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2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUA INSERÇÃO NA GESTÃO

2.1 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES

2.1.1 Educação Ambiental Enquanto “Campo”

No tópico anterior, afirmamos que a EA pertence ao campo ambiental. Assim, antes de apresentarmos o conceito de EA, buscamos explicar o campo ambiental, por considerarmos relevante para entender as diferenças internas da EA e no próprio campo.

Com base na teoria de Pierre Bourdieu, especialmente no texto que versa sobre a noção de campo (BOURDIEU, 2001), entende-se que o campo ambiental seria um sistema autônomo, composto de um espaço plural de agentes, no entanto, com acepções linguísticas específicas e mecanismos genéricos (regras). Para o autor, o campo é um espaço social de disputas para a aceitação ou a eliminação de conflitos ou um espaço de lutas por classificações entre os diferentes produtores, que podem determinar a aparição de produtos sociais relativamente independentes de suas condicionantes sociais de produção, e cujas (re)produções constituem-se como verdades cristalizadas (BOURDIEU, 1997; 2011). Buscamos, então, a partir desta base teórica, construir uma representação do campo ambiental, incluindo o subcampo ambiental, no qual localizamos a EA.

Figura 1 - Representação do campo ambiental e do subcampo em que a EA se localiza.

Fonte: adaptado de Rocha (2006, p. 59).

Obs: Apesar de estar no trabalho de Rocha (2006), o esquema (Figura 1) é de Hughes (1989), com exceção das intervenções que estão em azul, que decorrem de nossas reflexões.

Para Rocha (2006), é preciso entender primeiro que esses campos (estado, cultura, economia, parentesco/família e ecologia) estão imersos e produzidos em sociedade; e, em segundo lugar, tal qual na natureza, as sociedades humanas também se organizam, estruturando as relações sociais entre indivíduos, grupos e instituições. Isso se dá, pois o mundo social é relacional, como nos apresenta Bourdieu (1997). No entanto, a nossa preocupação é a de delinear o campo ambiental (ecológico/ecologia, como buscamos demonstrar na Figura 1), apesar de ser inevitável a articulação com outros campos. Inclusive é nessa articulação-questionamento com outros campos que o campo ambiental é sedimentado, isto é, pelo questionamento-articulação que Hughes (1989) caracteriza relacionalmente várias vertentes teóricas e políticas do movimento ecológico, entre elas, algumas mais recentes, tais como nativistas/naturalistas, ecofemenistas, ecoanarquistas, ecossocialistas. Para entender suas dimensões internas:

 O nativismo acredita na possibilidade de vida harmônica com a natureza, com questionamentos nas bases culturais do estado (repressivo) e do parentesco (o racismo/superioridade racial ou de espécies);

 O ecofeminismo desponta como movimento que procura romper com as relações de submissão da mulher, particularmente nas culturas patriarcais, que a associam a uma condição de vida inferior, à “natureza submissa”, intensificadas pelo modelo socioeconômico (o capitalismo);

 O ecossocialismo considera que a insustentabilidade socioambiental é decorrente da organização social e do modo de produção capitalista, que tornam os recursos naturais (matéria-prima) e humanos (trabalho) como bens passíveis de dominação e de exploração até a exaustão; e,

 O ecoanarquismo, que concentra suas atenções nas consequências antiecológicas do excesso de centralização governamental e no crescimento do complexo industrial armamentista, propondo a descentralização das estruturas sociais refletidas em sistemas bio-eco-regionais (ROCHA, 2006).

Articuladas ao campo ambiental, há diferentes vertentes políticas, com múltiplas formas de pensar e representar a problemática ambiental. Elas se estruturam politicamente em concepções diferentes entre si, como o pensamento do ecoanarquismo, ecossocialismo, ecofeminismo e onativismo. A EA pode ser vista como parte ou subcampo que contrabandeia os instrumentos mais reflexivos (RODRIGUES, 2009a) dos outros subcampos (e do campo ambiental) e da área educacional32. Isso porque a EA nasce no ambientalismo e no ecologismo, sobretudo o latino-americano, que para Leff (2010) teria se formado a partir de várias tradições teóricas e convergências de pensamentos, entre estes: o pensamento da complexidade (Edgar Morin), a ecologia profunda (Aarne Naes), a ecologia da mente (Gregory Bateson); o ecoanarquismo (Murray Bookchin), o ecomarxismo (James O‟Connor e Michel Lowy, atualmente), a economia ecológica (Joan Matinez Alier), a teoria de Gaia (James Lovelock) e a trama da vida (Fritjof Capra), a teoria de sistemas complexos (Ronaldo Garcia); a teoria da autopoeisis (Francisco Maturana e Humberto Varela) e citamos, ainda, a teologia da libertação (Leonardo Boff), além das teorias emancipatórias (Paulo Freire).

