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Do efeito extintivo relativamente aos demais direitos reais: direitos reais de gozo e ônus reais

ADJUDICAÇÃO TERMO INICIAL.

3 EFEITOS DA ADJUDICAÇÃO

3.2 Principais efeitos de natureza material na adjudicação

3.2.4 Do efeito extintivo relativamente aos demais direitos reais: direitos reais de gozo e ônus reais

Viu-se que a regra geral, com referência aos direitos de garantia que recaíam sobre os bens adjudicados é que, com a transferência destes últimos, deixem de onerá-los, visando, desta forma, evitar a depreciação do seu valor, que resultaria de uma transmissão com encargos.

Nos termos do art. 824º, nº 2, segunda parte do CCP, os bens são ainda transmitidos livres “(...) dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia”.

Quando o dispositivo se refere aos “demais direitos reais”, está a tratar, dos direitos reais que não sejam o direito penhorado ou os direitos de garantia, como (e

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principalmente) os direitos reais de gozo menores, a exemplo do usufruto, superfície, servidão predial voluntária370371.

Quanto aos direitos reais de gozo, há que se distinguir entre: a) os que

sejam de constituição (ou registro) anterior à constituição (ou registro) de todos os direitos reais de garantia invocados ou constituídos no processo de execução; b) os que sejam de constituição posterior à constituição (ou registro) de quaisquer deles.

Na primeira hipótese, se os direitos reais de gozo forem constituídos ou

registrados antes de todas as garantias executadas, seja pelo exequente, seja pelos reclamantes, não caducam, e, por tal razão, são transmitidos com estas

onerações.

De forma exemplificativa, se Maria possui um imóvel dado em usufruto a Pedro em janeiro de 2000 e a hipoteca ao Banco Mercado em janeiro de 2002, a execução da hipoteca não alcança esse direito ao usufruto, que ficará, assim, excluído da penhora. A penhora, neste caso, terá alcançado a propriedade de raiz, mas não, o usufruto e, se tal aconteceu, Pedro poderá embargar de terceiro372.

Esclarece Lebre de Freitas373:

Para que se verifique o primeiro caso, é preciso, pois, que os direitos de garantia de todos os credores (incluindo o exequente) sejam de data posterior à do direito real de gozo (ex: usufruto) dum terceiro. E, quando a lei refere “qualquer arresto, penhora ou garantia”, abrange tanto o direito real constituído, fora do processo de execução, por um credor reclamante (e que serve de fundamento à sua reclamação) como o direito real do exequente, quer seja anterior à execução (trata-se, por exemplo, da execução dum crédito hipotecário, ou duma execução que foi procedida de arresto), quer seja constituído na própria execução (o exequente é um credor comum e só com a penhora adquire um direito real de garantia).

370

Segundo Rui Pinto, importa verificar se a regra abrange, ainda, os direitos reais de aquisição (PINTO, Rui Carlos Gonçalves. Manual da execução e despejo, p. 951).

371

Inclui, igualmente, os ônus reais e exclui os direitos reais de aquisição, que não se submetem ao comando do art. 824º, nº 2, do CCP, seja porque não se extinguem, seja porque já se encontram extintos no momento da adjudicação. Assim, por exemplo, os direitos reais de aquisição de fonte negocial (artigos 413º e 421º do CCP) caducam imediatamente ao seu não exercício, como é o caso do direito de preferência convencional, que caduca com a ausência de declaração do seu exercício após interpelação (art. 823º, nº 1, do CPCP/13). Já os direitos reais de aquisição de fonte legal não caducam caso não sejam processualmente exercidos, como se dá na hipótese em que o arrendatário opte por não exercer a sua preferência legal na venda executiva da propriedade do senhorio sobre o locado, podendo vir a fazê-lo anos depois quando o comprador colocar, por sua vez, o imóvel à venda (CF. sobre o assunto PINTO, Rui Carlos Gonçalves, op. cit., p. 959).

372

Cf. FREITAS, José Lebre de. A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, p. 390.

