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3. EMERGÊNCIA DOS MOVIMENTOS CAMPESINOS E DOS MOVIMENTOS

4.1 A Campanha de Educação Popular (Ceplar): origem e itinerário

4.1.1 Primeiras atividades

O primeiro local em que a Ceplar atuou foi a Ilha do Bispo44, bairro da capital paraibana. Juntamente a estudantes do curso de Serviço Social, dentre as quais se destaca Marion Navarro, a Ceplar começou a intervir naquela localidade desenvolvendo atividades que iam desde uma campanha de construção de fossas e de reivindicação junto à fábrica de cimento ali instalada para a utilização de filtros que diminuíssem os estragos causados pela poeira do cimento, até uma intervenção no programa educativo do Grupo Escolar Raul Machado, entidade existente naquele bairro que estava praticamente abandonada e foi fornecido pelo governo estadual à equipe da Ceplar.

Segundo Scocuglia (2001), esse Grupo Escolar Raul Machado seria a base, uma espécie de posto de intervenção piloto para Ceplar do terreno educativo. A Ceplar orientou a redinamização dessa escola, no sentido de implantar uma escola ativa em que ―propunha-se a elaboração de um programa de ensino baseado em centros de interesse ligados ao mundo lúdico e imaginário da criança e ao mundo social do trabalho em que vivia‖ (PORTO; LAGE, 1995, p. 53).

A integração dos pais no processo educacional foi fator decisivo nesse processo, pois, além de enviarem as crianças à escola, também participavam das reuniões e colaboravam nas atividades educativas. Merece destaque também o fato de se ter conseguido a merenda escolar para o Raul Machado, o que fez com que a frequência aumentasse consideravelmente, passando de 42 para 470 crianças em um semestre, tendo em vista que a fome era um dos fatores que provocava a

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Bairro da cidade de João Pessoa-PB, situado às margens do rio Sanhauá, onde era grande a concentração de operários da Fábrica de Cimento, Cal e Gesso Portland, do Grupo Votorantin. A fábrica era, ao mesmo tempo, fonte de trabalho para a população e causa da debilitação de sua saúde devido à poeira do cimento que envolvia toda a área habitacional.

ausência de crianças na escola. A merenda foi conseguida através da Secretaria de Educação do Estado, e o governo também contribuiu com verbas, nomeação de dez professoras formadas, veículos e motoristas.

Como projeto de construção de fossas a intervenção junto à fábrica de cimento a Ceplar contou com a adesão da população e dos líderes locais, sindicatos, associações e outros grupos associaram-se à equipe da Ceplar: ―Verdadeiros mutirões se organizaram para instalar as fossas nos fins de semana dentro de um clima de festa‖ (PORTO; LAGE, 1995, p.49) e, assim, a própria Ceplar ia se constituindo em uma liderança local.

Paralelo a esse trabalho, contudo, a equipe procurou formar núcleos de debate, que consistiam na projeção de filmes sobre questões sanitárias ou realização de palestras sobre temas da realidade local e sobre as reformas base que eram seguidas de debates entre a equipe da campanha e a população. De acordo com Porto e Lage (1995), os grupos de debate funcionaram como uma estrutura de apoio à ação e como meio de politização, além de terem garantido a continuidade do trabalho naquele bairro que se prolongou por meses. Os esquetes45 e as paródias eram estratégias utilizadas para promover o diálogo.

Scocuglia (2001) chama atenção para que não enxerguemos neutralidade política na ação dos universitários jucistas da Ceplar: ―Esse trabalho nunca foi despretensioso, pois havia intencionalidade política explícita em cada uma das ações assistenciais‖ (SCOCUGLIA, 2001, p. 63), para este estudioso, as ações e debates promovidos visavam ao convencimento da população local e de suas lideranças políticas, no sentido de ultrapassarem o caráter imediatista dos resultados práticos conseguidos para uma permanente mobilização sociopolítica. Podemos atestar essa perspectiva com o seguinte trecho do depoimento de Marion Navarro, concedido a Porto e Lage (1995): ―[...] na campanha das fossas, fizemos grandes reuniões, quase assembleias populares, para se tratar das fossas, mas dando-lhes

um direcionamento sócio-político-ideológico‖ (p.52) (grifos nossos).

