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A educação obrigatória: uma escolaridade igual para sujeitos diferentes

No documento fernandabicharadasilva (páginas 37-42)

2.3 Diversidades, diferenças, desigualdades a educação em questão

2.3.1 A educação obrigatória: uma escolaridade igual para sujeitos diferentes

José Gimeno Sacristán (2001) aponta que ao tentar estabelecer o problema da diversidade e da diferença no contexto educacional, encontrará vários motivos e explicações. Por isso, se fez necessário limitar em quais destes será feita sua pesquisa. Sacristán se propõe a discorrer sobre: (a) a naturalidade das diferenças; (b) a diversidade transformada em problema: o gosto pela norma ou pelo nível; (c) graduar a escolaridade obrigatória facilita o progresso ordenado, mas regula o ritmo para os estudantes que são desiguais; (d) formas de abordar a complexidade provocada pela diversidade; (e) a escola pública e compreensiva como resposta às desigualdades e as diferenças.

Individualizar o ensino através da organização dos/as alunos/as, de acordo com suas habilidades, características, entre outras coisas, fez parte do modelo educacional durante todo o século XX, mas teve suas raízes bem antes disso. Mesmo com o passar dos tempos, ainda presenciamos fortemente, no cotidiano das instituições escolares, práticas que separam, classificam e agrupam alunos/as o tempo todo, desde os anos iniciais do ensino, de modo hierárquico (SACRISTÁN, 2001, p. 73).

Sacristán explica que comumente, fora das escolas, na vida social, a heterogeneidade e as diferenças são normais, riquezas dos seres humanos. Portanto, caberia às instituições escolares reconhecer a diversidade como um dado da realidade, em que “quanto mais pessoas entrarem no sistema educativo e quanto mais tempo permanecerem nele, maior variedade haverá em seu âmago” (2001, p. 75). As instituições escolares que submetem seus alunos/as ao padrão homogeneizador são anteriores ao atual modelo democrático vigente na sociedade brasileira. Esse modelo vigente deve possuir como valor o respeito às singularidades e os espaços à individualidade dos/as sujeitos/as. Dessa forma, as escolas precisam se capacitar para a liberdade e a autonomia sem qualquer discriminação, principalmente, se preocupando “em estimular diferenciações que não implicam desigualdades entre os estudantes; deve tornar compatível o currículo comum e a escola igual para todos, com a possibilidade de adquirir identidades singulares, [...] dos sujeitos na aprendizagem” (2001, p. 77).

No cotidiano das escolas, “só as diferenças e as práticas que as protegem, que não desigualam ou toleram a desigualdade, podem ser admitidas [...]. Às vezes, a diversidade deverá ser considerada; em outras,

corrigida e, em muitos casos, deveria ser estimulada” (2001, p. 78). No entanto, em geral, aqueles/as que se propõem a serem singulares, são rotulados como rebeldes, alunos/as problemas, fracassados, por uma prática disciplinadora que é principalmente normalizadora. Esta prática disciplinadora e normalizadora relaciona a norma com o rendimento escolar, tendo em vista que inclui os que fazem parte dela e exclui os que ficam de fora, configurando assim, uma desigualdade entre os/as alunos/as (2001, p. 79). Isso nos remete aos dizeres de Louro:

[...] arriscar-se por caminhos não traçados. Viver perigosamente. Ainda que sejam tomadas todas as precauções, não há como impedir que alguns se atrevam a subverter as normas. Esses se tornarão, então, os alvos preferenciais das pedagogias corretivas e das ações de recuperação ou de punição. Para eles e para elas a sociedade reservará penalidades, sanções, reformas e exclusões (LOURO, 2004, p. 16).

A desigualdade entre alunos/as não deixou de existir e foi intensificada, segundo Sacristán (2001, p. 79), quando a escolaridade se tornou obrigatória para todos/as e houve a ampliação do ensino e o aumento de variadas demandas no contexto educacional, o que acabou por legitimar uma “instituição que oferece oportunidades para todos, ainda que não ofereça a todos a mesma coisa”. Sacristán aponta que o problema está na forma com que o ensino é ministrado diante de uma população significativamente heterogênea no que diz respeito aos aspectos sociais, psicológicos e culturais. A diferença, colocada como algo negativo e ameaçador ao desenvolvimento da norma, “é um obstáculo que perturba o funcionamento “normal” da escola e a dinâmica do desenvolvimento do currículo e é, também, uma dificuldade sentida por muitos professores” (SACRISTÁN, 2001, p. 79), uma vez que eles/as não sabem o que fazer quando se deparam com as diferenças no cotidiano das salas de aula.