373

No segundo caso, caducam os direitos reais de gozo constituídos/registrados depois da garantia executada.

Então, se Maria tem um imóvel dado em hipoteca ao Banco Mercado em janeiro de 2000 e, posteriormente, em janeiro de 2002, constitui usufruto a favor de Pedro, a execução da hipoteca atinge esse direito ao usufruto, que será alienado como propriedade plena.

Em suma: caducam os direitos reais de gozo constituídos/registrados depois da garantia executada; não caducam os direitos reais de gozo constituídos ou registrados antes de todas as garantias executadas, e, por tal razão, são transmitidos com estas onerações.

O fator determinante, então, para a distinção das hipóteses em comento é o aspecto temporal (antiguidade) dos direitos em confronto.

Relativamente aos direitos reais de gozo que caducam por serem posteriores à garantia mais antiga (embora anteriores à penhora), registre-se que - apesar de não acompanharem a transmissão do bem penhorado - transferem-se para o montante depositado pelo adjudicatário, nas hipóteses já vistas em que o depósito for obrigatório.

Interessa observar, ainda, na hipótese acima mencionada de caducidade do direito real de gozo, constituídos/registrados depois da garantia executada prioritária, se a garantia que o antecedeu é aquela executada pelo próprio credor exequente (por exemplo, no caso de uma hipoteca, o exequente será o próprio titular do direito à hipoteca) ou por um terceiro credor reclamante.

Se a garantia prioritária prévia (hipoteca) é a executada pelo exequente, em regra o objeto da penhora coincide com o objeto da garantia (artigos 752º, nº 1 do CPCP/13374 e 697º375 do CCP), se o bem dado em garantia for do devedor.

Desta forma, se Maria é proprietária de um imóvel Y dado em hipoteca ao Banco Mercado, em janeiro de 2000, e, depois, em janeiro de 2002, constitui sobre

374 “Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora

inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros, quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.

375 “O devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de se opor não só a que outros bens

sejam penhorados na execução enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além do necessário à satisfação do direito do credor”.

ele usufruto a favor de Pedro, quando o Banco Mercado promover a execução hipotecária sobre o imóvel, será penhorada e alienada a propriedade plena do bem de Maria (ficando este livre do direito de gozo que o onerava) e não, a propriedade de raiz.

Nesta situação, em que a penhora for da propriedade plena do bem, o titular do direito real de gozo (Pedro) deve sempre ser citado para tomar a posição de executado, pois, caso contrário, o direito de gozo em comento não caduca e o usufrutuário (Pedro) pode apresentar embargos de terceiro.

Por conseguinte, como afirma Rui Pinto376, “... para caducar não basta ao

direito real de gozo menor estar incorporado no objeto de penhora (...); também não

pode ser objecto de nenhuma restrição ou exclusão de exercício pelo agente de execução, sem que o seu titular seja também citado como executado”.

Observe-se agora a hipótese inversa: se a garantia prioritária (hipoteca, como no exemplo) é a executada pelo credor reclamante, o exequente é um credor

comum cuja prevalência decorrerá da própria penhora ou, então, se apresentará

com uma garantia posterior á do reclamante (v.g., uma segunda hipoteca).

Assim ocorrendo, o credor com garantia real (no exemplo, a hipoteca) será citado para oferecer reclamação de crédito sobre um bem penhorado (como a propriedade de raiz), cujo âmbito é menor que a sua própria garantia (in casu, a hipotecária), pois limitado pelo direito de um terceiro.

Pois bem. Diante desta eventualidade, a doutrina aponta uma solução, que é a possibilidade do credor reclamante requerer a extensão do objeto da penhora ao objeto de sua garantia (mais amplo, pois não sofre a oneração do direito de um terceiro) e, simultaneamente, requerer a citação dos restantes interessados (titulares de direitos reais de gozo) para tomarem a posição de executados.

