• Nenhum resultado encontrado

carlsaganeoutros-oinvernonuclear

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "carlsaganeoutros-oinvernonuclear"

Copied!
298
0
0

Texto

(1)

Paul R. Ehrlich Carl Sagan

Donald Kennedy Walter Orr

Roberts

O INVERNO NUCLEAR

Tradução João Guilherme Linke Editora Francisco Alves

(2)

SUMÁRIO

Colaboradores Prefácio

Advertência LEWIS THOMAS Introdução DONALD KENNEDY

A Atmosfera e as Conseqüências climáticas da Guerra Nuclear

CARLSAGAN

Conseqüências Biológicas de uma Guerra Nuclear PAUL R. EHRLICH

Painel sobre Conseqüências Atmosféricas e Climáticas Painel sobre Conseqüências Biológicas

A Conexão Moscou: Diálogo entre Cientistas Norte-Americanos e Soviéticos

Conclusão

WALTER ORR ROBERTS Apêndice

Notas

Agradecimentos

Este livro é dedicado à memória de Robert W. Scrivner (1935-1984)

Com firmeza e brandura, a paixão de Robert pela paz idealizou a conferência e a tomou realidade. Este livro

é dele.

Comitê de Orientação, Conferência sobre o Mundo após a Guerra Nuclear

(3)

PREFÁCIO

Em junho de 1982, dois executivos de fundações, Robert W. Scrivner do Rockefeller Family Fund e Robert L. AlIen da Henry P. Kendall Foundation, tiveram um encontro com Russell W. Peterson, presidente da Sociedade Nacional Audubon, para tratar de uma crescente preocupação comum: nos debates públicos sobre a guerra nuclear e os efeitos destrutivos imediatos de explosões e radiações sobre vidas humanas e cidades, estaria sendo dada atenção suficiente aos efeitos biológicos de mais longo prazo? O que faria uma guerra nuclear à atmosfera, à água, aos solos - aos sistemas naturais de que toda a vida depende?

Allen, Peterson e Scrivner concordaram em que se deveriam buscar meios de levar o movimento de defesa ambiental a examinar o assunto, e se propuseram apurar que progressos estaria fazendo a comunidade científica. Eles conheciam o relatório de 1975 da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, "Efeitos Mundiais à Longo Prazo de Detonações Múltiplas de Armas Nucleares", e o relatório de 1979 da Comissão de Avaliação Tecnológica do Congresso dos Estados Unidos, "Os Efeitos de uma Guerra Nuclear". Haviam também estudado uma edição especial da revista Ambio (voI. XI, no. 2-3, 1982), órgão da Real Academia Sueca de Ciências, que acabava de ser publicada e continha dados científicos novos sobre os impactos climáticos e biológicos de uma guerra nuclear.

Scrivner, Allen e Peterson reuniram alguns cientistas e ecologistas para tratar da organização de uma conferência pública sobre os efeitos a longo prazo de uma guerra nuclear. Entre eles estava Carl Sagan, professor de Astronomia e Ciências Espaciais e diretor do Laboratório de Estudos Planetários da Universidade

(4)

Comell. Ele informou que um pequeno grupo de cientistas estava empenhado num estudo possivelmente importante ligado aos efeitos climáticos de uma guerra nuclear. Esse estudo, "Conseqüências Atmosféricas e Climáticas a Longo Prazo de um Conflito Nuclear", por Richard P. Turco, Owen B. Toon, Thomas P. Ackerman, James B. Pollack e Sagan, ficou depois conhecido como o relatório TTAPS, iniciais dos sobrenomes dos autores.

O grupo TTAPS começara por examinar os efeitos atmosféricos de grandes quantidades de poeira, e ampliara o estudo para incluir a fumaça e a fuligem produzidas por incêndios extensos, depois de verem dados sobre o tema publicados na Ambio por Paul J. Crutzen, do Instituto de Química Max Planck de Mogúncia, República Federal da Alemanha, e John W. Birks, da Universidade do Colorado ("A Atmosfera depois de uma Guerra Nuclear: Crepúsculo ao Meio-Dia").

O novo e vital fator do estudo TTAPS foi o impacto da enorme quantidade de pó e fumaça gerada por explosões nucleares e pelos incêndios resultantes; esse manto de pó e fumaça, imaginaram eles, teria efeitos atmosféricos que alterariam o clima e se propagariam a grandes distâncias das áreas de explosão. O estudo quantificava, através de modelos matemáticos, os efeitos de uma guerra nuclear quanto ao grau em que partículas em suspensão impediriam a luz solar de alcançar a Terra. Foram utilizados vários cenários para indicar os níveis de megatonagem e locais de detonação, quer no ar quer no solo. As respostas que vinham surgindo apontavam para uma série potencialmente catastrófica de conseqüências atmosféricas, climáticas e radiológicas. As temperaturas reduzir-se-iam dramaticamente, mesmo no verão, a níveis bem abaixo do ponto de congelamento da água; a luz do dia seria na maior parte reduzida; essas condições poderiam durar

(5)

vários meses e possivelmente estender-se muito além das regiões atacadas, inclusive ao Hemisfério Sul.

Allen, Scrivner, Peterson e o seu grupo animaram-se ao tomarem conhecimento de que havia outro trabalho científico em curso. Um novo estudo sobre o assunto estava sendo levado a efeito pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. E o Comitê Científico de Problemas do Meio Ambiente (SCOPE) do Conselho Internacional de Uniões Científicas planejava um estudo sobre "Conseqüências Ambientais de uma Guerra Nuclear".

Aquele grupo informal evoluiu para um Comitê de Orientação com o fim de examinar a conveniência de promover uma grande conferência pública através da qual o estudo TTAPS e as conclusões sobre as conseqüências biológicas de uma guerra nuclear pudessem ser conhecidas por educadores, cientistas, administradores de empresas, autoridades civis e outros líderes comunitários e representantes de outras nações, bem como por ecologistas. Entre os quais acederam em formar o Comitê de Orientação estavam vários cientistas altamente reputados: Paul R. Ehrlich, professor de ciências biológicas e de estudos populacionais na Universidade Stanford; Peter H. Raven, diretor do Jardim Botânico do Missouri, em Saint Louis; Walter Orr Roberts, presidente emérito da Corporação Universitária para Pesquisas Atmosféricas; Carl Sagan, e George M. Woodwell, diretor do Centro de Ecossistemas do Laboratório Biológico Marinho de Woods Hole, Massachusetts. Woodwell foi nomeado presidente da Conferência. O Comitê designou Chaplin B. Barnes, ex-membro da Sociedade Nacional Audubon e do Conselho de Qualidade Ambiental, para diretor-executivo da Conferência e coordenador do empreendimento.

