• Nenhum resultado encontrado

A educação escolar bilíngue de surdos de acordo com o Ministério da Educação

CAPÍTULO II A EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS EM DIFERENTES

2.1 A educação escolar bilíngue de surdos de acordo com o Ministério da Educação

Bilíngue no Brasil, na atualidade, a partir de estudos sobre os documentos que tratam de políticas educacionais e linguísticas para surdos. Elas perceberam uma recorrência no uso dos mesmos argumentos para a afirmação de diferentes verdades, em conformidade com a perspectiva de cada segmento: do MEC e do Movimento Surdo.

A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2007) e o Decreto 5.626/2005 são os documentos mais utilizados como argumentos em defesa da Educação Bilíngue para surdos. Segundo Stürmer; Thoma (2015), os discursos que circulam nos documentos do MEC, quando se remetem à Convenção, afirmam genericamente o direito de todos à educação inclusiva.

Verificou-se que os discursos produzidos no MEC procuram dar visibilidade à educação na escola comum como direito fundamental de todos, ou seja, a escola comum é vista como um espaço onde todos devem estar juntos e no qual as diferenças devem ser respeitadas e valorizadas. Entretanto, quando se trata de oferecer educação de qualidade a todos, isso não pode significar oferecer a mesma educação para todos.

As afirmações e interpretações de alguns documentos do MEC, que orientam e normatizam a educação de surdos, não contemplam as necessidades desses sujeitos, que lutam pela educação nas Escolas Bilíngues de Surdos.

Observa-se que as escolas comuns privilegiam a Língua Portuguesa, assim como analisa Müller et. al. (2013, p.4):

No intercâmbio linguístico e cultural entre Libras e Língua Portuguesa, as línguas geralmente não ocupam status de igualdade no uso em práticas discursivas; geralmente, a língua de sinais assume o papel de facilitador e de recurso de transição para o ensino que se processa principalmente em Língua Portuguesa, em uma intenção comunicativa com base no português

19 As produções feitas no campo da educação de surdos têm contribuído para a ruptura com a concepção de

sinalizado; isto é, nesse hipotético equilíbrio entre duas línguas, poderíamos afirmar a existência de uma prática escolar pseudobilíngue.

Concorda-se com as autoras quando afirmam que há um caráter de supremacia da Língua Portuguesa em relação à Libras nas organizações curriculares das escolas, quando o ensino aos surdos em turmas comuns acontece em Língua Portuguesa. As aulas são ministradas por professores ouvintes, na Língua Portuguesa oral/auditiva, com recursos didáticos que também contemplam apenas a Língua Portuguesa escrita. A Libras é utilizada exclusivamente pelo intérprete, para traduzir a aula aos estudantes surdos.

Percebe-se, ainda, a tentativa equivocada de ensinar português aos surdos sem se observar diferenças metodológicas no ensino do idioma como L1 ou L2, muitas vezes ainda em uma perspectiva normativa e, o que é pior, sem considerar aspectos culturais surdos.

Em se tratando de proposta educacional para a educação de surdos, Müller et. al. (2013) analisam o material de orientação “A Abordagem Bilíngue na Escolarização de Pessoas com Surdez” (BRASIL, 2010), desenvolvido pelo MEC. Nas orientações há a produção de um discurso sobre a Educação Bilíngue para surdos, propondo a matrícula dos mesmos na escola comum e no AEE. Entretanto, embora se afirme que o surdo aprenderá as duas línguas, as condições para tal não garantem uma Educação Bilíngue, porque as práticas não contemplam duas línguas em uso.

Sá; Sá (2015) enfatizam que a presença de intérpretes de Libras na escola propicia que os professores não tenham que ser obrigatoriamente fluentes na Língua de Sinais, e que os estudantes surdos recebam a informação por via indireta da tradução/interpretação. No entanto, a presença do intérprete de Libras não é a condição básica para efetivar a Educação Bilíngue, nem mesmo é ele que faz um ambiente educacional se tornar bilíngue. “Um ambiente educacional bilíngue de surdos demanda que o estudante surdo receba a comunicação do professor preferencialmente pela via direta, tendo esta língua como língua de instrução”. (SÁ; SÁ, 2015, p. 27).

Verificou-se que os enunciados que fundamentam a Educação Bilíngue implementada pelo MEC constituem um discurso que pode ser chamado de pseudobilinguismo, pois não orienta devidamente para uma proposta bilíngue para surdos no espaço escolar.

