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3. O palco dos sonhos – O ponto de partida

4.1 Educação Física: acerca da evolução de um pensamento

experiências, umas vezes de forma mais consciente, outras menos, faz parte da nossa existência. Enquanto apaixonado pelo desporto, o processo de reflexão e questionamento acerca das várias formas de o abordar, seja na escola, nas aulas de Educação Física, ou nos treinos (no meu caso de futebol) sempre me acompanhou. Paralelamente, a abordagem e a forma como os professores e o público em geral olha e olhava para a Educação Física sempre foi do meu interesse.

Enquanto aluno, no ensino básico, olhava para a Educação Física como uma forma de divertimento, onde praticávamos algumas modalidades de uma forma mais lúdica. No entanto, o facto de esta disciplina apenas ter chegado à escola quando eu frequentava o 4º ano de escolaridade, influenciou na forma como olhei para ela, pois, para além de já praticar desporto federado há 5 anos, também fazia bastantes atividades desportivas no meu terraço, jogos esses que viria a fazer nas aulas. Com a mudança de ciclo e consequentemente de escola, a minha opinião acerca desta disciplina foi mudando devido aos diferentes professores e às várias formas de abordar a Educação Física. No 3º ciclo a perceção que tinha é que os professores tinham como objetivo aumentar os nossos níveis de condição física, pois era isso que nos era passado através das aulas - muito físicas e com mais incidência nessa temática. No ensino secundário tinha grandes expectativas para aprender mais sobre as várias modalidades desportivas, pois não era isso que tinha acontecido nos anos anteriores. No entanto, nos 10º e 11º anos de escolaridade fiquei tremendamente desiludido e desmotivado com a disciplina de Educação Física. O desinteresse por parte da professora e o constante desleixo, resultou em aulas monótonas, desinteressantes e aborrecidas. A justificação para tal residia no facto de a professora estar à espera da reforma, algo que vemos muito atualmente, uma classe envelhecida, sem paciência para os alunos e sem vontade de ensinar coisas novas. No 12º ano de escolaridade, o paradigma mudou completamente. A mudança de professora, trouxe uma maior motivação por parte dos alunos, pois as aulas eram interessantes e competitivas. Esta nova experiência foi algo

que me fez voltar a querer estar nas aulas e que me fez ver a professora como um exemplo. Em síntese, admito que as vivências por que passei enquanto aluno não foram as melhores nem as mais interessantes, deixando-me por vezes desiludido e desmotivado. Contudo, a paixão pelo desporto fez-me ingressar na faculdade e, como estudante, todas as experiências desportivas foram ricas e muito interessantes. A partir do momento em que houve a mudança de aluno para estudante, houve também uma grande mudança de visão em relação ao desporto e à Educação Física. Esta renovação do pensamento teve o seu culminar neste ano de estágio. Todas as experiências práticas como estudante e estudante estagiário, todas as conversas, aulas e ensinamentos dos vários professores, fizeram com que a minha conceção acerca do ensino da Educação Física se fosse alterando. Ao longo deste conjunto de vivências, a identidade do profissional da educação constitui um processo longo e complexo em regras, valores e códigos provenientes do próprio grupo profissional, não obstante desta construção ser um caminho próprio, de acordo com a realidade que encontra (Cunha, 2008).

Para a construção de uma identidade como professor que ainda agora início, conto com as influências da literatura, com as várias experiências que vou tendo, com os feedbacks dos meus alunos e, acima de tudo, com as influências das pessoas que me rodeiam. De acordo com Pimenta (2008), os saberes da docência prendem-se com a experiência, o conhecimento e os saberes pedagógicos, uma vez que funcionam como colaboradores na construção da identidade do professor. Eu acrescentaria que, neste Estágio Profissional, a professora cooperante tem uma elevada importância como colaboradora na construção da identidade do professor. Foi a professora cooperante que me mostrou a importância de centrar o ensino no aluno e todas as vantagens que este tipo de ensino tem. Embora na nossa formação esta questão tenha sido bastante vincada, faltava a componente prática, a componente da aplicação, e a professora cooperante foi uma peça fundamental para este processo, tal como escrevi no diário de bordo:

muito importante para mim e para os alunos. Para mim, porque fiquei com uma ideia totalmente diferente daquilo que tinha acerca destes projetos. Depois deste projeto, fiquei com bastante vontade de dar mais autonomia e liberdade aos alunos, pois sei que eles vão sempre surpreender-nos e aprender muito mais com estes métodos. Para os alunos, porque saíram da “caixa”. Enfrentaram alguns medos como o palco, trabalharam em grupo, no seio do qual tiveram bastantes discussões e isso também é positivo e traz aprendizagens para todos eles e, acima de tudo, aprenderam mais sobre ginástica rítmica e sobre como trabalhar em grupo do que aquilo que poderiam aprender se esta modalidade fosse abordada da forma tradicional.”

