação não interfere nas aulas.

A consulta, no que diz respeito a todas as demandas, todas as questões que surgem, da área de Educação Física, somos nós que fazemos a consultoria, somos nós que damos o parecer sobre essas questões, mas ao mesmo tempo nós não arbitramos sobre a área, por exemplo: nós não dizemos como é que tem que ser a aula, “a aula tem que ser nesse formato”, a aula vai ser no formato que a escola e seus profissionais constituírem e entenderem que é a melhor forma de se tratar aqueles conhecimentos (E.C., grifo nosso).

Consideramos também, que como não há uma formação específica para os professores de Educação Física, parece-nos que o único embasamento teórico advindo da Seme que os professores da Rede dispõem, são as Diretrizes Curriculares. O problema é a possibilidade da falta de discernimento quanto aos possíveis conteúdos neoliberais, além de esse documento não deixar claro o que significa e como deve ser desenvolvida a Educação Física a partir da cultura corporal.

As Diretrizes apenas citam que os Eixos Temáticos e Objetivos Gerais que devem “[...] desenvolver e avaliar a complexidade dos movimentos e a intensidade da atividade física solicitada pela dança, ginástica, capoeira, luta, esporte, e outros temas da cultura corporal, bem como a resposta do corpo a esse trabalho” (VITÓRIA, 2004b, s.n).

Poderíamos levantar indícios sobre se os professores ponderam as Diretrizes e a Cultura Corporal enquanto componentes metodológicos no momento de organizarem seus planos de aula, caso nos tivessem sido fornecido os

planejamentos dos professores para análise, mas como já explicado, não obtivemos acesso a tais documentos. Assim, somente a partir de outra pesquisa será possível constarmos como acontecem de fato as aulas de Educação Física da Rede.

Os gestores justificam porque a Educação Física enquanto componente curricular não é pensada distintamente dentro da Seme:

[...] porque não se justifica ter uma coordenação de Educação Física numa Secretaria de Educação porque não se constitui coordenação de área dentro desse espaço. Porque entende-se [sic] que todos os componentes curriculares, eles são integrantes das dinâmicas do currículo da escola e por conta disso eles não devem ter representações específicas, ou seja o que deve ser discutido pela Educação Física enquanto proposta de ensino, é que o currículo da escola tem que ser discutido como unidade de ensino, o corpo docente, o corpo técnico e a comunidade, na perspectiva em que, a proposta de educação das escolas deveria ser feita de forma compartilhada (E.C.).

Ou seja, a ligação entre o setor administrativo da Seme e a Educação Física escolar é efetivada durante as ações que envolvem a organização curricular, não havendo, segundo os participantes da entrevista coletiva, uma política de formação específica para os professores por área. Sobre os currículos escolares do Sistema Educacional de Vitória destacamos o art. 24 da Lei 4747/98:

Os currículos escolares terão a base comum de conteúdos fixados pelas diretrizes curriculares do Município, organizados em ciclos e serão complementados com a especificação de conteúdos do projeto político pedagógico de cada escola e no planejamento didático de cada turma, considerando o estágio de desenvolvimento dos alunos (VITÓRIA, 1998, s.n).

Ainda se tratando do currículo das escolas municipais de Vitória, foi possível observar no discurso dos gestores que há uma articulação dentro de cada escola no sentido de se pensar conjuntamente os projetos, resultando em trabalhos vinculados a diferentes componentes curriculares. Sobre tal articulação a Coordenação relata que:

[...] a gente tem escutado das escolas coisas muito interessantes, interessantes mesmo, na avaliação que a escola faz, no formato que esses projetos estão organizados dentro da escola e como isso tem sido interessante no processo de aprendizado de ensino dos meninos, fazendo uma relação com os outros componentes curriculares, os trabalhos tem sido articulados dentro das escolas junto com outros professores, isso tem sido uma coisa muito interessante (E.C.).

Defendemos que uma organização curricular que surge a partir de um debate com diferentes representatividades da escola e a fim de proporcionar aos professores dialogarem entre si com o escopo de construírem coletivamente ações voltadas para a formação dos indivíduos, pode ser uma ação que contribua para uma formação cidadã. Mas esse resultado nos parece possível somente se houver uma participação não só para elencar sugestões, mas também na deliberação das ações (CITTADINO, 2005; PAULA, 2005). Outro pressuposto é que os projetos tenham como objetivo uma formação crítica, que leve os alunos a se questionarem sobre suas realidades, e consequentemente sobre seus direitos e deveres.

Ao tratarmos no tópico 5.2.1 sobre a gestão educacional de Vitória, foi possível conceber as ações da Coordenação de Desportos de um modo geral. Nesse momento toma-se como foco as relações da Coordenação com a Educação Física escolar. Para tanto, questionamos à equipe se a formação inicial em Educação Física contribuiu na inserção na gestão pública desses gestores. Obtivemos a seguinte resposta:

[...] isso não forma nem os meninos para dar aula, ali, em um projeto nosso de frescobol, os moleques não conseguem dar uma aula de voleibol na areia. A formação inicial não dá conta disso, vai dar conta de formar para a gestão? Não tem condição, a gente tá batendo a cabeça, está fazendo um esforço danado pra formar esses meninos estagiários que estão com a gente pra ver se pelo menos daqui a pouco a gente tenha mais bichinho que faça a intervenção com qualidade na escola. Não dá conta, simplesmente não dá conta de formar professor que vai fazer uma intervenção na escola minimamente qualificada, não consegue. Os caras não conseguem entender como é que se organiza um plano de aula, vai [sic] conseguir organizar o sistema de ensino? Eles não sabem o que é Conselho de Escola, e o Conselho da Escola é gestão dentro da escola, é gestão compartilhada. Tem gente que não entende, aí não tem como (E.C.).

Nota-se que a gestão pondera sobre a má formação que os cursos superiores em Educação Física vêm exercendo nos últimos anos, principalmente no que se refere à formação política, à formação para atuação na gestão pública. Essa denúncia requer uma atenção especial das Instituições de Ensino Superior, pois assim como Vago (1999) destacou, é de extrema importância que professores de Educação Física estejam inseridos nas gestões educacionais públicas para que as discussões da área sejam consideradas na formulação de políticas públicas de educação. Mas sabemos que tal inserção deve buscar a excelência.

Para a Coordenação de Desportos, a formação inicial tem sido tão ruim a ponto de professores de Educação Física recém-formados não terem consciência do que é cidadania e com isso, “[...] eles usurpam, eles roubam os direitos dos meninos de aprender, eles roubam a possibilidade desses meninos de fato se tornarem sujeitos emancipados. É a negação do direito” (E.C.).

Realizamos aqui duas considerações: a primeira diz respeito à crítica acentuada sobre a formação inicial. É arriscado dizer de maneira generalizada que os recém-formados em Educação Física não sabem “nem mesmo fazer planos de aula”, uma vez que não se dispõe de indícios para confirmar tal afirmação. A segunda diz respeito à falta de autorresponsabilidade da gestão educacional enquanto uma das encarregadas do processo de formação continuada, afinal, trata- se de professores da Rede e não somente de estagiários.

Apesar de apontarem que a formação inicial pouco contribui com a bagagem gestora dos componentes da Coordenação de Desportos, os mesmos destacam:

[...] o que hoje nos capacita a fazer nossa intervenção, primeiro é nossa iniciativa de sempre querer um pouquinho mais. Nós somos bastante inquietos, isso são características pessoais, isso não tem a ver com a formação que também não vai dar conta disso. É ingenuidade achar que a formação vai dar conta disso. E outra, a capacidade de sistematização (E.C.).

Assim, apontamos a importância da formação política tanto na educação básica quanto no ensino superior. Também se torna relevante que as Redes de Ensino estejam comprometidas com a formação de seus professores, para que os

mesmos tenham as competências necessárias para discutir, pensar e exercer política.

Sobre as ações da Coordenação diretamente para com os professores de Educação Física, sobressaem na entrevista realizada, questões relativas às reuniões com os mesmos, tanto para a organização curricular, quanto para o arranjo dos eventos tais como Jemvi e o Festival Movimentos Urbanos:

Um dos objetivos do projeto de dança é o processo de formação compartilhada dos professores, ou seja, é um objetivo. Mas por que é importante esse objetivo no processo de formação compartilhada? Por que nada dessa construção é feita pela Coordenação isolada, é tudo compartilhada [sic], então, o grupo escolhe um tema, o grupo define qual é o tema a ser trabalhado ao longo do ano para concretizar, por exemplo, o Movimentos Urbanos, independente das outras produções da escola, são muitas outras. [...] E aí depois de muito debate, demora, a gente chega em um tema para poder desenvolver todo o trabalho. E isso tem feito com que a relação de confiança entre o grupo fique muito grande. O nível de solidariedade que nós temos entre as pessoas é muito grande. [...] Esse estudo sistematizado está muito voltado para o debate desse tema, para que esse tema possa ser o mais bem trabalhado e o mais bem contextualizado possível dentro da unidade de ensino. Então isso é feito. Então esse encaminhamento é dado no sentido de fazer com que todos compreendam da melhor forma possível o tema (E.C.).

Observa-se na fala acima uma contradição, uma vez que a Coordenação disse anteriormente que a formação dos professores não é de sua responsabilidade. Então fica a dúvida sobre o que considerar como “formação compartilhada”.

Sobre a organização do Festival Movimentos Urbanos, anuncia-se que existe um debate com o grupo de professores de Educação Física e a Seme através da Coordenação de Desportos, resultando na escolha de um Tema a ser desenvolvido nas escolas ao longo do ano, baseado num estudo sistematizado. Observamos que a “construção compartilhada” e a “solidariedade” resultante desse diálogo ficam em destaque na fala dos gestores. No intuito de aferir como acontece essa participação dos professores, questionamos à Coordenação de Desportos se esse diálogo ocorria somente para a organização do Festival Movimentos Urbanos:

A gente leva “paulada” no início, porque a gente convida todo mundo, diretores e professores que participaram ou não, e aí a gente apresenta