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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 1 – O dinamismo da ação pedagógica: Energia vinculativa entre Currículo e

1.5. Estratégias de Intervenção Educativa

1.4.4. Educação Experimental

O conhecimento do mundo e da natureza é fulcral para a formação de uma criança que, naturalmente, apresenta uma postura experimental em relação a tudo aquilo que a rodeia, isto porque as crianças aprendem em grande parte através do contacto com a natureza e através da sua postura experimental relativamente àquilo que lhe é externo. A criança conhece o seu próprio corpo através da exploração, conhece a sua família através da sua experiência, explora o mundo através da experimentação dos elementos da natureza, tocando em animais, colhendo flores, observando as nuvens. Na verdade, é natural para a criança que sinta curiosidade acerca do meio em que se insere e esta mesma curiosidade constitui o alicerce principal para que se sinta motivada a aprender.

Atualmente, proferem-se várias ideias acerca da importância do ensino experimental das ciências na escola, dando-se relevo à necessidade de se realizar em contexto educativo experimentos e atividades experimentais que vêm sustentar as aprendizagens e os conteúdos programáticos previstos para um determinado grupo de

crianças, sendo que estes conhecimentos científicos que têm de fazer parte do conhecimento da criança em uma dada altura do seu percurso escolar, assentam em dois pressupostos. Segundo Pereira (2002), o primeiro pressuposto assenta no facto de que todos os fenómenos que ocorrem na natureza regem-se por padrões coerentes, que se tornam compreensíveis à criança através de um estudo cuidado. O segundo pressuposto científico é meramente a crença de que a criança consegue descobrir padrões na natureza que observa, através do seu próprio intelecto, com o auxílio de instrumentos e registos que vêm prolongar os seus sentidos. Pereira (2002) refere mesmo que a ciência tem como finalidade explicar o mundo (p.19).

Segundo Aikenhead (2009), citando Ogawa (1998), Smolicz & Nunan (1975) & Ziman (1984), existem vários valores que formam a ideologia do «Cientismo», identificando cinco formas desta ideologia no contexto escolar: desde o realismo ingénuo, o empirismo bem-sucedido, o experimentalismo crédulo, o idealismo cego, até ao racionalismo excessivo, todas elas, de uma forma mais ou menos precisa, fazem referência à análise da natureza como algo potenciador do conhecimento.

Assim sendo, a criança terá, desde tenra idade, que aprender as bases do método científico que regulam toda a criação científica e que, no fundo, são a sua real essência exploratória do mundo. A formulação e o teste de hipóteses é algo que esta já faz de uma forma implícita quando algo desperta o seu interesse, que vai motivar a sua procura por informações e dados, bem como observações acerca de um fenómeno. Na sua exploração relativamente ao facto que a intriga, a criança vai, de uma forma menos formal, validar hipóteses, discutir intrinsecamente os resultados e tirar as suas próprias conclusões. Todo este processo ocorre no cérebro da criança de uma forma quase espontânea, despoletando as suas aprendizagens mais significativas, ao mesmo tempo que vai construindo o seu conhecimento de uma forma mais segura, porque foi vivenciada. Ora, esta é a base do ensino experimental das ciências na escola, mas não só em idade escolar. As crianças podem, naturalmente, fazer este tipo de exploração ainda em idade pré-escolar.

Em décadas anteriores, numa lógica de ensino mais tradicional, as ciências experimentais constituíam uma grande preocupação do sistema educativo no sentido de educar cientificamente as crianças com o objetivo específico de alicerçar as bases de futuros cientistas. Tal como refere Pereira (2002), esta abordagem visava a conceção da educação científica através de factos, conceitos predefinidos e a supremacia de teorias científicas, sendo que estes elementos eram objeto de aprendizagem de forma descontextualizada, sem ligação a situações de uso e sem articulação entre teoria e

prática científica (p. 29). Aos poucos vai-se constatando que o ensino das ciências deve ser um ensino mais experimental e experiencial, ao mesmo tempo que se verifica que as sociedades atuais são cada vez mais dependentes da ciência e da tecnologia, e que a educação universal deve incorporar o ensino científico independentemente das opções profissionais futuras das crianças.