(6)

relatório TTAPS a um exame crítico minucioso num simpósio de eminentes especialistas em ciências físicas. A seguir os dados seriam mostrados a um grande número de experientes biólogos e ecologistas para que estes se pronunciassem quanto à extensão dos impactos mundiais à longo prazo sobre a espécie humana e os sistemas de sustentação de vida do planeta. Ficou entendido que somente se os dados fossem sancionados nesse exame a conferência pública proposta seria programada.

Uma Junta Científica Consultiva composta de sessenta e um cientistas dos Estados Unidos e de mais oito países foi constituída para auxiliar na preparação da Conferência e colaborar na disseminação de informações após a mesma. Preparando o programa dos trabalhos, o Comitê de Orientação decidiu que discussões políticas, referências a desarmamento, controle de armas e fatores sociais, que de ordinário seriam relevantes num debate a respeito dos impactos de uma guerra nuclear, não teriam lugar na conferência proposta. Na organização do programa científico da Conferência, ficou decidido que se trataria unicamente das conseqüências físicas, atmosféricas e biológicas de uma guerra nuclear. O Comitê achou que a inclusão de outras considerações como estratégia nuclear e implicações econômicas, políticas e sociais desviariam a atenção da mensagem científica central.

Em fins de abril de 1983, cerca de cem cientistas dos Estados Unidos e de outros países reuniram-se para o processo do exame prévio na Academia Americana de Artes e Ciências em Cambridge, Massachusetts. Os cientistas convidados representavam uma grande variedade de campos. Depois da primeira assembléia, organizada e presidida pelo Dr. Sagan (que ainda convalescia das complicações quase fatais de uma

(7)

apendicectomia a que se submetera no mês anterior), cerca de quarenta físicos e dez biólogos analisaram e avaliaram a minuta preliminar do estudo TTAPS. Em termos gerais, o grupo concordou com as conclusões do relatório quanto ao potencial de reduções consideráveis na quantidade de luz solar que chega à superfície da Terra e de alterações climatológicas de vulto, embora sugerindo alguns pequenos ajustes. Em aditamento aos efeitos climatológicos de temperaturas glaciais e virtual escuridão, o grupo de ciências físicas discutiu agressões como a exposição à radiação e a precipitações, exposição à radiação ultravioleta da luz solar devida ao empobrecimento da camada de ozônio e ação deletéria de gases tóxicos desprendidos pela combustão de materiais sintéticos.

Terminada a reunião dos especialistas em ciências físicas, o Dr. Raven convocou um grupo de biólogos, juntamente com dez dos cientistas presentes à reunião anterior, para examinarem os impactos potenciais das condições de pós-guerra nuclear nos sistemas de sustentação vital da Terra. Foram considerados a escuridão prolongada e alterações climáticas extremas, e os respectivos efeitos sobre o fitoplâncton e o zooplâncton, sobre outras formas vivas vegetais e animais e sobre a agricultura. Trocaram-se idéias sobre os efeitos sinérgicos das condições de pós-guerra nuclear sobre elementos de ecossistemas marinhos, de água doce e terrestres. Analisaram-se os efeitos sobre a vida,animal e vegetal da exposição prolongada a radiação ionizante e à luz ultravioleta. Outras discussões centraram-se na interrupção em grande escala dos serviços normais de ecossistemas naturais, imprescindíveis à sustentação da vida humana e da sociedade, inclusive a produção de alimentos para o homem bem como para os animais de criação e para os

(8)

animais selvagens; clima e condições de tempo; eliminação de resíduos e reciclagem de fertilizantes; preservação do solo e controle de pragas das lavouras. Ao deixarem as reuniões de Cambridge, os biólogos estavam todos de acordo em que esses efeitos sobre a biosfera podiam ser devastadores num grau anteriormente não previsto, e haviam concluído que não se podia afastar a possibilidade de os efeitos biológicos a longo prazo de uma guerra nuclear virem a acarretar a exterminação da humanidade e da maior parte das espécies selvagens do planeta.

Com a afirmação dos cientistas congregados de que a análise era válida, e de que as condições tinham de ser encaradas com muita seriedade, o Comitê de Orientação decidiu levar avante os planos para a Conferência, e trinta e uma instituições ou organizações científicas, ambientais e populacionais, nacionais e internacionais, dispuseram-se a contribuir para patrociná-Ia:

Amigos da Terra

Associação das Nações Unidas dos Estados Unidos da América Associação Nacional dos Professores de Ciências

Causa Comum

Centro de Ligação do Ambiente Coalizão Global Amanhã

Conselho de Defesa dos Recursos Naturais Consórcio de Terras Públicas

Crescimento Demográfico Zero

Federação Americana de Paternidade Planejada Federação Canadense da Natureza

Federação dos Cientistas Americanos

Federação Internacional de Institutos de Estudos Superiores

(9)

Fundo de Defesa Ambiental

Instituto Americano de Ciências Biológicas Instituto do Espaço Aberto

Instituto de Política Ambiental Instituto de Recursos Mundiais O Instituto de Ecologia (TIE)

Programa do Ambiente das Nações Unidas Sierra Club

Smithsonian Institution

Sociedade Americana de Microbiologia Sociedade Ecológica da América

Sociedade do Mundo Silvestre Sociedade Nacional Audubon União dos Cientistas Engajados

União Internacional de Ciências Biológicas

União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais

Universidade das Nações Unidas

Durante o verão de 1983, um grupo de vinte biólogos sob a direção do Dr. "Ehrlich ampliou a definição dos efeitos das alterações do clima sobre a biosfera.Nesse mesmo intervalo, o grupo TTAPS aprimorou seus dados e entregou-os à publicação científica. E nesse ínterim, na União Soviética, o Dr. Vladimir V. Aleksandrov, do Centro de Computação de Modelagem de Climas da Academia de Ciências da URSS em Moscou (um dos cientistas que participaram das reuniões de Cambridge), comprovou as principais projeções do estudo TTAPS através de modelos de computador por ele próprio elaborados.

