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3. EMERGÊNCIA DOS MOVIMENTOS CAMPESINOS E DOS MOVIMENTOS

3.3 Os movimentos educativos populares na década de 1960

Conforme analisado anteriormente, o modelo de industrialização e a expansão do capitalismo no meio rural, a partir do final dos anos de 1950, suscitou a organização do campesinato em Ligas Camponesas, Associações e nos recentes sindicatos rurais. Esse contexto também possibilitou o surgimento de propostas para o enfrentamento do analfabetismo de jovens e adultos, que se colocavam de forma diferenciada das campanhas governamentais ocorridas em décadas anteriores41, por trazer uma articulação direta entre educação e política e educação e conscientização.

A luta por uma Educação Popular colocava em evidência o caráter elitista da educação escolar brasileira. Os altos índices de analfabetismo e a emergência de uma preocupação com a participação das massas no processo político através do voto suscitaram, naquele momento de nossa história, várias iniciativas voltadas à

40 Os sindicatos que surgiam a partir desta influência ficaram sendo conhecidos como ―sindicatos do padre‖.

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Essa perspectiva de racionalidade e a busca de novas funções da educação no desenvolvimento brasileiro estão presentes também nas amplas discussões sobre os projetos da Lei de Diretrizes e Bases de Educação (LDB), na segunda metade dos anos de 1950. Em particular, durante os debates ocorridos no Congresso Nacional, destacam-se as intervenções de Santiago Dantas sobre a necessidade de um plano nacional de educação, distinto de uma lei de diretrizes e bases. Situam-se aí as primeiras investidas no debate sobre o planejamento educacional, que vai ocorrer no início dos anos de 1960, em toda América Latina (FÁVERO, 1983, p 55 ).

educação das massas tendo como orientação teórico-prática o paradigma freireano. Tais inciativas organizadas, em geral, em forma de campanhas, tratavam basicamente da educação dos adultos enfatizando o papel da educação como instrumento de recomposição do poder político e das estruturas sociais fora dos pressupostos da ordem vigente.

Os movimentos de alfabetização e cultura popular começaram a surgir de forma expressiva após 1958, tentando responder às questões colocadas pelo II Congresso Nacional de Educação de Adultos.

A proposta pedagógica que embasou e instrumentalizou as ações dos diversos movimentos foi inspirada nas proposições de Paulo Freire e de seu ―Método‖. Como salienta Scocuglia (2009), ―a favor ou contra Paulo Freire, articularam-se praticamente todos os movimentos que antecederam o golpe de 1964, assim como os que vieram a substituí-los no pós-golpe como a Cruzada ABC (1964-1970) e o MOBRAL (1971-1985)‖ (p.72).

Dentre esses movimentos, podemos destacar, como os mais expressivos, os seguintes: Movimento de Cultura Popular (MCP); Campanha ―De Pé no Chão Também se Aprende a Ler‖; Movimento de Educação de Base (MEB); Centro Popular de Cultura (CPC); Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR).

O Movimento de Cultura Popular (MCP) foi criado em maio de 1960 vinculado à prefeitura do Recife. O MCP, segundo Paiva (1973), ―pretendia encontrar uma fórmula brasileira para a prática educativa ligada às artes e à cultura do povo e suas atividades estavam voltadas, fundamentalmente, para a conscientização das massas através da alfabetização e da educação de base‖ (PAIVA, 1973, p.236). Foi uma experiência fundamental para o desenvolvimento dos trabalhos que resultaram na elaboração do método Paulo Freire.

A Campanha De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler constituiu uma experiência de Educação Popular desenvolvida na cidade de Natal-RN, no período de 1961-1964, durante a gestão do Secretário de Educação Moacyr de Góes, no governo do prefeito Djalma Maranhão, que buscou oferecer educação às pessoas não escolarizadas da cidade (tanto crianças quanto adultas). Devido à escassez de recursos, a Campanha construiu galpões de palha de coqueiro sob o chão batido que durante o dia funcionava com turmas para crianças e à noite, para adultos.