Com relação aos programas e ações desenvolvidos pelo Governo Federal e pelo Ministério da Educação, em parceria com os sistemas de ensino estadual e municipais, como tentativa de implantação da Educação Bilíngue para surdos, em esfera nacional, o professor pesquisador surdo Amorim (2015) apresenta em sua dissertação:

a) Formação Inicial de Professores em Letras/Libras (cursos presenciais e a distância), com o objetivo de promover a formação de docentes para o ensino da Libras;

b) Formação inicial de professores em curso de Pedagogia Bilíngue Libras/Língua Portuguesa – criada, em 2005, no Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES/RJ, na modalidade presencial, cuja matrícula é para estudantes surdos e ouvintes;

c) Programa Nacional para a Certificação de Proficiência no uso e Ensino da Libras e para a Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa - Prolibras;

d) Oferta de Cursos de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, por meio da Universidade Aberta do Brasil;

e) Fundação, em 2005, dos Centros de Formação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez - CAS, em parceria com as Secretarias de Educação dos Estados, Distrito Federal e Municípios;

f) Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais para a oferta de AEE aos estudantes público-alvo da Educação Especial;

g) Disponibilização de Livros Didáticos e Paradidáticos em Libras (de alfabetização e para os anos iniciais do Ensino Fundamental – Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e História), no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD;

h) Disponibilização de Dicionários e Livros de Literatura bilíngue, Língua Portuguesa/LIBRAS, por meio do Programa Nacional da Biblioteca Escolar - PNBE.

Percebe-se que houve uma intenção de se estabelecer no país uma política nacional de inclusão educacional destinada aos surdos. Entretanto, a pesquisa de Amorim (2015) afirma que as salas mistas, de alunos ouvintes com alunos surdos, não conseguem oferecer a esse grupo de pessoas todas as condições necessárias para seu aprendizado e, consequentemente, sucesso escolar.

Não basta, no entanto, se criar o material acessível. É preciso a garantia de um espaço acadêmico que os utilize, no caso, potencializando a criação de escolas e/ou classes bilíngues para que estes materiais tenham seus objetivos atingidos. (AMORIM, 2015, p.52).

Mediante a falácia do direito à inclusão e da escola para todos, o conhecimento e a efetiva aprendizagem estão sendo deixados de lado. Preocupa-se em incluir, em colocá-los na escola comum, sem a garantia de uma aprendizagem efetiva. Com isso, cria-se mais do que um aprendiz incapaz: “afeta sua formação como pessoa, as referências que pode assumir para

sua identidade, as imagens que constrói de si como Surdo, as projeções que faz de si como cidadão”. (LACERDA, 2000, p.7).

Os professores, sem formação específica para atender à educação de surdos, não conseguem se comunicar em Libras, ministrar os conteúdos de forma adequada, ou mesmo avaliar a aprendizagem. Não compreendem a experiência visual que os caracteriza e, mesmo se o fizessem, teriam dificuldades para utilizar recursos didáticos20 que explorem os aspectos visuais, associando a imagem com o conceito em Libras. Os surdos recebem as informações por via indireta da tradução/interpretação, com a presença dos intérpretes de Libras.

Amorim (2015, p.50) enfatiza que:

[...] a prática pedagógica também fica comprometida pelas dificuldades comunicativas entre professor ouvinte e aluno surdo, mesmo que os educadores utilizem vários recursos para estabelecer uma ação dialógica, nem sempre conseguem fazer essa interação de maneira eficiente, pois falta o domínio da língua de sinais. Além disso, há uma carência de uma metodologia e materiais didáticos, referências bibliográficas, profissionais qualificados para o trabalho com aluno surdo, comprometendo, desta maneira, o ensino e a aprendizagem deste aluno, situação destacada por Lacerda, (1996), que continua sendo atual há mais de uma década e meia após sua pesquisa.

Desse modo, os surdos não necessitam prioritariamente de “aceitação” social ou educacional – necessitam da competência técnico-profissional que lhes garanta sucesso educacional e inclusão social plena – o que pode vir a acontecer mediante participação em um processo educacional significativo, preferencialmente em ambiente linguístico “natural”. (SÁ; SÁ, 2015).

Segundo Skliar (1998, p.47):

O fracasso na educação dos surdos, com seus múltiplos e variados sintomas, constituiu e constitui ainda hoje motivo para dois tipos de justificativas igualmente inapropriados: por um lado, que os surdos são os responsáveis diretos por esse fracasso – fracasso, pois, da surdez, dos dons biológicos naturais –; por outro, que se trata de uma dificuldade metodológica, o que fortalece a necessidade de purificar e sistematizar ainda mais os métodos.

Segundo o autor, nesses dois tipos de justificativas mencionadas, procurou-se evitar qualquer denúncia relativa ao fracasso da escola e/ou das políticas educacionais e/ou do Estado. Todavia, na educação dos surdos, os surdos não fracassaram; fracassaram os ouvintes

20 As escolas, em sua maioria, estão sucateadas e não possibilitam a utilização de recursos didático-pedagógicos

que nela trabalham. Tem-se o problema dos poderes e saberes dos ouvintes em torno das modalidades de comunicação e de linguagem que consideram adequadas para os surdos.