Segundo explica Pereira (2002), existem cada vez mais razões que sustentam a educação na perspetiva da literacia científica, tais como razões económicas e políticas, razões sociais e, claro, razões humanistas. Assim, é importante que a criança entenda conceitos científicos que são indispensáveis à compreensão do mundo natural e que desenvolva a sua capacidade de desenvolvimento, interpretação, aquisição e ação em função da experimentação. É importante salientar que este ensino experimental do meio não surge com a pretensão que as crianças, na sua infância, utilizem ferramentas matemáticas complexas para a aquisição precoce de conhecimentos científicos estruturados e formais. Não se trata, pois, da utilização de vocabulário sofisticado, mas sim, tal como refere a autora, da compreensão real da natureza. A verdade é que tudo aquilo que não se pretende é a hiperespecialização, tal como assinala Morin (1999), que apenas dissolve e fragmenta o pensamento e o conhecimento, numa perspetiva de disjunção e de especialização desnecessária. O mesmo autor refere que é necessário que a criança compreenda que a Terra não é tão lógica quanto se lhe faz parecer, ou seja, o professor nunca deveria ensinar a ciência como uma área absoluta e incapaz de ser alterada (por exemplo, ao contrário de se incitar na criança pensamentos como: «Os animais herbívoros comem erva, porque sim e ponto final», a questão que deveria ser colocada pela criança é: «Mas porque é que os animais herbívoros comem erva?»). Ao ter este tipo de atitudes, estar-se-ia a anular o pensamento crítico da criança.

Para uma educação experimental, o docente deve mediar a exploração das crianças desde a descrição à explicação, desde o simples ao complexo, desde das pequenas às grandes ideias, de forma a sustentar o conhecimento com aquilo que a criança conhece a priori. Pereira (2002), atreve-se mesmo a afirmar que hoje [é] consensual afirmar que as crianças não aprendem as ideias e os conceitos científicos apenas porque o professor os expõe, ainda que tal possa ser feito de uma forma organizada e atraente (p. 71). Na verdade, existe uma certa unanimidade relativamente à consideração de que a aprendizagem ocorre através de processos psicológicos e sociológicos de caráter construtivista. Esta é, de facto, uma área transversal a todos os saberes da criança, que a

permite analisar, explorar e experimentar não só o seu corpo como tudo à sua volta, problematizando sobre o real.

Morin (1999), defende que o conhecimento dos problemas-chave do mundo, das informações-chave respeitantes a este mundo, por aleatório e difícil que seja, deve ser experimentado sob pena de enfermidade cognitiva (p. 39), assim, a ideia de que é possível a criança aprender apenas através de meros esquemas representativos e ou diagrama cai por terra. Morin (1999), explica, ainda, que há uma necessidade neurológica por parte do cérebro da criança de situar e contextualizar dados e informações para que estes possam fazer sentido, ou seja, é necessário que haja uma experimentação do real por parte da criança, isto porque o planeta Terra é mais do que um contexto: é um todo ao mesmo tempo organizador e desorganizador do qual somos parte (Morin, 1999, P.41).

Note-se que a educação científica e experimental não diz somente respeito à componente curricular de estudo do meio (que engloba o ensino experimental das ciências). A educação experimental é toda uma forma de ver o mundo por parte da criança, que abarca as mais variadas áreas do saber, desde a língua ao estudo do meio, passando, naturalmente, pela matemática. Apostar na educação experimental é contribuir para a compreensão de que o erro faz parte da aprendizagem em qualquer disciplina de conteúdo. A criança, através da tentativa, do teste de hipóteses e do erro, vai construir um saber global e integrado.

A ciência não é apenas um corpo de conhecimentos. A ciência é uma forma de interpretar e explicar o mundo, diferente da religião, da arte ou do senso comum. Por essa razão, a ciência é caracterizada por formas de trabalhar (práticas científicas) e de pensar (raciocínio científico) características, que obedecem a determinadas condições de validade. Mais do que um conjunto de conhecimento, a ciência é um modo de pensar e fazer. Introduzir os alunos em práticas científicas e esquemas de raciocínio apropriados deverá, pois, ser uma das principais finalidades da educação em ciências. É por isso que todos os relatórios e recomendações internacionais para o ensino das ciências incluem as práticas científicas como centrais à educação em ciência.

PARTE II – ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO