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2. A EDUCAÇÃO POPULAR COMO UM NOVO PARADIGMA NA AMÉRICA

2.2. A Educação Popular no Brasil: diferentes conceituações

2.2.2. Educação Popular como Educação de Adultos: Campanhas e Programas dos

No plano internacional, especialmente nos países europeus, o período após a Segunda Guerra Mundial foi marcado por um processo de reordenamento do capital que refletiu nas formas de Estado, bem como nas relações internacionais. Tratava- se de uma reestruturação que pretendia impedir um retorno às condições catastróficas que ameaçaram o poder capitalista na crise iniciada em 1929, assim como também impedir o ressurgimento das rivalidades geopolíticas que levaram à guerra.

As crises econômicas mundiais presenciadas nas primeiras décadas do século XX mostraram que a economia capitalista, livre de qualquer controle ou regulamentação estatal, gerava profundas desigualdades sociais e essas desigualdades provocavam tensões e conflitos, capazes de ameaçar a estabilidade política. ―Foi preciso assegurar a paz e a tranquilidade domésticas e firmar alguma espécie de acordo entre capitalistas e trabalhadores.‖ (HARVEY 2014, p. 20). E o caminho encontrado, de acordo com Harvey (2014), foi uma combinação entre

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Não é essa, contudo, a concepção de Educação Popular que adotamos neste trabalho como originária e orientadora dos movimentos educativos populares dos quais fez parte a Ceplar.

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Os índices de atendimento escolar na Primeira República mantiveram-se mais ou menos no mesmo nível do Império, sendo este um forte motivo para a mobilização que se verificará na segunda década do século XX.

Estado, mercado e instituições democráticas para garantir a paz, a inclusão, o bem- estar e a estabilidade que constituiu os chamados Estados de Bem-Estar Social.

Esses Estados de Bem-Estar Social, vivenciados por vários países da Europa, principalmente durante a década de 1950, intervieram ativamente na política industrial e passaram a garantir padrões mínimos de qualidade de vida da população, como cuidados de saúde, instrução, habitação, seguridade social etc. De acordo com Harvey (2014), estava na base desses Estados a ideia de que o Estado deveria concentrar-se no pleno emprego, no crescimento econômico e no bem-estar de seus cidadãos, e de que o poder do Estado deveria ser distribuído ao lado dos processos de mercado, e, se necessário, intervindo ou mesmo substituindo tais processos, para alcançar esses fins. Essa forma de organização político-econômica é chamada por Harvey (2014) de ―liberalismo embutido‖, uma forma de organização político-econômica em que os processos de mercado e as atividades empreendedoras e coorporativas estavam cercados por uma rede de restrições sociais e políticas e um ambiente regulatório.

Esse ―liberalismo embutido‖ produziu elevadas taxas de crescimento econômico nos países capitalistas avançados durante os anos 1950 e 1960 com a política redistributiva, os controles sobre a livre mobilidade do capital, as intervenções ativas do Estado na economia e a ampliação dos gastos públicos. O ciclo de negócios foi controlado pelas políticas fiscais e monetárias keynesianas. Os direitos sociais surgem, por sua vez, para assegurar que as desigualdades de classe social não comprometessem o exercício pleno dos direitos civis e políticos.

No Brasil, contudo, assim como nos demais países da América Latina, o capitalismo não se desenvolveu ao mesmo tempo nem da mesma forma que na Europa. Aqui, não vivemos o Estado de Bem-Estar Social. Durante o período pós- Segunda Guerra, o que se conseguiu estruturar em nosso país foi o chamado Estado nacional-desenvolvimentista. Essa forma de Estado se assentava no ativo papel do Estado na promoção do crescimento por meio da industrialização e da urbanização.

O Estado nacional-desenvolvimentista adquiriu suas características básicas sob o governo de Getúlio Vargas, desde 1930, quando o Estado brasileiro passa a cumprir o papel de núcleo organizador da sociedade, e se empenha em promover a construção de um capitalismo industrial, nacionalmente integrado, mas dependente do capital externo, por meio da estratégia de substituição das importações. Ou seja,

por mais que tenha ficado conhecido como nacionalista, tratava-se, na prática, de uma política econômica, como explica Fausto (2008) apud Germano (2011), que tratava de combinar o Estado, a política privada nacional e o capital estrangeiro para promover o desenvolvimento, com ênfase na industrialização.

Na década de 1950, o processo de industrialização pautado sob o capital estrangeiro intensifica-se, mais precisamente sob o governo Juscelino Kubitschek. E esse desenvolvimento, em que se acentuam a urbanização e a industrialização no Brasil, se dá numa paralela acentuação da miséria e da exploração no campo brasileiro.

Naquele cenário, temos uma Sociedade Civil começando a se organizar no Brasil, através de movimentos sociais de trabalhadores do campo e na cidade – que serão abordados em capítulo posterior – e de movimentos de educadores que defendiam a escola pública como capaz de solucionar os problemas sociais, inclusive de desenvolver o país. Ao defender, contudo, a escola como salvadora da pátria, esses educadores não iam ao cerne da questão, qual seja, de mostrar a estrutura capitalista como responsável pelas desigualdades.