Cerca de seis semanas antes da Conferência, Allen, do Comitê de Orientação, em conversa com Kim Spencer e Evelyn Messinger da Internews, desenvolveu a idéia de adicionar uma nova dimensão à Conferência

(10)

aproveitando a tecnologia disponível de um link bidirecional de satélite com cientistas soviéticos em Moscou. Allen, Spencer e Messinger propuseram-se organizar e produzir um programa de noventa minutos que permitiria a cientistas de alto nível dos Estados Unidos e da União Soviética debater as teses da Conferência sobre as conseqüências climáticas e impactos biológicos de uma guerra nuclear.

Spencer entabulou entendimentos com a Gosteleradio, a única rede de televisão da União Soviética, e Allen promoveu diversas comunicações pessoais de alto nível entre cientistas americanos e soviéticos com o fim de obter a participação de especialistas da Academia Nacional de Ciências da URSS.

Quando da abertura de O Mundo após a Guerra Nuclear, ou Conferência sobre as Conseqüências Biológicas Globais a Longo Prazo de uma Guerra Nuclear, em 31 de outubro, no Hotel Sheraton Washington em Washington, D.C., estavam presentes mais de quinhentos participantes e uma centena de representantes da mídia. Entre os participantes contavam-se cientistas e embaixadores ou outros representantes de mais de vinte países, bem como autoridades civis, educadores, conservacionistas e líderes religiosos, cívicos, empresariais, filantrópicos, diplomáticos, militares e de controle de armas vindos de todas as partes do território americano. A Conferência teve ampla cobertura dos meios de informação dos Estados Unidos, da União Soviética e de outros países.

A Conferência foi oficialmente encerrada com a fala do Dr. Roberts (ver p. 183), mas quase ninguém deixou o recinto. Pois, naquele ponto, os participantes se reuniram para o histórico evento subsidiário que foi a Conexão Moscou. Era a primeira vez que as comunicações por satélite eram usadas para pôr em contato, ao vivo, um

(11)

grupo de cientistas de Moscou com um grupo de cientistas nos Estados Unidos para um amplo intercâmbio de informações científicas.

Às 4h da tarde, hora de Moscou (8 da manhã em Washington), de 1º. de novembro, as exposições de Sagan e Ehrlich no dia da abertura foram transmitidas para um grupo de cientistas soviéticos, que a seguir se reuniram para discutir seus comentários. Às 10 da noite, hora de Moscou, teve início a Conexão Moscou entre o grupo soviético, reunido num estúdio de TV em Moscou, e quatro cientistas norte-americanos num salão de conferências em Washington.

Os participantes do grupo americano eram o Dr. Thomas Malone, diretor emérito do Instituto de Pesquisas Holcomb, da Universidade Butler, Paul Ehrlich, Walter Orr Roberts e Carl Sagan. Os principais debatedores em Moscou eram o acadêmico Yevgeniy Velikhov, vice-presidente da Academia de Ciências da URSS, Yuri Israel, membro da mesma Academia e chefe da Comissão de Hidrometeorologia e Controle do Meio Ambiente, Alexander Bayev, especialista em biologia e genética molecular, secretário do Departamento de Fisiologia Biofísica, Bioquímica e Química da Academia de Ciências da URSS, e Nikolai Bochkov, acadêmico da Academia de Ciências Médicas e diretor do Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS.

Durante os noventa minutos do link de satélite, os cientistas soviéticos e americanos trocaram perguntas e comentaram trabalhos em curso. E alguns dados sobre efeitos de uma guerra nuclear obtidos pelos soviéticos complementaram e ampliaram as exposições feitas na Conferência.

Georgiy Skryabin, primeiro-secretário científico da Academia de Ciências da URSS, expressou sentimentos "ambivalentes". "Por um lado", disse Skryabin, "há o

(12)

sentimento de grande preocupação com respeito à possível tragédia que nos defronta, que paira sobre todos nós mulheres, crianças, velhos, e sobre toda a vida da Terra. Por outro, há nesta Conferência um grande motivo de satisfação, que é o fato de que os grandes cientistas aqui presentes - nossos colegas americanos e cientistas russos - chegaram a um consenso. Estão todos unidos na opinIão de que não deve haver uma guerra nuclear, de que esta significaria desastre e morte para a humanidade. Eu, pessoalmente, sinto-me contente e confortado com isso, pois hoje em dia a autoridade dos cientistas é considerável, e todos nós devemos procurar fazer valer nossa influência para pôr um termo à corrida armamentista, para que não venha a ocorrer jamais uma guerra nuclear".

Alexander Kuzin, membro correspondente da Academia de Ciências da URSS, declarou: "É assim responsabilidade direta dos cientistas da União Soviética e dos Estados Unidos levar ao conhecimento de todos os enormes perigos que acompanhariam a deflagração de qualquer espécie de conflito nuclear, de modo a prevenir a própria possibilidade de uma guerra nuclear, que sem dúvida nenhuma não só resultaria na ruína da atual civilização senão que ameaçaria a vida como tal neste planeta que amamos." Quando a Conexão Moscou se aproximava do final, Malone observou que a troca de opiniões proporcionada pela Conferência "poderá vir a ser vista em anos vindouros - justificadamente - como a virada decisiva nos rumos da humanidade, e haverá de elevar o nível de consciência entre os condutores da política".

Como seguimento à Conferência, foi fundado em Washington, D.C., o Centro de Conseqüências da Guerra Nuclear, com o fim de dar continuidade à disseminação

(13)

das conclusões da ciência. Através do Centro, estão sendo postos à disposição dos interessados materiais impressos e audiovisuais sobre as conseqüências climáticas e biológicas de uma guerra nuclear. O endereço do Centro é: 3244 Prospect Street, NW, Washington, D.C., 20007.

ADVERTÊNCIA

LEWIS TROMAS, M.D.

As descobertas científicas descritas neste livro poderão vir a revelar-se, num mundo que tenha a boa sorte de continuar a sua história, como tendo sido os mais importantes resultados de pesquisa em toda a longa história da ciência.