Para Lebre de Freitas377,

(...) o único meio de aproximar o objeto da penhora do da venda estará na disponibilidade do credor com direito real de garantia anterior e consistirá em este, uma vez citado, requerer a extensão da penhora ao objeto da sua garantia e, simultaneamente, a citação do terceiro (o usufrutuário do nosso

376

Cf. PINTO, Rui Carlos Gonçalves. Manual da execução e despejo, p. 953.

377

exemplo), como base no art. 54-2, para tomar a posição de executado no processo. Se não o fizer, aceita o credor que o seu crédito seja pago na execução só pelo produto do direito penhorado (na parte proporcional ao valor total do prédio), subsistindo o direito de gozo do terceiro e conservando o credor a sua garantia, pelo remanescente, quanto a este direito”.

De forma exemplificativa, se Maria tem um imóvel hipotecado ao Banco Mercado em janeiro de 2000 e, em janeiro de 2001, constitui usufruto a favor de Pedro; se João promover execução contra Maria apenas poderá penhorar a propriedade de raiz do imóvel. Citado para reclamar o seu crédito hipotecário, o Banco Mercado pode requerer a extensão da penhora à própria propriedade plena do imóvel, pois é esta o objeto da sua específica garantia hipotecária.

No caso de ausência de requerimento de extensão do objeto da penhora, apenas poderá ser alienado o objeto da penhora, sem o direito menor, o qual não caduca. Caso, ainda assim, o bem seja adjudicado, como se não estivesse onerado pelo direito de gozo, o titular deste poderá oferecer embargos de terceiro.

Relativamente aos ônus reais378, os quais, em apertada síntese, configuram “(...) gravame que recai sobre uma coisa, restringindo o direito do titular do direito real”379

, o entendimento que prevalece é no sentido de que, se forem de fonte

legal, sobrevivem à transmissão executiva. Assim, o bem adquirido na adjudicação

é onerado por eles.

Todavia, se constituídos de forma voluntária, apenas subsistirão à transferência do bem, caso tenham sido constituídos ou registrados antes da garantia prioritária.

No caso, por exemplo, de uma constituição de renda, estabelecida em janeiro de 2000, em que Maria, proprietária do imóvel, voluntariamente, obriga-se a pagar prestações periódicas de soma determinada a Pedro e, em janeiro de 2002, hipoteca o citado imóvel ao Banco Mercado, a execução da hipoteca não alcança esse ônus constituído a favor de Pedro, antes da garantia prioritária.

Se as datas forem invertidas, na hipótese acima, com a constituição do ônus a posteriori, estes não subsistirão à transferência do bem.

378

FREITAS, José Lebre de. A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, p. 954.

379

Questão interessante versa, ainda, sobre o que ocorre na hipótese de adjudicação do bem locado/arrendado380.

Com base no art. 1057º, do CCP, segundo o qual “O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras de registo”, alguns doutrinadores defendem a manutenção do arrendamento/locação, quando registrada ou constituída antes

da penhora, entendendo o STJ, neste sentido, que o art. 1057º aludido estabeleceu

a regra de transmissão, no caso de alienação do bem, não havendo, deste modo, lacuna legal que permita a aplicação analógica do art. 824º, nº 2, do CCP, ao arrendamento381.

Uma segunda posição dominante defende a caducidade da locação/arrendamento, quando posterior à garantia prioritária, à vista do citado art. 824º, nº 2, do CCP, desta forma havendo se manifestado o STJ382:

À luz do art. 824º do CC, o contrato de arrendamento é considerado como um verdadeiro ónus em relação ao prédio. Daí que, vendido o prédio em sede executiva, o contrato de arrendamento celebrado depois da constituição de hipoteca e da penhora caduque automaticamente.

Em suma, pode-se afirmar que, se a locação/arrendamento do bem

penhorado for anterior à garantia prioritária, o art. 1057º, do CCP estabelece a

permanência da locação após a adjudicação, de tal forma que o adquirente do bem passe a ser o novo locador. Se for posterior à garantia prioritária, caducará, por força do disposto no art. 824º, nº 2, do CCP.