Diante disso, dos anos 1940 até o início da década de 1960, crescia no Brasil a demanda por educação e de movimentos reivindicando-a. Naquele contexto, ―a ideia força do desenvolvimento nacional aliada à política populista, incitava à mobilização das massas, de cujo apoio os dirigentes políticos dependiam para obter êxito no processo eleitoral‖ (SAVIANI, 2013, p.316), e como o direito do voto estava atrelado à alfabetização, esta passou a figurar como estratégia para aumentar o eleitorado.

À medida que a questão do analfabetismo ia tomando relevo na sociedade como entrave ao desenvolvimento nacional, a educação dos adultos se destacava como problema distinto daquele relativo à difusão do ensino para a população em idade escolar, e, assim, o termo Educação Popular ia sendo atrelado menos à escolarização infantil e mais à alfabetização de adultos.

O Estado, por sua vez, ao invés de assumir e estruturar uma política educacional nesse sentido, prefere tratar o assunto de forma emergencial e paliativa, através da organização de campanhas para atender à demanda por educação. Assim, inaugura a estratégia que vira quase uma tradição em nosso país de tratar a escolarização das camadas populares – camponeses, jovens e adultos – por meio de programas e campanhas.

Nesse sentido, as décadas de 1940-1950 foram marcadas pela organização de programas governamentais de massa destinados à alfabetização de adultos, momento em que podemos citar como principais iniciativas oficiais de âmbito nacional: a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), que funcionou entre 1947 e 1963; a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) atuante entre 1952 e 1963; a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA) que atuou de 1958 a 1963.

A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) foi o primeiro grande movimento oficial de alfabetização de massa do Brasil, sendo também a primeira grande campanha dirigida ao meio rural que, de acordo com Paiva (1973), refletia a reorientação dos organismos internacionais em relação à educação dos adultos analfabetos. Seus objetivos eram: preparar mão de obra alfabetizada nas cidades, penetrar no campo e melhorar a situação do Brasil nas estatísticas mundiais de analfabetismo. Segundo Paiva (1973), do ponto de vista social, a CEAA se justificava pela ideia de ―integração‖ e ―ajustamento‖ sociais através do combate ao marginalismo. Do ponto de vista econômico, a justificativa era a ideia de que a ―insuficiência cultural‖ do país estava entravando a produção.

Vê-se, portanto, nessa campanha, a ideia do analfabeto como marginal e incapaz que poderia, por meio da alfabetização, tornar-se mais útil e produtivo para a coletividade. A partir de 1954, a CEAA entrou em declínio, sendo substituída pela Campanha Nacional de Educação Rural (CNER)19, que surgiu em 1952, como um desdobramento da CEAA. Baseava-se na metodologia do desenvolvimento comunitário, atuando por meio de missões rurais instaladas em pequenas comunidades do interior do país, motivada pela ideia de que ―os problemas do meio rural podem ser solucionados através da educação, da difusão da ideia e do valor da autoajuda‖ (PAIVA, 1973, p.197).

Já a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo surgiu após o II Congresso Nacional de Educação de Adultos (1958), e pretendia ser um programa experimental destinado a buscar caminhos mais racionais para a difusão da ―Educação Popular‖ e Educação Rural. Essa Campanha tinha uma forte preocupação com os métodos educativos e uma preocupação com a eficiência e êxito das experiências.

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Essa campanha teve mais influência no Nordeste com as missões rurais e as escolas normais regionais.

Durante a existência da CNEA (até 1953), algumas experiências interessantes foram testadas, como por exemplo, as experiências realizadas em colaboração com a SIRENA (Sistema Rádio Educativo Nacional), utilizando a rádio educação estiveram na base dos futuros programas de Educação Popular através do rádio e deram origem a vários programas entre os quais, o SIREPA (Sistema Rádio Educativo da Paraíba)20.

Situadas no contexto do nacionalismo projetado no Brasil da primeira metade do século XX, sustentado num ideário desenvolvimentista, estas campanhas combinavam os interesses do capitalismo nacional e estrangeiro que viam a alfabetização como necessária ao desenvolvimento, contando, inclusive, com o apoio e assessoria de agências internacionais, como por exemplo, a UNESCO.

Orientadas por uma concepção compensatória, tais iniciativas partiam da noção do analfabetismo como o mal a ser combatido para o progresso da nação e, nesse sentido, o analfabeto era visto como desprovido de cultura que precisava ―ser salvo‖ através da alfabetização para poder ser inserido no processo de desenvolvimento nacional.

De acordo com o contexto acima citado, a Educação Popular desse período era identificada com a educação destinada aos adultos e tinha uma orientação nacional-populista, tendo como horizonte a conciliação de classes e a consolidação do capitalismo interno. É a partir da segunda metade do século XX que temos uma significativa mudança nos fundamentos da Educação Popular, em que, ao invés do discurso da conciliação de classes, surge um discurso de luta de classes.