A primeira descoberta já é largamente conhecida na comunidade científica de climatologistas, geofísicos e biólogos aqui e no estrangeiro, e foi confirmada em detalhe por cientistas soviéticos das mesmas áreas. Modelos de computador demonstram que uma guerra nuclear envolvendo o emprego de uma simples fração do total das bombas americanas e russas poderia transformar o clima de todo o Hemisfério Norte, mudando-o bruscamente do seu presente estado sazonal para uma longa noite escura e gélida. Esta será seguida, passados alguns meses, pelo assentamento da poeira e fuligem nucleares, e depois por uma espécie nova e maligna de luz solar com proporção aumentada da sua faixa ultravioleta, potencialmente capaz de cegar muitos dos animais terrestres. O ozônio da atmosfera, que normalmente protege a Terra da perigosa radiação ultravioleta, seria substancialmente reduzido por uma guerra nuclear. Nas mesmas pesquisas, novos cálculos da extensão e intensidade das precipitações radioativas indicam a exposição de grandes extensões de território a

(14)

níveis de radiação muito mais altos do que se julgava. O relatório é conhecido como TTAPS, sigla derivada dos nomes dos pesquisadores: Turco, Toon, Ackerman, Pollack e Sagan.

O segundo trabalho, elaborado por Paul R. Ehrlich e outros dezenove biólogos respeitados, demonstra que as predições do TTAPS significam nada menos que a extinção de grande parte da biosfera terrestre, muito possivelmente envolvendo o Hemisfério Sul tal como o Norte.

Em conjunto, essas duas descobertas mudam radicalmente as perspectivas de um conflito termonuclear. Elas foram submetidas a um exame crítico minucioso por cientistas representantes das disciplinas envolvidas, aqui e em outros países. Estudos paralelos e suplementares vêm sendo feitos, e já se evidencia um grau de concordância inusitado com respeito aos pormenores técnicos e às conclusões tiradas. Na opinião de alguns juízes, o relatório TTAPS teria até talvez minimizado os danos climatológicos implicados pelos dados. O relatório dos vinte biólogos, sumariado pelo Professor Ehrlich, representa o consenso a que chegaram quarenta especialistas em ciências biológicas num simpósio realizado em Cambridge, Massachusetts, na primavera de 1983.

É um mundo novo, a demandar uma nova diplomacia e uma nova lógica.

Até aqui, a comunidade internacional de estadistas, diplomatas e analistas militares tem-se inclinado a encarar a perspectiva de uma guerra nuclear como um problema unicamente dos adversários possuidores das armas. O controle de armamentos e as negociações intermináveis visando à redução dos explosivos nucleares têm sido considerados responsabilidade, e até prerrogativa, das poucas nações em confronto definido.

(15)

Agora tudo isso mudou. Nenhum país da Terra está livre do perigo da destruição se duas nações quaisquer, ou grupos de nações, se aventurarem num reencontro nuclear. Se a União Soviética e os Estados Unidos, e seus respectivos aliados do Pacto de Varsóvia e da OTAN, se pusessem a lançar seus mísseis além de um mínimo dúbio e ainda indeterminado, estados neutros como a Suécia e a Suíça sofreriam os mesmos efeitos dilatados, a mesma morte lenta que os participantes diretos. A Austrália e a Nova Zelândia, o Brasil e a África do Sul, têm quase tanto por que se preocupar quanto a Alemanha Ocidental se uma conflagração em grande escala se verificar no extremo norte.

Até aqui, todos temos tendido a ver num conflito com armas nucleares um esforço de um par de opositores de resolver pendências como domínio territorial ou disputa ideológica. Agora, com os novos conhecimentos diante de nós, ficou claro que qualquer território conquistado será ao cabo um deserto estéril, e que qualquer ideologia será consumida na morte da civilização e na perda permanente da memória humana da cultura.

Até agora, os riscos de uma guerra dessa espécie foram convencionalmente calculados pelo número de mortos de um e de outro lado ao final da batalha, soldados e não-combatentes somados. As expressões "aceitável" e "inaceitável", significando tantos ou tantos milhões de baixas humanas, têm sido utilizadas para estabelecer julgamentos frios sobre a necessidade de novos e mais precisos sistemas de armas. Daqui por diante, as coisas são diferentes. É desnecessário falar da estimativa inquestionável de que em um conflito total de, por exemplo, 5.000 megatons, algo como um bilhão de pessoas morreriam imediatamente por ação das explosões, do calor e da radiação. Por outro lado é desnecessário citar o fato provável de que outro bilhão

(16)

viria a morrer depois, em conseqüência dos efeitos retardados sobre os sistemas de sustentação vital e da precipitação radioativa.

Algo mais terá acontecido ao mesmo tempo, algo em que os seres humanos deveriam ver um risco igual ao da perda de suas vidas. O complexo, coerente, belamente organizado ecossistema da Terra - aquilo que alguns denominam biosfera e a que outros chamam natureza - terá sofrido um golpe mortal, ou quase. Algumas de suas partes hão de persistir, é razoavelmente certo, e a vida do planeta irá continuar, mas talvez unicamente em nível comparável ao que existia por volta de um bilhão de anos atrás, quando os procariontes (criaturas semelhantes às bactérias atuais) se uniram em combinações simbióticas e criaram as células nucleadas de que nós somos sem dúvida os descendentes diretos.

A última grande extinção de vida planetária ocorreu há cerca de 65 milhões de anos, quando os dinossauros e inúmeras outras criaturas terrestres e marinhas desapareceram simultaneamente. Supõe-se geralmente que esse evento tenha sido provocado por uma vasta explosão de pó, que teria escurecido o sol por um período longo o bastante para deter a fotossíntese, provavelmente em conseqüência da colisão de um asteróide com a Terra. É esse gênero de evento que predizem os modelos usados nestes estudos.

A persistência e multiplicação de armas nucleares, a provável proliferação de tais armas em outros países que hoje não as possuem, e os esforços bloqueados, adiados e fracassados de livrar-nos dessas ameaças à vida do planeta, inclusive à nossa própria, parecem-me hoje uma ordem de problemas diferente do que parecia até recentemente. Já não é um assunto de política, a ser deixado à sensatez e previdência de uns poucos estadistas e de uns poucos chefes militares, nuns poucos

(17)

Estados nacionais. É um impasse global, que envolve toda a humanidade.

Minha esperança agora é que a comunidade científica internacional em todos os países analise cuidadosamente os dados e conclusões a que chegamos, que amplie esses estudos de todas as maneiras que possa imaginar e que aconselhe seus governos adequadamente e insistentemente. E espero que os jornalistas do mundo achem modos de informar os cidadãos da Terra, em detalhe e reiteradamente, sobre os riscos futuros.

Já não temos escolhas a fazer ou as opções de alguns meses atrás a questionar. Simplesmente temos de parar, e logo, e livrar a Terra de uma vez por todas dessas armas que na verdade não são armas, senão instrumentos de pura danação. No pé em que estão as coisas, nós colocamos em perigo muito mais que a humanidade em si. Arriscamos infligir um dano permanente à vida de toda a admirável criação.

