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Educação como instrumento de transformação social

2. Legislação brasileira e a proteção dos animais não humanos contra o

3.1 Educação como instrumento de transformação social

Neste último capítulo, em sintonia com primeiro e, em consequência do segundo, pretende-se demonstrar de que formas seria possível se fazer uma transformação cultural para criar novos valores morais que, por sua vez, reflitam em leis ou valores jurídicos normativos que visem, por fim, efetivar justiça para os animais não humanos, enfatizando-se àqueles vítimas do crime de maus-tratos.

Dentre os diversos conceitos de cultura, por ora, cabe destacar a definição contemporânea de Azevedo:

Designar-se-iam de maneira mais simples e sintética os dois aspectos integradores da cultura – tangível e intagível – dizendo-se que compreende todos os artefatos e mentefatos elaborados pelo homem, segundo certos valores, na busca de fins determinados [...] [já que não se pode conceber uma cultura que não seja orientada por um] “conjunto de princípios, vale dizer, por valores que a fundamentam, conferindo-lhe simultaneamente a necessária estruturação. [...] Dentre os mentefatos (valores) avulta o

problema constitucional – político-étnico-confessional-econômico da

aproximação das religiões e suas eventuais discrepâncias, no mundo globalizado (AZEVEDO, 2014, p. 60).

De uma forma bem abrangente, pode-se dizer que cultura é um “conjunto de crenças, mitos, saberes, instituições e práticas pelas quais uma sociedade afirma sua presença no mundo e assegura sua reprodução e sua persistência no tempo”, que abarca, ainda, “toda a realidade existencial das pessoas e comunidades de uma sociedade”, envolvendo as áreas econômica, política, religiosa e jurídica (COLL apud MEDEIROS, 2016, p. 34).

Acredita-se que a forma mais eficaz de se fazer a transformação cultural que se pretende se dá por meio da educação. Através dela que se “lapida e transforma os indivíduos e suas futuras gerações”. Como pensou Silva, a educação pode ser considerada de várias formas, por políticas públicas, como resultado da obediência às regras do direito que padroniza condutas e como espaço social com exercício da crítica para evolução moral (SILVA, 2018, p. 201-205).

A educação quando pensada sincronicamente com a moralidade possibilita exercer mudanças mais profundas nos indivíduos, transformando o padrão comportamental para ser crítico e livre de tantos preconceitos. É a busca pela emancipação das ações humanas que permite a militância de movimentos sociais com suas reivindicações, tão importantes para dar voz aos incapazes de se comunicar da mesma maneira que os humanos, os quais estão no controle das decisões (SILVA, 2018, p. 203).

É a educação que propicia a transformação nos indivíduos que participam da formação e manutenção das regras jurídicas e políticas, para que se importem não só com o bem-estar dos animais, mas em incluir, de forma direta, todos os seres sencientes e seus interesses nessas regras. Quer dizer, “é o despertar moral dos indivíduos que pode modificar as estruturas sociais e os sistemas normativos” (SILVA, 2018, p. 201-203).

As políticas públicas, por sua vez, são essenciais para que ocorram alterações na estrutura social:

Políticas educativas diversas devem existir para uma tomada de consciência a respeito dos animais humanos e do desejo de estender a eles a consideração moral e a solidariedade. Por meio do diálogo e da participação de uma parte dos humanos é que o sistema poderá oferecer direitos aos outros animais e também cobrar das instituições novas políticas e ações para o benefício de todos. Uma vez que as instituições são formadas pela vontade e pela participação de pessoas humanas, a reivindicação e a manutenção de quem são os beneficiados pelos planos de políticas públicas incumbem a essas pessoas (SILVA, 2018, p. 204-205, grifou- se).

Nesse sentido, Silva explica que, é educando que se moldam os estados mentais dos indivíduos que constroem e cultivam as instituições. Dentro da esfera pública, é dever do Estado, com investimentos em políticas públicas, regular e garantir um conteúdo ético no processo formativo, também é dever assegurar práticas educativas que exerçam papel crítico e inclusivo (interespécie), que estimulem o avanço moral (SILVA, 2018, p. 206).

