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CAPÍTULO I O Educador e a Dimensão Curricular na Educação de Infância

3. Educação de Infância: Documentos oficiais de referência

“[...] a Educação Pré-Escolar é muito mais do que uma preparação para a escolaridade obrigatória”

(Moreira & Oliveira, 2003, p. 23). A educação de infância tem sido historicamente perspetivada tendo por base a imagem social atribuída à criança. Como refere Cardona (1997), “a imagem de criança é sempre a imagem elaborada por um adulto e uma sociedade que se projetam na criança, uma criança que procura identificar-se com o modelo criado por esta projeção”. O mesmo será referir que a imagem da criança, e, consequentemente, a importância da educação de infância, revela-se ao longo dos tempos através da posição educativa adotada, que, claramente, evidencia também o contexto histórico, político e social na qual cada conceção é formada.

Até 1997 a educação de infância não tinha grande destaque na legislação portuguesa. A única referência à educação pré-escolar encontrava-se no artigo 4.º da Lei

de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), onde se considerava

que esta era parte integrante do sistema educativo e que a sua ação era complementar da ação educativa da família, e no artigo 5.º, que fazia essencialmente referência aos seus objetivos. Em relação aos aspetos curriculares pouco era referido (Serra, 2004).

A grande afirmação da educação pré-escolar ocorreu com a publicação da Lei- Quadro da Educação Pré-escolar e das OCEPE, que trouxeram maior visibilidade à educação pré-escolar, uma vez que esta não disponha de um quadro legislativo próprio.

Hodiernamente, a educação pré-escolar é considerada uma etapa fundamental para o subsequente sucesso pessoal e social das crianças. Se é importante que as crianças frequentem o jardim de infância é porque estão subjacentes objetivos que desenvolvem competências e habilidades, atitudes e valores que promovem o sucesso escolar nas fases seguintes e, futuramente, a inserção harmoniosa da criança na sociedade (Formosinho, 2013).

Tendo em conta o princípio geral da Lei-Quadro da Educação Pré-escolar, a educação pré-escolar passa, assim, a ser considerada formalmente “a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação” (ME, 1997, p. 15). O princípio faz, ainda, referência à promoção de um ambiente educativo que permita o desenvolvimento global e harmonioso da criança, tendo em vista a sua integração plena na sociedade como sujeito autónomo, livre e responsável (Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro).

Deste documento é também importante realçar os objetivos gerais pedagógicos definidos para este sector educativo: “promover o desenvolvimento social da criança com base em experiências de vida democrática numa perspectiva de educação para a cidadania”; “fomentar a inserção da criança em grupos sociais diversos, no respeito pela pluralidade das culturas, favorecendo uma progressiva consciência do seu papel como membro da sociedade”; “contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o sucesso da aprendizagem”; “estimular o desenvolvimento global de cada criança, no respeito pelas suas características individuais, incutindo comportamentos que favoreçam aprendizagens significativas e diversificadas”; “desenvolver a expressão e a comunicação através da utilização de linguagens múltiplas como meios de relação, de informação, de sensibilização estética e de compreensão do mundo”; “despertar a curiosidade e o pensamento crítico”; “proporcionar a cada criança condições de bem- estar e de segurança, designadamente no âmbito da saúde individual e colectiva”; “proceder à despistagem de inadaptações, deficiências e precocidades, promovendo a melhor orientação e encaminhamento da criança”; “incentivar a participação das famílias no processo educativo e estabelecer relações de efectiva colaboração com a comunidade” (Lei n.º 5/97, de 10 de feveriero).

Este conjunto de objetivos é muito importante se for considerado pelo educador como um suporte para a orientação das suas práticas pedagógicas, não como algo pelo

qual deve estruturar rigidamente a sua ação e que o ajuda a direcioná-la para um ensino formal vocacionado para os conteúdos (Moreira & Oliveira, 2003).

Para reforçar o caráter educativo e de certa forma singular da educação pré- escolar – não na tentativa de uniformizar, mas sim para permitir o acesso a todos os educadores a “uma matriz curricular de referência” (Ludovico, 2007, p. 15) -, que contribua para uma educação de infância de qualidade, foram construídas as OCEPE.

Como a própria designação indica, este documento curricular não deve ser encarado como um pseudo-programa, que limita a liberdade do educador, mas sim como um conjunto de linhas orientadoras importantes para fundamentar as práticas pedagógicas, ajudando o educador a organizar, planificar e a avaliar o percurso educativo que pretende desenvolver (Silva, 1996). Neste sentido, as OCEPE adotam “uma perspetiva mais centrada em indicações para o educador do que na previsão das aprendizagens a realizar pelas crianças” (Silva, 1997, p. 130), podendo, desta forma, “fundamentar diversas opções educativas e, portanto, vários currículos” (ME, 1997, p. 13).

Depois de clarificar o conceito de orientações curriculares, surge a necessidade de pensar sobre as principais funções deste documento. Em relação a esta questão, utilizando as palavras de Vasconcelos (2000), surgem seis razões que fundamentam a sua utilidade:

1) sistematizar a ação educativa; 2) servir de referencial para a prática educativa, na relação com o modelo que a fundamenta; 3) tornar visível o rosto da educação pré-escolar e dos seus agentes; 4) facilitar a continuidade educativa; 5) melhorar a qualidade da educação pré-escolar e 6) proporcionar uma dinâmica de inovação (p. 33).

Para compreender realmente o documento é também importante que o educador esteja a par dos quatro pressupostos que serviram de base para a construção das OCEPE, que devem estar interligados ao perspetivar a sua prática: o desenvolvimento e a aprendizagem são conceitos que não podem ser encarados separadamente; a criança é um sujeito ativo e importante no processo educativo; os conhecimentos prévios das crianças devem ser o ponto de partida para as novas aprendizagens; o saber deve ser construído de forma global e integrada, pelo que as áreas de conteúdo1 não devem ser

1“Área” é um termo utilizado na educação pré-escolar para “designar formas de pensar e de organizar a

intervenção do educador e as experiências proporcionadas às crianças” (ME, 1997, p. 47). As áreas de conteúdo dividem-se em termos de aprendizagem: área de formação pessoal e social; área de expressão e

vistas como compartimentos vedados e isolados, que conduzem à escolarização ou à implementação de “modelos redutores de ensino-aprendizagem” (Silva, 1998, p. 135); e o contexto deve dar resposta a todas as crianças, exigindo uma pedagogia diferenciada e de cooperação, onde todos aprendem, mas também ensinam (ME, 2000).

Com base nas OCEPE, foram construídas as Metas de Aprendizagem (MA). Este documento está organizado segundo as áreas de conteúdo definidas no diploma oficial de referência e indica em cada uma delas as aprendizagens que as crianças deverão realizar até ao final da educação pré-escolar, tendo em vista o sucesso escolar na fase seguinte.

O estabelecimento de metas finais para a educação pré-escolar deve ser encarado pelos educadores não como algo que limita as experiências de aprendizagens em contexto de jardim de infância, mas, sim, como um referencial comum útil para a implementação de estratégias que visem a realização das aprendizagens estabelecidas por parte das crianças e a articulação com o 1º. Ciclo do Ensino Básico (CEB) (ME, 2010).