32 Brandão (2006) aduz que em termos culturais, a educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais

que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Ou ainda, a educação é que participa do processo de produção de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades. Ma, a área de educação refere-se à diversidade gigantesca de teorias pedagógicas (Racional-tecnológica, Neocognitivistas, Sociocríticas, Holísticas, Pós-modernas (Anexo H).

A Educação Ambiental (EA), para Leff (2010) e Layrargues (2002) foi uma das que mais propagou o pensamento ambiental, pois criou no seu cerne a mentalidade de monopólio de competência (BOURDIEU, 2001; 2009), de muitas vezes falar pelo campo ambiental, apesar das diferenças internas, como afirma Lima (2005a),

[...] o campo da EA é composto por uma pluralidade diversificada de indivíduos ou grupos sociais que dividem, enquanto membros do campo, um núcleo de valores, de normas e características comuns, embora também tenham outras características que os diferenciam entre si, que tem concepções diferenciadas sobre questão ambiental e defendem propostas pedagógicas diversas para abordar essa questão, algumas das quais se identificam primordialmente com a estabilidade e a conservação das relações sociais e das relações entre sociedade e ambiente e outras que defendem a necessidade de transformação dessas mesmas relações. Além disso, as diferenças entre as concepções e os projetos de sociedade se refletem, naturalmente, sobre as práticas educativas efetivamente desenvolvidas, e todas essas diferenças internas ao campo quanto às características dos sujeitos, às concepções que esses sujeitos têm da realidade e às ações que eles protagonizam [ou protagonizaram] na vida social disputam entre si a hegemonia do campo da EA e a possibilidade de orientá-lo de acordo com sua interpretação e seus interesses (LIMA, 2005a, p.85). [O “campo” que autor se refere é o subcampo do campo ambiental, que toma dimensões de um campo].

Essas diferenças internas no campo da EA manifestam-se de várias formas. Busca-se aqui explicitá-las, através de dois exemplos: o primeiro exemplo vem do V Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (ANPPAS), ocorrida em Florianópolis, em 2010, no Grupo de Trabalho Ambiente, Sociedade e Educação, em que as diferentes abordagens: marxiana, hermenêutica, fenomenológicas, (pós)estruturalista/(pós)colonialista e neopositivista foram apresentadas como perspectivas norteadoras de pesquisa, sendo, inclusive, temas de discussões tensas durante o evento. O segundo exemplo é a explicação dessas disputas teóricas observadas na ANPPAS, quanto às tendências e as diferenças internas que conformam a EA. Segundo Loureiro (2004a; 2006a; 2009), há duas tendências de EA: a conservadora ou comportamentalista e a crítica ou emancipatória. A EA conservadora pauta-se em EA genérica, estritamente biologizante, não denunciante da estrutura opressora, apolítica, ahistórica e contemplativa. Loureiro (2006b, p.56) sintetiza tais diferenciações (Quadro 2).

Quadro 2 - Tendências (Emancipatória e Conservadora) da EA no Brasil.

EIXOS VISÃO EMANCIPATÓRIA VISÃO COMPORTAMENTALISTA

Quanto à condição de ser natureza

Certeza de que somos seres naturais e de que nos realizamos e redefinimos culturalmente o modo de existir na natureza pela própria dinâmica societária na história da natureza.

Convicção de que houve um afastamento de nossa espécie de relações adequadas, idealmente concebidas como inerentes aos sistemas ditos naturais, sendo necessário o retorno a esta condição natural pela cópia das relações ecológicas.

Quanto à condição existencial

Entendimento de que somos constituídos por mediações múltiplas, impossíveis de serem pensadas exclusivamente em termos racionais, genéticos ou espirituais – sujeito social cuja liberdade e individualidade se definem na existência coletiva.

Sujeito definido numa individualidade abstrata, numa racionalidade livre de condicionantes sociais, cuja capacidade de mudança se centra na dimensão “interior”, minimizando ou excluindo a determinação histórica.

Quanto ao entendimento do que é educar

Educação como práxis e processo dialógico, crítico, problematizador e transformador das condições objetivas e subjetivas que formam a realidade.