A coisa mais linda que já vi numa fotografia, em toda a minha vida, é o planeta Terra visto da Lua, suspenso no espaço, evidentemente vivo. Embora à primeira vista ele pareça feito de uma multiplicidade de coisas vivas diferentes, melhor reparando, cada peça que nele trabalha, nós inclusive, está ligada por interdependência a todas as demais. Segundo um modo de dizer, é o único ecossistema autenticamente fechado que nos é dado conhecer. Em outras palavras, é um organismo. Nasceu, calcula-se, há 3,8 bilhões de anos, e eu lhe desejo feliz aniversário e uma longa existência futura, para os nossos filhos, e os seus netos, e os netos de seus netos.

Tenho em alta conta a nossa espécie, com todo o seu verdor e imaturidade como membro da biosfera. Na escala do tempo evolutivo, nós só chegamos alguns instantes atrás e ainda temos muito que crescer. Se formos bem-sucedidos, podemos tornar-nos uma espécie

(18)

de mente coletiva da Terra, o pensamento da Terra. No momento, apesar da nossa juventude como espécie, somos sem dúvida a mais engenhosa e inteligente das peças componentes do sistema. Confio em que teremos a vontade de continuar funcionando, e de manter o melhor que possamos a vida do planeta. Por isso, vejo estes relatórios não apenas como uma advertência, mas também, se devidamente divulgados e reconhecidos a tempo, como uma extraordinária boa nova. Acredito que a humanidade como um todo, conhecendo a verdade dos fatos, saberá o que tem de ser feito com as armas nucleares.

Mas se os fatos permanecerem obscuros, ou forem erroneamente tomados por fantasias teóricas arcanas, que se podem calmamente desprezar, nesse caso não vejo esperança para nós.

INTRODUÇÃO

DONALD KENNEDY

Este não é um assunto agradável. Em primeiro lugar, as conseqüências de uma guerra nuclear são realmente pavorosas, e não é nada divertido dizer às pessoas que são mais pavorosas ainda do que lhes disseram antes. Depois, infelizmente não existe uma saída simples para as dificuldades em que nos colocam as armas nucleares - embora alguns teimem que existe. Ao contrário, há uma necessidade contínua de lidar com o perigo, e de enfrentar uma política de segurança nacional que se mostra terrivelmente refratária ao raciocínio lógico. É nessas circunstâncias desanimadoras que se discutem as conseqüências biológicas a longo prazo de uma guerra nuclear.

Antes de começar, quero levar ao conhecimento do leitor algumas qualificações que me faltam para o meu papel

(19)

de introdutor, e em seguida expor uma ou duas convicções. Não sou um veterano do movimento anti-nuclear, nem tenho experiência em matéria de desarmamento ou de controle de armas. Ademais, é com prazer que deixo a outros a proficiência técnica na disciplina inexata que é a estratégia nuclear - a base tecnológica e aleatória da détente. Quanto às convicções, devo dizer que conservo a crença antiquada de que continuaremos a necessitar de um organismo de defesa no país, de que, queiramos ou não, as armas nucleares continuarão por algum tempo a exercer uma função integrante na nossa estratégia de segurança nacional e na de outros, e de que, em vista disso, teremos de seguir nos esforçando em compreender tais armas se quisermos finalmente controlá-Ias e negociar racionalmente com a outra parte.

Estas revelações devem mostrar, penso eu, que não sou nem uma fonte técnica indicada para uma conferência de controle de armamentos, nem um candidato promissor a chefe de claque num comício pela paz. Este volume não se destina a refletir nenhum desses propósitos. É, sim, um relatório de análises científicas sérias das conseqüências de uma guerra nuclear. E para introduzir esse assunto eu tenho uma perspectiva que imagino relevante. Durante um período em que prestei serviços ao governo, chefiei um órgão de regulação que se ocupava em grande parte com os perigos ligados a produtos químicos tóxicos, e de modo mais geral com as conseqüências da introdução prematura de novas tecnologias. No curso daqueles anos, e nos tempos imediatamente precedentes e seguintes, estive intimamente envolvido em atividades de estimativa de riscos: avaliação das conseqüências do uso de defensivos agrícolas, definição de tolerâncias para contaminação por poluentes industriais, estimativa de

(20)

efeitos de aditivos alimentares, etc. Nessa função, era uma preocupação considerável a forma de estimar os riscos, tanto mais em circunstâncias em que os dados são necessariamente incompletos.

Creio que três lições tiradas dessa experiência são aplicáveis ao assunto em pauta. Primeiro, um dos grandes desafios da metodologia de avaliação de riscos é formular decisões com o máximo de segurança possível em face de grandes incertezas. Para levar a bom termo esse princípio, é essencial que se tenha tanta consciência daquilo que não se sabe quanto daquilo que se sabe.

Esse desafio torna-se muito mais difícil pela atitude do público em relação ao risco. É esta a segunda lição: as pessoas são ambivalentes com respeito ao risco. Aplicam-se enormes recursos pessoais e sociais na salvação de uma vida identificada em perigo, mas consigna-se muito menos para proporcionar uma proteção estatisticamente muito maior a indivíduos não identificados da população global. Aprovamos entusiasticamente leis que previnem riscos involuntários de pequena monta; mas as revogamos prontamente se elas restringem liberdades pessoais. Em suma, não hesitamos em gastar grandes somas para tirar uma garotinha do poço em que ela caiu, mas relutamos em diminuir o limite de velocidade, ou até em proibir certos produtos cancerígenos se eles são do agrado das pessoas.

Essa ambivalência torna-se ainda mais definida quando a probabilidade e a gravidade dos riscos são consideradas separadamente. Há uma diferença de atitudes em relação a riscos estatísticos modestos amplamente distribuídos, como o aumento de mortes por câncer devido a uma toxina ambiental, e a riscos de baixa probabilidade com conseqüências desastrosas generalizadas, como um conflito com armas nucleares. Embora estejamos apenas

(21)

começando a desenvolver uma ciência das atitudes humanas com respeito à aversão ao risco, os resultados até aqui obtidos sugerem que as pessoas tratam eventos de baixa probabilidade com conseqüências altamente negativas de um modo que se afasta acentuadamente das opções que seriam de prever com base nas teorias correntes de "expectativa utilitária". Tais pesquisas podem vir a revelar alguma coisa de grande utilidade sobre as atitudes da população em relação à guerra nuclear. E podem ser mais importantes ainda no que toca à questão crucial de como os responsáveis pelas decisões, nos terríveis últimos momentos, irão decidir. A terceira e última lição que me seria dado tirar do domínio mais convencional da estimativa de riscos tem a ver com a escala de tempo em que nós reconhecemos as conseqüências. Aqui a analogia com o mundo das substâncias tóxicas é de fato perfeitamente exata.