Na pedagogia dos ouvintes, o ensino predominante é em português, o qual pode ser oral ou escrito. Os textos são todos em português. As experiências são predominantemente auditivas. Contém uma pedagogia para a identidade ouvinte e um currículo que, segundo Silva (2000a), converge para a formação da identidade que tem no ouvinte o modelo, sendo próprio para ouvintes. (MIRANDA; PERLIN, 2011, p.106).

Observa-se que os surdos têm sido pressionados a se matricularem na escola comum, onde ocorre a pedagogia dos ouvintes citada, como algo natural e inevitável, até mesmo pela inexistência, na maioria das cidades brasileiras, das classes e Escolas Bilíngues de Surdos.

As políticas são emanadas de órgãos centralizadores do poder e nem sempre as equipes que têm a atribuição de criá-las compreendem a questão na amplitude da perspectiva dos grupos aos quais as determinações se destinam. (SÁ; SÁ, 2015, p.29).

Não se têm considerado os estudos da área e as reivindicações da comunidade surda. Omite-se que há várias propostas adequadas para chegar mais eficientemente à potencialização do surdo como um sujeito bilíngue, não apenas uma proposta – a matrícula em escola comum. Exigir que os estudantes surdos frequentem essa escola, sem a escolha por classes ou Escolas Bilíngues, é oprimi-los para que aceitem o modelo ouvinte.

Para além da discussão proposta, concorda-se com Skliar (2013) quando o mesmo aponta que o foco da análise sobre a Educação Bilíngue para surdo deve se deslocar dos espaços escolares, das descrições formais e metodológicas, para localizar-se nos mecanismos e nas relações de poder e conhecimento, situados dentro e fora da proposta pedagógica. Possibilitam, então, reflexões sobre questões como:

[...] as obrigações do Estado para com a educação da comunidade surda, as políticas de significação dos ouvintes sobre os surdos, o amordaçamento da cultura surda, os mecanismos de controle através dos quais se obscurecem as diferenças, o processo pelo qual se constituem – e ao mesmo tempo se negam – as múltiplas identidades surdas, a “ouvintização” do currículo escolar, a separação entre escola de surdos e comunidade surda, a burocratização da língua de sinais dentro do espaço escolar, a onipresença da língua oficial na sua modalidade oral e/ou escrita, a necessidade de uma profunda reformulação nos projetos de formação de professores (surdos e ouvintes) etc. (SKLIAR, 2013, p.8).

Afirma ainda, que a Educação Bilíngue não pode ser assimilada à escolarização bilíngue, isto é, não se deve justificar somente como ideário pedagógico a ser desenvolvido

dentro das escolas. É necessária uma política de Educação Bilíngue, de práticas e significações que precisam ser pensadas nos diferentes contextos históricos e culturais.

O bilinguismo não pode ser reduzido a mais um conjunto de métodos e técnicas de ensino usados em sala de aula para ensinar os alunos. Lopes (2007) acredita que os investimentos necessários para a implementação do bilinguismo ultrapassam o ensino da língua de sinais para os professores e as famílias dos alunos surdos; ultrapassam também a conquista de uma escola para os surdos; enfim, vão além da garantia de a primeira língua ser a de sinais, para se concentrar na mudança do olhar de surdos e de ouvintes sobre os surdos. Esse precisa ser o maior desafio dentro da corrente do bilinguismo, pois, “na história da surdez e dos surdos, fomos ensinados a olhá-los e a narrá-los a partir de saberes clínicos e terapêuticos que os posicionavam como sujeitos menores, incapazes e deficientes”. (LOPES, 2007, p.65).

Criam-se verdades em que novos e velhos conceitos vão produzindo práticas e efeitos na escolarização dos alunos surdos. Nesse sentido, a Educação Bilíngue para surdos situa-se não apenas no campo linguístico ou sociocultural, mas principalmente político.

‘De cima’ vêm as políticas públicas, de ‘baixo’ se estabelecem as resistências – assim se estabelece o movimento que expõe o poder de configurar marcos regulatórios, os quais alteram o cotidiano, configurando e reconfigurando a realidade. (SÁ; SÁ, 2015, p.39).

Lopes (2007) defende que “os surdos devem ser vistos a partir de outras lentes que não as da educação especial, nem as do simples enquadramento linguístico do surdo.” (p.70). Nessa perspectiva, o Movimento Surdo luta em prol de uma Educação Bilíngue para surdos que contemple todos os direitos e demandas desse grupo, o que será discutido na seção 2.2.