O Movimento de Educação de Base (MEB), lançado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em convênio com o Governo Federal, em março de

1961, deveria executar um plano quinquenal (1961-1965) cuja atuação se dava, principalmente, através das escolas radiofônicas. Era um movimento sob a responsabilidade da Igreja, mas, de acordo com Paiva (1973), os objetivos catequéticos foram sendo deixados de lado para que se realizasse um trabalho de promoção humana através da educação do povo, de modo que, a partir de 1962, o MEB começa a se caracterizar como um movimento de cultura popular.

Segundo Gonzalez (2014), a proposta inicial do MEB era de criar quinze mil escolas radiofônicas. No entanto, o número de escolas ficou entre 2.687 em 1961 e 7.353 em 1963, abrangendo quatorze estados e quinhentos municípios. As aulas eram irradiadas por vinte e nove emissoras e 320 mil alunos completaram o ciclo de alfabetização entre 1961 e 1964 (Gonzalez, 2014).

Os Centros Populares de Cultura (CPCs) que despontaram em todo o país, entre 1962 e 1964, tiveram como ponto de partida o CPC criado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1961, no Rio de janeiro. Sua base de atuação era o teatro de rua, mas a partir de 1963 passou a tratar também da questão da alfabetização. O CPC

Teve um papel decisivo no envolvimento dos estudantes no movimento estudantil e no movimento de cultura e de alfabetização que por meio das UNEs Volantes criaram centros de cultura, teatro, grupos de alfabetização em várias partes do Brasil e contribuíram com o surgimento de um grande número de compositores comprometidos com a renovação da música popular brasileira, do cinema, das artes plásticas e da crítica literária. (SILVA, p. 71-72) O CPC se espalhou por vários estados brasileiros, entre 1962 e 1964, por meio das caravanas da UNE Volante. Da passagem da UNE Volante pelos estados de Pernambuco e Paraíba resultou o filme ―Cabra marcado para morrer‖, que conta a história do líder camponês João Pedro Teixeira e sua família.

O registro desta passagem ficou marcada, inicialmente, nas Resoluções do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular (Recife, 1963) apresentadas por Fávero (1983), podemos ler a este respeito:

O MCP de Pernambuco e o CPC da UNE preparam agora uma co- produção, também longa metragem, sobre o problema agrário. O nome do filme é ‗Cabra marcado para morrer‘ e terá como tema o problema agrário. A colaboração entre as duas entidades mostra o caminho a seguir pelos movimentos de cultura popular, particularmente no que se refere à produção de filmes, repartindo o custo de produção, diminui-se o risco financeiro para cada uma, e usando os quadros das duas organizações permite-se o aceleramento do processo de formação de elementos especializados

(Resoluções do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular - Recife, 1963 apud Fávero, 1983, p. 222)

Na Paraíba dos anos 1960 atuaram três movimentos educativos voltados para alfabetização/educação de adultos: o Sistema Rádio Educativo da Paraíba (SIREPA), a Campanha de Educação Popular (CEPLAR) e a Cruzada de Ação Básica Cristã (Cruzada ABC), sendo esta última uma espécie de reação à atuação da Ceplar pós-abril de 1964. A Ceplar surgiu na cidade de João Pessoa em 1961, sendo institucionalizada em 1962, durante o governo de Pedro Gondim. Surgiu entre estudantes universitários, membros da JUC e contou com o apoio do governo do Estado – apoio este que será problematizado no capítulo seguinte. Dedicou-se à educação de adultos das classes populares com a utilização do método Paulo Freire.

Todas essas experiências, em diferentes dimensões, contaram também com a contribuição do movimento estudantil universitário e secundarista, parcelas significativas vinculadas à Juventude Universitária Católica, Juventude Estudantil Católica e ao Partido Comunista Brasileiro, e principalmente, se ampliaram pelo encontro que tiveram com os movimentos sociais populares urbanos e rurais: sindicatos, grupos de cultura, Ligas Camponesas, etc. (Fávero, 1983).