Quando, depois da guerra, a revolução da indústria química começou a causar preocupação com os riscos humanos ligados a substâncias tóxicas, a preocupação era quase inteiramente limitada aos efeitos imediatos ou "agudos". Os primeiros programas de ensaios criados para avaliar esses perigos foram os chamados testes LD50, que mediam a quantidade de um determinado composto que se constituía em dose letal para 50 por cento dos organismos utilizados no teste. Mais tarde, foi-se aos poucos chegando à conclusão de que os efeitos "crônicos" à longo prazo - a possibilidade de produzir câncer, ou de aumentar a propensão de um indivíduo para cardiopatias e infarto, ou de gerar defeitos congênitos na prole - eram muito mais importantes, e inteiramente impossíveis de medir empregando os testes usuais de curto prazo. A subseqüente experiência confirmou que esses riscos crônicos são muitíssimo mais sérios que os agudos, e hoje em dia não passa pela

(22)

cabeça de ninguém avaliar a segurança de uma substância nova sem realizar experiências de longa duração para avaliar o seu potencial carcinogênico, efeitos fetais, etc.

É a posição em que nos encontramos com respeito à guerra nuclear: estamos começando a compreender os efeitos retardados - os equivalentes, para o ambiente, do câncer, das cardiopatias, do infarto.

Agora quero chamar atenção para um aspecto central na evolução dos nossos conhecimentos sobre as conseqüências de uma guerra nuclear: é o caráter errático e acidental das nossas descobertas. O que sabemos hoje, e é certamente bem menos do que desejaríamos saber, chegou-nos em grande parte através de revelação não planejada, e não por estudo sistematizado. Em decorrência das armas detonadas sobre cidades japonesas no final da Segunda Grande Guerra, tivemos uma triste verificação de efeitos agudos - a devastação causada pela explosão primária e pelas ondas de choque e o impacto da radioatividade local em seres humanos. Mas só depois dos testes do Atol de Biquini em 1954 foi que ficamos sabendo dos perigos de contaminação a distância por precipitação radioativa após transporte atmosférico. Ainda hoje, quase três décadas passadas, causa-nos espanto a magnitude e alcance do fenômeno. Por exemplo, o famoso vazamento de radiação de um reator avariado em Three Mile Island - incidente que gerou desassossego generalizado e centenas de páginas de depoimentos no Congresso - depositou menos de um décimo da quantidade de radiação (em forma de 131 I) depositada na mesma região da Pensilvânia pela precipitação da nuvem produzida pelo teste de uma única bomba na China dois anos antes. Entre outras descobertas tardias e fortuitas

(23)

estão os efeitos no cinturão de Van Allen, o pulso eletromagnético (EMP) e seus efeitos nas comunicações eletrônicas e, mais recentemente, a injeção de NOx (óxidos de nitrogênio) na camada de ozônio. Discorrendo sobre esses eventos, um observador fez o seguinte comentário: "A incerteza é uma das principais conclusões... como acentua a derivação acidental e imprevista de muitas das nossas descobertas." Essas palavras não foram escritas por um crítico acadêmico da política governamental: são de um atual subsecretário da Defesa do governo Reagan.

A conclusão é clara, e não muito tranqüilizadora. Nós temos de aprender a esperar o inesperado. A presente Conferência coloca-nos bem no meio de outro e ainda mais momentoso conjunto de revelações sobre os riscos crônicos ligados a uma guerra nuclear. Num sentido importante, a genealogia desta Conferência começa com o trabalho extraordinário da organização denominada Médicos pela Responsabilidade Social. Eles fizeram as primeiras avaliações quantitativas das circunstâncias médicas que prevaleceriam imediatamente após um ataque nuclear, e demonstraram a insuficiência das atuais instituições, programas e planos médicos para avir-se com essas circunstâncias. Tais revelações levantaram sérios questionamentos com respeito a toda a estrutura da prontidão da defesa civil e lançaram graves dúvidas sobre as asserções confiantes dos planejadores da defesa de que a recuperação após um conflito nuclear poderia completar-se num número de anos relativamente curto.

Os resultados expostos nesta Conferência sumariam análises científicas mais sérias das conseqüências ecológicas e climatológicas duradouras de um conflito nuclear. Em particular, anteriormente os riscos ecológicos receberam pouquíssima atenção na avaliação de

(24)

estratégias nucleares. Estudos mais antigos feitos sob o patrocínio do Departamento da Defesa (por exemplo, o de Mitchell) consistiam em pouca coisa mais que analogias com cataclismos naturais. O resumo final do estudo Rand de Mitchell é ilustrativo: "Destruições em grande escala produzidos por incêndios, secas, enchentes e outras catástrofes já defrontaram o mundo com problemas de reconstrução e reconstituição de comunidades bióticas, semelhantes aos que se prefiguram para o meio ambiente de pós-ataque." De que modo essa similaridade possa ser de serventia na avaliação dos riscos efetivos, deixo ao leitor imaginar.

Na verdade, não é de todo justo condenar aqueles primeiros estudos: nossa visão atual é mais clara e mais sinistra em virtude de uma série de razões. Primeiro, certas verificações recentes (por exemplo, a sensibilidade de alguns ecossistemas a chuvas ácidas, e em particular a sensibilidade das plantas à radioatividade e à temperatura) foram no sentido de piorar as previsões. Segundo, nossa visão geral da complexidade e sutileza dos sistemas ecológicos mudou profundamente ao longo das duas últimas décadas; hoje compreendemos de forma muito mais completa a sua fragilidade. Por fim, o número e a precisão dos nossos sistemas de armamentos mudaram de tal modo que podem ampliar o caráter altamente destrutivo de um conflito armado.