É possível perceber que aquela assistência dada pelos universitários da campanha aos moradores da Ilha do Bispo não foi despretensiosa, mas carregada de intencionalidade política: eles ajudavam a sanar os problemas cotidianos daquela população visando adesão ao seu discurso político de defesa das reformas de base.

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Pequenas peças de teatro com um só ato, cujas características são o improviso e a participação da plateia/público.

Também Ronald Queiróz, em entrevista, afirma que a pretensão de sua atuação na Ceplar se dava por um objetivo mais amplo, que era ―armar, com o apoio das massas, alguma coisa que abalasse as estruturas tradicionais da representação política‖ (PORTO; LAGE, 1995, p. 52). Era a ideia da revolução pelo voto que perpassou, praticamente, todos os movimentos educativos da época que se dedicaram à educação dos adultos. Numa sociedade marcada pela exclusão de milhões de indivíduos do acesso à educação e, consequentemente, do processo eleitoral, alfabetizar os adultos significava formar novos eleitores.

O MCP do Recife pode ser apontado como grande influenciador da Ceplar, tendo em vista que os fundadores da campanha fizeram curso com a equipe do MCP sobre Educação Popular antes de criá-la, o que indica que a concepção de Educação Popular que embasou a criação da Ceplar vai ser identificada com a concepção do MCP.

Ainda durante as primeiras atividades da Ceplar na localidade Ilha do Bispo, além da formação dos núcleos de debate, promoveram seminários sobre a realidade brasileira. Porto e Lage (1995) citam a presença do professor Paulo Freitas, do Movimento de Cultura Popular do Recife, no primeiro seminário realizado pela Ceplar no auditório da Faculdade de Direito, fato que revela o diálogo existente entre os dois movimentos e no pensar de como a Ceplar se inseria dentro de um movimento amplo por uma Educação Popular que se brotara e rapidamente se espalhava pelo Brasil.

A Ceplar irradiava um clima de otimismo e de mudança do Brasil, e tinha no MEC, também, ministros que se interessavam pela alfabetização, se interessavam em estabelecer a cultura popular no Brasil e outros movimentos que se preparavam e que faziam cultura popular, como MCP, como de Pé no chão também se aprende a ler, no Rio Grande do Norte, como o CPC da UNE e outros mais, movimentos na Bahia, também, de cultura popular, e isso se difundia no Brasil e a Ceplar vivia e improvisava, criava sua própria experiência. (Everaldo Jr.)

Inserida na efervescência política em que estiveram mergulhados os anos 60, a Ceplar não deixava dúvidas de ―qual lado‖ estava marcando presença no processo de mobilização e organização estudantil, sindical e nos centros de conflitos camponeses que estouravam na Paraíba.

Em suma, enquanto a alfabetização de adultos constituía uma atividade ainda embrionária, os debates e as intervenções político-

culturais promovidas pelas lideranças da Ceplar integravam o movimento esquerda/progressista que envolvia as organizações estudantis, os cristãos militantes (JUC, JOC, JEC), a Frente de Mobilização Popular (FMP, ‗brizolista‘), os principais sindicatos, além da Associação Paraibana de Imprensa (API) e do PCB. (SCOCUGLIA, 2001, p. 66-67).

A criação da Ceplar pode ser vista como uma reação de setores da sociedade civil em relação à situação deficitária do ensino no Estado da Paraíba. Embora a primeira intervenção tivesse sido levada a cabo numa instituição escolar destinada a crianças, o seu objetivo primordial era alfabetizar os adultos, mas não da forma tradicional, a ideia era investir na educação para promover o despertar de uma consciência política que os levasse a participar do processo de mudança do país. Os fundadores da Ceplar propunham respostas novas aos problemas da educação, pois já não acreditavam na capacidade das instituições tradicionais de responder ao grande desafio da educação das massas. A novidade da Ceplar esteve, principalmente, nos seus métodos inovadores para época. ―A equipe do Departamento de Formação da Cultura questionava os métodos de ensino vigentes e procurava soluções de acordo com os seus objetivos‖ (PORTO; LAGE, 1995, p. 60). E foi nessa busca por métodos inovadores, que possibilitassem um trabalho de educação junto aos adultos se que isso significasse a redução da alfabetização ao simples ler-escrever-contar, que a equipe da Ceplar foi levada ao encontro com Paulo Freire e seu ―método‖ em desenvolvimento.