Propunha-se um rompimento com as práticas usuais de alfabetização de adultos que simplesmente desenvolviam o ensino da leitura, da escrita e do contar que, sem estimular nenhum questionamento da realidade, pelo contrário, acabavam servindo à reprodução das estruturas socioeconômicas existentes. Uma das características dos movimentos desse período é a visão da educação integrada à cultura e o esforço de valorização da cultura autenticamente nacional: a cultura do povo. Visando a transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas do país, tais movimentos se comprometiam com a criação de oportunidades de construção de uma sociedade mais justa.

O I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, realizado em setembro de 1963, no Recife, foi um marco na história dos movimentos de cultura e Educação Popular no Brasil. Legitimou uma nova compreensão do conceito e da importância da educação de jovens e adultos, que passou a ser vista como pré- condição para a participação plena de todos os indivíduos na vida nacional. Nesse Encontro, de acordo com Paiva (1971), registrou-se a participação de 77 movimentos de cultura e educação que foram classificados em três grandes grupos

de acordo com suas atividades: os dedicados à alfabetização; os dedicados à pesquisa e elaboração de manifestações artísticas; e os dedicados às atividades diversificadas. Sendo constatado que a alfabetização era a atividade mais difundida, desenvolvida por 44 movimentos.

Soares e Fávero (2009) nos informam que 10 dos movimentos cadastrados naquele Encontro, 10 encaminharam relatórios: MCP, MEB Nacional, CPC da UNE, Campanha ―De Pé no Chão também se Aprende a Ler‖, Centro Guanabarino de Cultura, CPC de Belo Horizonte, CPC da UBES - União Brasileira de Estudantes Secundários, CPC da UGES - União Gaúcha dos Estudantes Secundários, CPC da Bahia. Foram ainda apresentadas teses pelo representante do CPC de Belo Horizonte, da Fundação João Batista do Amaral e do CPC da UBES. Notamos aí a ausência do relatório da Ceplar, que àquela altura, setembro de 1963, expandia seus trabalhos com a utilização do ―Método Paulo Freire‖ junto aos adultos paraibanos. Sobre esta ausência, os autores registraram em nota de rodapé: ―Além de não constar do acervo de Osmar Fávero, em entrevista, Scocuglia afirmou não o ter encontrado entre os documentos por ele pesquisados nos Inquéritos Policiais Militares (IPMs)‖. Contudo, no relato de militantes da Campanha, aparece o registro da participação da Ceplar no referido Encontro:

Em setembro de 1963, uma delegação composta, entre outros, de Dorinha de Oliveira, Iveline Lucena, Everaldo Junior, Heloísa H. Cavalcanti, Lígia Macedo e Isa Guerra, representou a entidade no 1º Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, realizado em Recife (PORTO; LAGE, 1995, p.96).

No próximo capítulo, de acordo com os objetivos de nosso trabalho, abordaremos de forma mais específica o itinerário da Ceplar e seus contados com o movimento camponês na Paraíba.

4.

QUANDO ALFABETIZAR CAMPONESES SE TORNA

SUBVERSÃO: a atuação da Ceplar junto as Ligas Camponesas

na Paraíba

Este capítulo tem como finalidade analisar a vinculação estabelecida entre a Ceplar e as Ligas Camponesas da Paraíba, e refletir sobre o porquê da prática educativa da Ceplar ter sido considerada como uma atividade de caráter subversivo. Para tanto, contextualizamos a origem da Ceplar na década de 1960, no Estado do Paraíba, e seu itinerário de atuação, as influências de suas parcerias com o Estado, a Igreja e o Partido Comunista. Ao mesmo tempo, buscamos refletir sobre a atuação da Liga Camponesa da Paraíba, destacando seus pontos de diálogo com a Ceplar, e os processos de alfabetização dos camponeses/as no Estado. Esse itinerário e parcerias levaram a Ceplar a ser tratada como uma prática educativa subversiva com o golpe militar, o que culminou com sua desestruturação e repressão aos seus militantes e educadores/as.