Educação como processo instrumental, comportamentalista, de adequação dos sujeitos a uma natureza vista como harmônica e como processo facilitador da inserção funcional destes em uma sociedade definida sem historicidade, como um sistema preestabelecido. Quanto à finalidade do processo educativo ambiental

Busca por transformação social, o que engloba indivíduos, grupos e classes sociais, culturas e estruturas, como base para a construção democrática de “sociedades sustentáveis” e novos modos de se viver na natureza.

Busca por mudança cultural e individual como suficiente para gerar desdobramentos sobre a sociedade e como forma de aprimorar as relações sociais, tendo como parâmetro as relações vistas como naturais, sem entrar no mérito da possibilidade histórica de construir outro sistema social, adotando geralmente uma abordagem funcionalista de sociedade e organicista de ser humano.

Fonte: Loureiro (2006c, p.56).

Lima (2005a) enfatiza que a diferença (além das expressas no Quadro 2) entre a EA Crítica (EAC) ou emancipatória e Conservadora ou comportamentalista é que a EAC norteia-se pelo seguinte pressuposto: uma compreensão crítica, complexa e multidimensional da questão ambiental; uma defesa do amplo desenvolvimento das liberdades e possibilidades humanas e não humanas; uma politização e publicização da problemática socioambiental; não negar os argumentos técnico-científicos, mas subordiná- los a uma orientação ética do conhecimento, de seus meios e fins; um entendimento da democracia como pré-requisito para a conquista da cidadania, fundamental para a construção de uma sustentabilidade plural; e uma vocação transformadora dos valores e práticas contrárias ao bem-estar público (LIMA, 2005a).

vertentes internas e interfaces complexas e diferenciadas‟33 (LIMA, 2010c), que vão do

ambientalismo (apresentado por Leff) e da própria EA, que pode ser identificada por um macroconceito, descrito por Loureiro (2008, p. 69):

[...] Educação Ambiental [como] práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente. Nesse sentido, contribui para tentativa de implementação de um padrão civilizacional e societário distinto do vigente, pautado numa nova ética da relação sociedade natureza.

Por fim, o pensamento Layrargues (2009) ratifica o que Loureiro enfatiza, afirmando que a EA não é educação ecológica, porque vai para além do aprendizado sobre a estrutura e o funcionamento dos sistemas ecológicos. Abrange também, e, sobretudo, a compreensão da estrutura e funcionamento das estruturas dos sistemas sociais, que é mais complexa, pois envolve a interação material e simbólica desses dois sistemas. Portanto, faz-se contrabandeador de diversos saberes (econômicos, biológicos, antropológicos, históricos, geográficos, fisico-natutrais, sociológicos, psicológicos e não-científicos) e sua apropriação, correspondendo ao verdadeiro valor interdisciplinar e multidimensional para a compreensão da realidade socioambiental e sua macro-ordem ambiental, de relações sociais de produção e de poder34 que vivenciamos.

Essa macroceituação de EA é o que a maioria da literatura vem expondo, apesar de apresentar vertentes internas e interfaces complexas e diferenciadas, de acordo com ênfases temáticas e nuances teórico-metodológicas e grupos de interesses envolvidos (VIEGAS, 2010). Por isso, descreveremos a EA praticada pelo setor empresarial portuário, que é o cerne norteador desta pesquisa.

33 “A educação ambiental emancipatória acompanha esse movimento de complexificação e politização da

educação ambiental ao introduzir no debate ingredientes e análises sociológicas, políticas e extrações de uma sociologia da educação de teor crítico e integrador, reunindo e pondo em diálogo uma diversidade de contribuições provenientes da teoria crítica, do pensamento ecopolítico, da teoria da complexidade, do neomarxismo, da teoria do conflito, da sociologia ambiental, da teoria da sociedade de risco, da educação popular, do socialismo utópico, da versão contemporânea da teoria da sociedade civil e dos movimentos sociais, do pós-estruturalismo e pós-modernismo, do ecodesenvolvimento e de uma educação ambiental crítica, entre outros” (LIMA, 2004a, p. 93).

34 Rodrigues (2009a) aduz que práticas interventivas socioambientais da EA acontecem, na maioria das vezes,

pelos chamados “movimentos de conflitos existenciais culturais”, que seriam promover mediações sociais com a apresentação dos fenômenos e problemas socioambientais em voga, na qual se pautaria pela contaminação por um germe (pensamento) capaz de provocar no homem emergência(s) (e que retroage sobre a totalidade) (MORIN, 2008) de/para/por talvez fomentar uma práxis revolucionária e emancipatória, e assim o indivíduo apreender as contradições expressas no marco da tensão que se estabelece nas relações sociais objetivas atuais (BOURDIEU, 1997).