Sacristán afirma que as práticas de organização da escola possuem uma parcela de responsabilidade sobre a criação da diferença e da desigualdade no contexto escolar (2001, p. 84). A graduação das instituições escolares em séries e, atualmente, em anos é um modelo de organização universal, que busca alcançar um sistema educativo sob medida, ordenado e

classificado, através da idade, de certas capacidades e habilidades ou níveis de rendimento, o que acaba por nos fazer pensar que os professores perderam a capacidade de trabalhar com a diversidade (2001, p. 86). Considerar uma linha ideal, como por exemplo, a determinação de alunos/as destinados a um ano escolar específico, implica esquecer as variações individuais destes sujeitos que foram enquadrados em um mesmo grau, mas que nem por isso são iguais. Se algum destes sujeitos que ocupam o mesmo ano escolar desviarem desta norma conhecida como natural e universal, que rege o grupo, e que é exigida a todos/as, serão estes/as classificados de forma negativa como “anormais”, atrasados, fracassados, e de forma positiva como adiantados, superdotados e geniais (2001, p. 87). Sobre isso, o autor explica que “flexibilizar a graduação e qualquer outro tipo de classificação em um sistema feito a partir da pretensão contrária não será fácil, mas é condição para acomodar-se a uma diversidade que não pode ser totalmente anulada” (2001, p. 89).

Em seguida, Sacristán trata das formas de abordar a complexidade provocada pela diversidade e cita que não cabe aos professores simplesmente vigiar, mas sim colocar em prática mecanismos capazes de sanar a dinâmica hierarquizadora e excludente que se impera nos sistemas escolares (2001, p. 90). Para tanto,

[...] precisamos de uma pedagogia da complexidade de forma que as tarefas acadêmicas possam ser atraentes e desafiadoras para todos, sem que todos sejam obrigados a fazer as mesmas coisas. O espírito que sustenta a educação obrigatória requer que, a partir da organização escolar, a partir dos métodos educativos, a partir das práticas de diagnóstico, rótulo e avaliação, a partir das atitudes dos professores, não sejam obstruídas as estratégias de inclusão de uma escola para todos e que realmente seja promotora de todos (AINSCOW, 1999) (SACRISTÁN, 2001, p. 93).

As organizações das escolas, o desenvolvimento do currículo e os métodos pedagógicos são desafiados diariamente pelas manifestações de aspectos da diversidade e desigualdade que estão presentes em cada escola e em suas salas de aula. Diante disso, de acordo com Sacristán (2001), é importante a construção de escolas, como a

[...] chamada “escola compreensiva" cuja principal característica é a manutenção de todos os estudantes juntos, sem segregá-los por especialidades, nem por níveis de capacidade, aos quais se leciona um currículo comum, seja qual for sua condição social, de gênero, de capacitação, de credo religioso, etc. Constitui um dos motivos de polêmica mais vivas no debate sobre as políticas educativas. O princípio de compreensividade favorece a “mistura” social, razão na qual reside uma das suas principais virtudes que é também motivo para a rejeição de outros setores sociais contrários a esse modelo. A educação compreensiva evita que os estudantes de uma mesma idade se dividam em tipos de escolas de currículo e destinos sociais diferentes, [...] atrasando a escolha sobre o tipo de ensino que se vá cursar (SACRISTÁN, 2001, p. 95, grifos nossos).

A questão da “mistura” social, abordada por Sacristán, é também debatida por Daniela Auad (2004; 2006), a partir do conceito de mixité, empregado primeiramente pela professora da Universidade de Paris VII, Claude Zaidman. Sobre o conceito em questão, Auad (2006, p. 71) afirma que “esse termo francês significa a coexistência de indivíduos, membros de grupos sociais diferentes, no seio de um mesmo espaço social ou institucional”. O conceito que é muito frequente para tratar das questões relacionadas às diferenças entre os femininos e os masculinos é também muito utilizado na França, segundo Auad, “para fazer referência, por exemplo, à coexistência de crianças católicas e muçulmanas no interior da escola laica francesa”.

A coexistência entre sujeitos diferentes na mistura social, citada anteriormente por Sacristán (2001), é mencionada por Auad (2006), como sendo insuficiente para a garantia da conquista de objetivos igualitários, visto que, segundo a autora, quando a mixité é olhada a partir de uma “problemática social mais ampla, [...], na escola, mercado de trabalho e na política, pessoas do sexo masculino e [...] feminino, embora estejam em presença um do outro, vivem espaços psicológicos diferentes e, portanto, não se ‘misturam’” (AUAD, 2006, p. 71). No que diz respeito especificamente à escola mista, Auad, estabelece uma diferenciação entre escola mista e coeducação

[...] para alertar que a ‘mistura’ de meninas e meninos no ambiente escolar é insuficiente para o término das desigualdades. Isso só irá ocorrer quando, além de garantir a convivência entre os sexos masculino e feminino, também forem combatidas a separação e a oposição dos gêneros

masculino e feminino. [...] A coeducação é aqui entendida ainda como uma maneira de questionar e reconstruir as ideias sobre o feminino e o masculino, estes percebidos como elementos não necessariamente opostos ou essenciais (AUAD, 2006, p. 55).

2.3.2 O estereótipo, a discriminação e o discurso do colonialismo em Homi K.

No documento fernandabicharadasilva (páginas 37-42)