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Efeitos Diretos

No documento carlsaganeoutros-oinvernonuclear (páginas 86-89)

Vou-me concentrar de modo especial nas conseqüências indiretas geralmente ignoradas de uma guerra dessa espécie para o ser humano, as quais se transmitiriam através de efeitos em sistemas ecológicos. Mas não vou minimizar os efeitos diretos possíveis, por bem conhecidos que sejam, pois estes serão realmente horríveis. Vejam o que estudos recentes indicam que aconteceria numa grande guerra termonuclear, em que entre 5.000 e 10.000 megatons de armas fossem detonados - a maior parte no Hemisfério Norte. (para pôr essa guerra em perspectiva, consideram que isso equivaleria grosso modo à explosão de entre meio e três quartos de milhão de bombas atômicas do tamanho da de Hiroxima, o que representa não mais que uma fração dos arsenais nucleares atuais dos Estados Unidos e União Soviética.)

Até certo ponto, os efeitos irão depender da dimensão da guerra, distribuição das explosões, número de explosões no solo e de explosões no ar, e outros fatores. Mas quero frisar novamente o que o Dr. Sagan tão bem sublinhou: que os resultados biológicos são pujantes. Isto significa que é sumamente difícil conceber uma guerra nuclear em grande escala que não levasse a um desastre ecológico de dimensões sem precedentes.

Em nosso artigo para a revista Science, nós nos concentramos mais que o relatório TTAPS numa guerra de 10.000 megatons, porque achamos que a população devia ser informada dos efeitos dessa hipótese plausível. Por isso demos atenção especial ao caso de 10.000 megatons. Mas as descrições gerais dos efeitos aplicam- se a todos os cenários de guerra em grande escala.

A previsão, segundo uma das estimativas, é de que somente as explosões causariam 750 milhões de mortes. Um número de pessoas igual ao que existia no planeta quando a nossa nação foi fundada seria vaporizado, desintegrado, esmagado, reduzido a polpa e espalhado na paisagem pela força explosiva das bombas. Outro estudo prediz que 1,1 bilhão de pessoas seriam mortas e outras tantas lesadas pelas explosões, pelo calor e pela radiação. Vale dizer, quase a metade da atual população do mundo - compreendendo a maior parte dos habitantes das nações ricas do Hemisfério Norte - poderia converter- se em baixas no espaço de poucas horas.

Também é cristalinamente claro que a própria estrutura da sociedade industrial seria destruída por um tal tipo de guerra. Praticamente todas as áreas metropolitanas - que são os centros políticos, industriais, financeiros, de transportes, de comunicações e culturais das sociedades simplesmente deixariam de existir. Grande parte do saber da humanidade desapareceria com elas. Atendimento médico e outros serviços de socorro essencialmente não mais existiriam - não haveria de onde partir assistência. Os sobreviventes das nações um dia ricas não somente enfrentariam as cargas psicológicas esmagadoras de terem testemunhado a maior catástrofe da história humana, como saberiam não haver esperança de remédio.

Uma situação como essa é de tal modo estarrecedora que muitos a entenderão como uma estimativa de pior

hipótese do mal potencial causado ao Homo sapiens na Terceira Guerra Mundial. Ao contrário, como veremos a seguir, eu descrevi somente a ponta visível do iceberg. Os destinos dos dois ou três bilhões de pessoas que não morressem imediatamente inclusive as de nações muito distantes dos objetivos - poderiam sob vários aspectos ser piores. Essas, é claro, sofreriam a ação direta das temperaturas glaciais, da escuridão e da precipitação radioativa à médio prazo de que falou o Dr. Sagan. Mas os efeitos de maior alcance à longo prazo seriam produzidos indiretamente pelo impacto destes e de outros fatores sobre os sistemas ambientais do planeta.

Ecossistemas

Para entender isso, é preciso saber alguma coisa a respeito de sistemas ecológicos - ecossistemas na forma abreviada da biologia. Um ecossistema é uma comunidade biológica - todos os vegetais, animais e micróbios que vivem numa certa área - combinada ao meio físico em que vivem esses organismos. O meio abrange a radiação solar, os gases da atmosfera, águas correntes, fragmentos de rocha no solo, e assim por diante. E a essência de um ecossistema é uma teia de processos que ligam os organismos uns aos outros e ao seu ambiente físico.

Esses processos incluem um fluxo unidirecional de energia através do ecossistema e um movimento cíclico de materiais no seu interior. Muitos dos senhores estão familiarizados com o processo da fotossíntese, pelo qual as plantas verdes "captam" a energia do sol. Parte dessa energia é a seguir transferida ao longo de "cadeias alimentares", sendo utilizada primeiro pelas plantas no seu crescimento e para acionar seus outros processos vitais, depois pelos herbívoros que comem essas plantas,

depois pelos carnívoros que comem os herbívoros e uns aos outros, e finalmente por agentes de decomposição que desagregam resíduos e organismos mortos.

A energia do sol alimenta todos os ecossistemas importantes, não apenas através da fotossíntese como também de processos puramente físicos, como o de evaporar a água da superfície dos mares e das terras de modo que esta continue a circular. Assim, vê-se de imediato por que qualquer evento que impeça o acesso da luz solar à superfície da Terra pode ter efeitos catastróficos sobre o funcionamento dos ecossistemas. Mas, e daí? É preciso entender que todos os seres humanos estão encerrados em ecossistemas e deles dependem totalmente para a produção agrícola e para uma série de outros "serviços públicos" gratuitos. Esses serviços incluem a regulação dos climas e manutenção da composição gasosa da atmosfera; suprimento de água doce; remoção de resíduos; reciclagem de elementos nutrientes (inclusive os indispensáveis à agricultura e à silvicultura); geração e preservação de solos; controle da grande maioria das pragas potenciais das lavouras e vetores de enfermidades humanas; suprimento de alimentos do mar; e manutenção de uma vasta "biblioteca" genética, da qual a humanidade já tirou a própria base da civilização - inclusive todas as plantas cultivadas e animais de criação.

A danificação de ecos sistemas significa a interrupção desses serviços. E os dois ou três bilhões de indivíduos que sobrevivessem aos efeitos instantâneos de uma guerra termonuclear precisariam deles mais ainda do que precisamos hoje.

No documento carlsaganeoutros-oinvernonuclear (páginas 86-89)

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