É surpreendente, portanto, que ainda hoje estejamos recebendo informações tranqüilizadoras baseadas em estimativas há muito superadas. Órgãos de emergência distribuem ainda hoje um folheto redigido em 1979 pela Agência de Prontidão da Defesa Civil. Nele lê-se a seguinte conclusão, em moldes idênticos à da metáfora do relatório de 1963: "Nenhum peso lógico de ataque nuclear poderia induzir no equilíbrio natural transformações de vulto que se aproximassem em

(25)

espécie ou grau das que a civilização humana até aqui já produziu." Ainda que fosse verdade que a magnitude das transformações ecológicas provavelmente resultantes do maior ataque nuclear admissível fossem menores do que as produzidas pela civilização humana ao longo de toda a sua história, existe certamente uma enorme diferença entre o impacto de grandes mudanças deflagradas em milissegundos e as que se consumaram ao longo de milênios.

Em outro trecho, o mesmo folheto cita do estudo de 1963 da Academia Nacional de Ciências e informação reconfortante de que “não são de esperar desequilíbrios ecológicos capazes de impossibilitar a vida normal". Não há qualquer menção a um estudo muito mais recente da mesma Academia sobre os efeitos mundiais à longo prazo de múltiplas detonações de armas nucleares. Este último relatório é de 1975, quatro anos antes da elaboração dó folheto da Agência de Prontidão. Suas conclusões são muito mais sombrias, como era de esperar: os efeitos dos óxidos de nitrogênio sobre a camada de ozônio foram reconhecidos, e as perspectivas de alterações climáticas foram mais seriamente levadas em conta. No entanto, o governo, prestando contas aos seus cidadãos, contornou a informação mais recente para promover um falso sentimento de tranqüilidade com base numa fonte ultrapassada. É de preocupar quando se usam dados obsoletos para informar decisões de política geral.

Por si mesmas, as estimativas ecológicas da Academia dão margem substancial a uma apreensão ainda maior. Mas parece-me oportuno acentuar que os dados novos mais impressionantes apresentados nesta Conferência, na verdade os mais inquietantes dentre todos os efeitos crônicos potenciais de uma guerra nuclear até hoje enumerados, são as perspectivas de seqüelas climáticas

(26)

de vulto. Tais seqüelas são de tal modo profundas que provavelmente eclipsariam todos os demais efeitos retardados até hoje conhecidos.

Esta nova ótica resulta em parte de um novo paradigma geral de pensamento científico sobre os processos que influenciaram a história da Terra e moldaram-lhe a forma atual. No século XVIII e início do XIX, acreditava-se que as grandes formações terrestres houvessem resultado de processos catastróficos, infligidos à Terra e seus ocupantes por um Criador iracundo. Uma revolução importante contra esse modo de ver, encabeçada pelo geólogo inglês Charles Lyell, reconheceu a importância de processos graduais como a erosão, a sedimentação e a formação de recifes, e substituiu a concepção catastrofista por outra, baseada na doutrina do uniformitarismo. Hoje as ciências da Terra estão passando por uma segunda revolução, deflagrada pelas notáveis descobertas da tectônica de placas, e o acento voltou a incidir sobre eventos mais dramáticos. Cresce progressivamente a convicção de que grandes intervenções descontínuas como erupções vulcânicas e colisões de asteróides tiveram efeitos profundos na história da Terra e da vida nela existente. Uma hipótese particularmente cativante, por exemplo, é a de que a colisão de um asteróide com a Terra há 65 milhões de anos, e a nuvem de poeira atmosférica que ela produziu, persistindo durante longo tempo, levou a alterações climáticas que acarretaram as extinções em massa do final do período cretáceo. Quando pela primeira vez anunciada, a idéia de que os dinossauros teriam morrido no escuro evocou um grande ceticismo por parte dos biologistas meus

colegas. Hoje, porém, é largamente admitido que eventos significantes da mesma natureza, ainda que não da mesma magnitude, têm ocorrido no tempo histórico por

(27)

obra de erupções vulcânicas. "Anos sem verão" registrados em anais antigos associam-se no tempo a depósitos glaciais de chuvas ácidas, por exemplo, e aberrações meteorológicas mais contemporâneas foram ligadas a erupções como a do EI Chichón, no México, há dois anos.

Conclusões como essas tornaram-nos muito mais cônscios da sensibilidade do clima do mundo a perturbações repentinas. Sabe-se, faz algum tempo, que explosões nucleares podem introduzir poeira e aerossóis em circulação duradoura na alta atmosfera. Cálculos recentes indicam que incêndios de grandes dimensões acresceriam um efeito sinérgico, suprindo partículas adicionais e aumentando substancialmente as forças de convecção que injetam materiais na circulação da alta atmosfera. Essa nova informação tornou real pela primeira vez a probabilidade de que modificações de temperatura e luz ambiente, prolongando-se por várias estações no Hemisfério Norte, podem resultar de um conflito nuclear em grande escala. É uma atuação de alarmante gravidade.

Consideradas em conjunto, todas essas informações deveriam suscitar uma mudança radical no modo que nós como cidadãos avaliamos nossos riscos, e no modo que os nossos estrategistas nacionais os vêem. Já não é admissível pensar nas seqüelas de uma guerra nuclear em termos de minutos, de dias, ou sequer de meses. Seria como avaliar um produto tóxico, na época em que vivemos, em termos do que ele faz a uma pessoa em cinco minutos. O que ficamos sabendo a partir das coisas que os biólogos e físicos atmosféricos nos estão dizendo hoje é que a escala de tempo apropriada é anos, e que os processos que temos de considerar não nos são familiares nem em espécie nem em escala. As estimativas de risco sobre as quais os nossos

(28)

estrategistas vêm trabalhando e que vêm citando aos nossos cidadãos são grosseiramente otimistas.

Antes de terminar, quero focalizar um outro aspecto da análise de riscos. É um aspecto que mencionei de passagem mais atrás: a noção de "racionalidade" por parte dos detentores do poder de decisão ao confrontar questões de probabilidade e gravidade de um risco. Não apenas há motivos para duvidar que esses indivíduos, confrontados com riscos de alta gravidade e baixa probabilidade, se comportem de acordo com padrões utilitários racionais de opção, como há precedentes históricos explícitos fazendo acreditar que se comportarão de modo mais político - e humano - do que aquele que o modelo do "agente racional" indicaria. Em seu excelente livro The Essence of Decision, Graham Allison analisa o tratamento pelo governo dos Estados Unidos da crise dos mísseis cubanos em 1962 do ponto de vista de diferentes modelos comportamentais. Ao lê-lo, é impossível fugir à conclusão de que nenhum chefe de Estado, nenhuma autoridade do governo, nenhum oficial militar superior se comporta como "agente racional" ao tomar decisões quando o destino de países e do mundo pende na balança. Estruturas burocráticas, lealdades políticas e antecedentes - além de outras não-linearidades comportamentais que mal estamos começando a sondar - desempenham papéis ponderáveis. No entanto a estrutura da prontidão militar e o equilíbrio estratégico fundam-se na expectativa de resposta racional e contra-resposta racional. A racionalidade será particularmente difícil de manter nos primeiros estágios de um conflito nuclear quando a incerteza e a necessidade de decisões rápidas predominarão. É por isso que se afigura tão improvável a chefes militares experimentados e a outros que uma guerra nuclear possa jamais manter-se limitada.