A educação é também considerada uma forma de esclarecimento. Esclarece ao possibilitar informações ao educando, tanto dados históricos e sociais como o diagnóstico do contexto atual no qual está inserido. Inclusive, a democracia (sendo o caso do Brasil) exige essa emancipação crítica através da educação (ADORNO apud SILVA, 2018, p. 208-209).

Silva salienta que a emancipação é pensada em referência ao texto de Kant sobre o esclarecimento e a menoridade, já citado neste estudo no primeiro capítulo. O esclarecimento está indispensavelmente vinculado à capacidade crítica do indivíduo, competência racional de formular argumentos à luz do contexto em que vive (SILVA, 2018, p. 210).

Salienta-se que com o advento da Lei de Crimes Ambientais, promulgou-se um ano depois a Lei nº 9.795/99, a qual instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental. Essa lei reconhece que todos têm direito à educação ambiental como parte do processo educacional nacional, tendo entre suas características: “valores sociais, habilidades, processo de cognição, atitudes e competências construídas pelos indivíduos inseridos na coletividade, voltados para a conservação do meio ambiente” (RODRIGUES; DERANI, 2011, p. 13).

A lei supramencionada foi criada para regulamentar o art. 225 da Constituição Federal, que em seu artigo 1º, inciso VI, dispõe que incumbe ao Poder Público “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Desta forma, estabelece que “a educação ambiental é um componente essencial e permanente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal”. Sendo que “entendem-se por educação ambiental não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente”. (BRASIL, Lei nº 9.795/99).

Contudo, a educação ambiental tal como se dá atualmente nas escolas não tem sido suficiente para mudar os rumos da degradação ambiental do planeta, mas ainda assim é uma das condições necessárias (RODRIGUES; DERANI, 2011, p. 15).

Sendo assim, infere-se que a educação pública nas escolas tem que oferecer espaços de diálogos, que propiciem a educação moral. É necessário “desaprender” o antropocentrismo radical e ensinar novos valores visando a aproximação com conteúdo de questões éticas animal e ambiental. Igualmente, as instituições de ensino superior, sejam públicas ou privadas, precisam oferecer espaços de diálogos

que propiciem o debate sobre questões morais. Sem dúvidas, é preciso se dar maior espaço para debate e visibilidade do Direito Ambiental e do Direito Animal.

Conforme se discutiu no segundo capítulo, não existe uma legislação própria discorrendo apenas sobre direitos animais e estes estão sempre atrelados ou inseridos na legislação que se refere ao meio ambiente. Essa questão deve ser levada em consideração ao passo que o Direito Animal é um ramo independente e autônomo do Direito Ambiental, portanto, precisa ser enxergado como tal. Ao mesmo tempo, os dois ramos e suas matérias precisam ser mais valorizados pela doutrina jurídica e pelas universidades brasileiras. Muitas vezes a matéria de “Direitos Animais” não existe nas faculdades de Direito, ainda, quando existe, é matéria “optativa”, não sendo considerada tão “importante” quanto as disciplinas “obrigatórias”.

Para uma verdadeira revolução cultural não bastam somente leis de proteção animal e ambiental. “De nada vai servir o formoso discurso da preservação dos recursos naturais e da solidariedade entre cidadãos do planeta, se as pessoas não estiverem contagiadas de sentimentos de mudança, colaboração e afetividade” (RODRIGUES; DERANI, 2011, p. 136).

Apesar disso, por trás de cada lei que trate especificamente da questão ambiental ou animal, na verdade, existe uma luta de anos pelos defensores desses movimentos, visando também um fim no campo da educação. Há a preocupação civilizatória frente aos governos e empresários que, em suas ações, costumam ignorar os custos que a natureza tem de suportar. Embora todas as críticas e limitações da legislação, isso não invalida reconhecer a importância da existência de algum tipo de proteção no ordenamento pátrio. Sendo assim, tem-se em mente que a legislação é apenas uma porta de entrada para outras alternativas de se pensar a questão animal e ambiental muito além da (também importante) defesa da natureza, mas as alternativas vão além para “se questionar sobre a nossa própria condição de vida no planeta e como contribuímos no agravamento da crise ou na procura de soluções” (RODRIGUES; DERANI, 2011, p. 154).