(Diário de bordo, 4 dezembro)

Atualmente, a Educação Física tende a não ser encarada como uma disciplina útil para o “currículo” dos alunos, sendo encarada como uma forma de divertimento, um “intervalo entre as aulas importantes”. Outra atribuição que captei, em conversa com os alunos, é que estes encaram a EF como forma de os preparar fisicamente para as suas atividades desportivas federadas. No entanto, a Educação Física vai muito além do físico, devendo ser vista como uma disciplina que torna o desporto como uma forma diferente e particular de lidar com o corpo. Como tal, e contrariando tudo aquilo que era visto como importante na minha formação enquanto aluno do 3º ciclo, Batista e Queirós (2015) referem que a Educação Física deve ser muito mais do que o desenvolvimento da aptidão física e espaço recreativo e divertimento. Completando este pensamento, Crum (cit. por Batista & Queirós, 2015, p.35), defende que a Educação Física deve ter três papéis principais: a aquisição de condição física, a estruturação do comportamento motor e a formação pessoal, cultural e social.

A prática desportiva assume, assim, um papel muito importante na formação da corporalidade. Deve ser uma atividade organizada, configurada como um conjunto de conhecimentos que enuncia de forma concreta um conjunto de fórmulas abstratas (preceitos éticos, morais, políticos e estéticos) (Gaya, 1994, p.32). Que fórmulas abstratas são estas? O esforço, o empenho, a superação, o confronto, a relação aluno-aluno, aluno-professor, aluno- adversário, aluno-colega de equipa, a cooperação, a aceitação, a partilha e a

competição. Estes valores, preparam os alunos para a vida, pois na aula de educação física aprende-se a vencer, a lutar pelo que se ambiciona, a não desistir à primeira dificuldade e aprende-se a viver em cooperação, em equipa, em confronto e em competição de uma forma amigável e correta.

Quando falamos no exercício físico em idades jovens temos muitas vezes o hábito de associá-lo à saúde. Dentro da saúde está sistematicamente ligado ao excesso de peso e à obesidade. Quando entramos no campo da Educação Física na escola, ainda mais importância e relevância damos a essas questões e temos a perceção de que a Educação Física pode ter um efeito positivo de prevenção desta doença. E pode, mas não é a Educação Física que a vai tratar, quanto muito pode ajudar no seu tratamento. Por tudo isto, a visão de que a Educação Física é predominantemente uma disciplina que visa a condição e aptidão física, perde a sua força e veracidade.

Mais do que o desenvolvimento da aptidão física, a Educação Física deve ter como principal objetivo as aprendizagens. Como referem Masaurir e Corbin (2006), “a Educação Física é a única disciplina na escola que proporciona aos alunos a oportunidade de aprender e desenvolver habilidades motoras, bem como adquirir conhecimentos acerca do seu próprio corpo. É a única disciplina em que o exercício físico é um meio fundamental para atingir objetivos educativos” (p.50). Por isso, urge mudar as mentalidades, não só do público em geral, mas também dos professores que ainda vêem a Educação Física como meio para desenvolver a aptidão física ou como um meio para divertir os alunos.

Face a este quadro, é urgente que sejam alterados os paradigmas. Importa, assim, incorporar na Educação Física práticas desportivas sistemáticas, carregadas de intencionalidade educativa, concebidas de forma integrada e com significado cultural, capaz de proporcionar prazer aos alunos e fundada nos valores do desporto. Uma prática promotora da autoconfiança e autorrealização, que partilhe a responsabilidade com outras áreas nos processos de desenvolvimento de competências que contribuem para formar cidadãos confiantes em si mesmos e socialmente responsáveis (UNESCO, 2015).

Concluindo e referindo Batista e Queirós (2015, p. 40), “o caminho da Educação Física deverá apontar sempre para o seu valor educativo e formativo,

pois, da Escola, é isso que se espera!”.