• Nenhum resultado encontrado

4 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL: DOMINAÇÃO DOS CORPOS, ESPORTE DE RENDIMENTO, OU CONTEÚDO PEDAGÓGICO?

4.2 DOCUMENTOS LEGISLADORES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: OS PCNS E AS DIRETRIZES CURRICULARES DE

4.2.2 A Educação Física e os PCNs

Assim como a educação de um modo geral, a Educação Física também vem passando ao longo dos anos por processos legais que a organiza em cada período histórico, resultando em leis, diretrizes e decretos que ao longo do tempo produziu diferentes significados à sua prática. Os Parâmetros Curriculares Nacionais se colocam como um norte ao se pensar a Educação Física escolar. Mas, tratando-se de uma questão política, tais Parâmetros estão carregados de tensões.

Castellani se une a diferentes autores discutidos anteriormente (PERONI, 2003; CUNHA, 1996) e se levanta contra a maneira como os PCNs foram elaborados, questionando, por exemplo, quais foram os critérios para escolha de seus pareceristas.

Entretanto, de acordo com as páginas do documento, nenhum desacordo se torna evidente. Os PCNs, lançados em 1998 pelo MEC têm como objetivo nortear as ações dos professores de Educação Física de todo o país. O documento de Educação Física

[...] traz uma proposta que procura democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área, buscando ampliar, de uma visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore as dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos alunos. Incorpora, de forma organizada, as principais questões que o professor deve considerar no desenvolvimento de seu trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e as avaliações da prática da Educação Física nas escolas (BRASIL, 2001, p.15).

Rodrigues (2002) critica os Parâmetros de Educação Física ao pontuar que não há uma análise crítica das diferentes abordagens de Educação Física existentes na atualidade e destacadas no documento, uma vez que não se apresentam as concepções de sociedade, educação e escola que as norteiam. Para o autor, fica evidente uma justaposição de ideias, como se “estas abordagens tivessem se constituído a partir de consensos de visões de sociedade, educação, Educação Física, e todas trazendo avanços para a área, contribuindo com a formação de um homem integral” (RODRIGUES, 2002, p. 138 e 139).

No primeiro parágrafo dos PCNs, ao se remeter aos professores, o documento deixa claro o comprometimento que a Educação Física deve ter com a cidadania:

Nosso objetivo é auxiliá-lo [professor] na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço diário de fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade. Sabemos que isto só será alcançado se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos recursos culturais relevantes para a conquista de sua cidadania. [...] Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação, ao consolidar os Parâmetros, é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres (BRASIL, 2001, s.n, grifo nosso).

Os PCNs para a Educação Física elegem como 1º objetivo geral,

[...] compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito (BRASIL, 2001, s.n, grifo nosso).

Tal objetivo traz tanto o conceito de Marshall (1967) de “cidadania” (direitos civis, políticos e sociais; e deveres), como o de “participação” de Heidemann (2009). Entretanto, Rodrigues (2002) aponta que apesar da fala da necessidade de se estimular o aluno para desenvolver a capacidade de reflexão crítica sobre problemas sociais, os exemplos dados de possibilidades de reflexão sobre a cultura corporal de movimento e a realidade social são de caráter superficial, pois não buscam a explicação nas contradições provenientes das “desigualdades sociais e econômicas entre as classes que caracterizam a sociedade brasileira, assim como não se questionam as implicações da globalização e do projeto neoliberal de sociedade em desenvolvimento no país” (RODRIGUES, 2002, p.141).

Nesse sentido, o discurso de uma Educação Física inclusiva, integrada, participativa, crítica e preocupada com a formação para a cidadania pode parecer um avanço para a área, pelo menos do ponto de vista da orientação governamental

e da legislação, que superaria os aspectos excludentes e discriminatórios característicos do paradigma da aptidão física. Mas, de acordo com Rodrigues (2002, p. 143),

[...] o que se observa, porém, em uma análise mais detalhada, é que há uma atualização do discurso sobre a função social da educação física, justificando-a no contexto das novas exigências do processo que a escola e as demais disciplinas curriculares no interior dessa reforma educacional, em que se metamorfoseiam conceitos sem, contudo, alterar as relações que os mascaram.

O autor pontua que este é o caso do conceito de cidadania que passa pela construção de um sujeito autônomo, responsável participativo e racional, discurso que na aparência surge com ares “emancipatórios”, mas na verdade insere-se na lógica da “competição” a do “mérito individual” considerando que essas são habilidades necessárias à conformação da força de trabalho às novas demandas do mercado.

Sobre os PCNs de Educação Física, pode-se compreender que o documento expõe objetivos direcionados para a formação cidadã. Entretanto, o discurso dos Parâmetros se aproxima muito mais da conotação de objetivos proclamados do que dos objetivos reais (SAVIANI, 1997), visto que o real interesse dos PCNs nos parece estar em consonância com as intenções neoliberais dos organismos internacionais influenciadores de sua elaboração.

Acreditamos, entretanto, que a Educação Física é sim, um importante componente curricular, que através do tratamento da cultural corporal de movimento, deve ter como desígnio não apenas “ações motoras”, mas levar para as aulas nas escolas discussões e vivências que possibilitem um despertar, uma formação humana voltada para a cidadania, ou seja, para a construção, acesso e desfrute dos direitos civis, políticos, e, sobretudo, os sociais.

Mas para isso, algumas mudanças necessitam acontecer: em primeiro lugar, precisa-se compreender que historicamente a Educação Física chegou à escola não por uma necessidade social, mas por uma imposição do Estado para alcançar objetivos de cunho dominador. Compreendida essa contextualização, é necessário

se fazer entender que atualmente, diferentes concepções filosóficas dão suporte à Educação Física, que se faz necessária nas escolas por ser o caminho para que os indivíduos tenham acesso à riqueza dos temas e conteúdos de ensino da cultura corporal. Por fim, faz-se imprescindível a compreensão de que, para além da legalidade e/ou obrigatoriedade, marcadas por influências internacionais e por características neoliberais, a Educação Física, como área de conhecimento escolar, necessita realizar sua legitimidade, afirmar o que pode contribuir na educação escolar dos indivíduos, e explicar como essa contribuição se pode dar.