(29)

Seja como for, a avaliação de riscos deveria proceder-se sobre hipóteses de pior caso. É por isso que os cenários adotados pelos grupos de trabalho desta Conferência, como a maior parte dos demais, envolvem a detonação de frações consideráveis do arsenal nuclear do mundo. Mas há também uma razão adicional: a alta probabilidade de que, no contexto real das decisões de um confronto nuclear, será tão difícil confinar a retaliação e a reação que o curso esperado de um conflito dessa espécie é que ele prossiga sem limite.

Finalizando, quero especificar o que é novo e o que não é neste volume. É de extrema significação que um grande grupo de biólogos ilustres tenha chegado a um consenso refletido sobre as conseqüências ecológicas de um conflito nuclear. (Em geral não se faz idéia de como é difícil que biólogos, principalmente ilustres, concordem nalguma coisa.) O grupo que se ocupou dos efeitos atmosféricos e climáticos, em seu relatório conjunto, levanta algumas possibilidades desalentadoras com respeito a esses aspectos de um pós-guerra nuclear. Mas, como eu tentei ilustrar, essas descobertas são parte de um processo ordenado na evolução do pensamento científico, através do qual pouco a pouco viemos deslocando o foco de nossas atenções dos efeitos mais imediatos e mais óbvios para os mais complexos e duráveis. Essa transição desloca-nos também para uma zona em que os efeitos são possivelmente ainda mais sérios, posto que muito mais difíceis de estimar com precisão. De fato, a história do desenvolvimento da ciência nuclear e a complexidade de muitos dos efeitos de maior alcance de que aqui se tratará sugerem que a incerteza deveria ser uma advertência temática para os planejadores de políticas. O que as nossas projeções mais ponderadas mostram é que um choque nuclear em grande escala haverá de produzir, entre os seus muitos

(30)

efeitos plausíveis, as maiores convulsões biológicas e físicas deste planeta nos últimos 65 milhões de anos – um tempo mais de 30 mil vezes maior que o decorrido do nascimento de Cristo, e mais de 100 vezes o tempo de existência até aqui da nossa espécie. É preciso que a avaliação dos riscos prováveis se constitua num pano de fundo para todos aqueles que detêm a responsabilidade pelas decisões de segurança nacional, aqui e em outros lugares.

Assim como existe uma continuidade entre as descobertas atuais e os resultados de trabalhos científicos anteriores, quero ressaltar que existe igualmente uma continuidade entre as opiniões dos cientistas aqui apresentadas e as dos seus ilustres colegas não citados neste livro. E quero encerrar enfatizando as últimas, já que é fácil muitas vezes rejeitar más notícias desconfiando do mensageiro. Projeções anteriores sobre os efeitos retardados de uma guerra nuclear, baseadas nos conhecimentos então disponíveis, foram feitas em 1975 pela Academia Nacional de Ciências e em 1979 pela Comissão de Avaliação Tecnológica do Congresso. A Academia, que foi instituída por Abraão Lincoln para assessorar o governo dos Estados Unidos em assuntos científicos, é composta por quase mil e trezentos dos mais reputados cientistas do país. Em aditamento ao estudo de 1975 sobre efeitos a longo prazo, ela está procedendo a uma análise de conseqüências atmosféricas e climáticas, que esperamos venha ampliar e manter sob atenção as conclusões descritas nesta Conferência pelo Dr. Sagan. Em conseqüência dessa iniciativa, os membros da Academia, em abril do ano passado, aprovaram uma resolução insólita - insólita no sentido de que rompeu uma reserva habitual da Academia em assuntos que pudessem ser considerados objeto de controvérsia política. Embora este seja um livro de descobertas

(31)

científicas e não de recomendações de conduta, quero levar ao conhecimento dos leitores o julgamento firmado pelos meus colegas acadêmicos sobre a matéria, pelo que termino reproduzindo a Resolução da Academia Nacional de Ciências sobre Guerra Nuclear e Controle de Armamentos:

Considerando que a guerra nuclear é uma ameaça sem precedentes à humanidade;

Considerando que uma guerra nuclear total poderia eliminar centenas de milhões de vidas e destruir a civilização tal como a conhecemos;

Considerando que qualquer emprego de armas nucleares, inclusive em assim chamadas "guerras limitadas", muito provavelmente redundaria numa escalada para a guerra nuclear total;

Considerando que a ciência não aponta nenhuma possibilidade de defesa eficaz contra uma guerra nuclear e mútua destruição;

Considerando que a proliferação de armas nucleares em outros países com governos instáveis em áreas de alta tensão aumentariam substancialmente o risco de uma guerra nuclear;

Considerando que por mais de dois anos não houve progressos no sentido de obter limitações e reduções de armas estratégicas, quer através da ratificação do SALT II quer da retomada de negociações sobre armas nucleares estratégicas;

Fica resolvido que a Academia Nacional de Ciências pede ao presidente e ao Congresso dos Estados Unidos,

(32)

e aos poderes correspondentes da União Soviética e de outros países que têm um interesse similar nessas matérias vitais:

Que intensifiquem de modo considerável, sem precondições e com urgência, esforços no sentido de alcançar um acordo eqüitativo e comprovável entre os Estados Unidos, a União Soviética e outras nações que têm um interesse similar nessas matérias vitais;

Que acionem todos os meios práticos possíveis capazes de reduzir o risco de uma guerra nuclear por acidente ou erro de interpretação;

Que adotem todos as medidas práticas para inibir a proliferação continuada de armas nucleares em outros países;

Que sigam observando todos os acordos existentes de controle de armamentos, inclusive o SALT II; e

Que evitem doutrinas militares que considerem explosivos nucleares como armas de guerra comuns.

A ATMOSFERA E AS CONSEQÜÊNCIAS

CLIMÁTICAS DA GUERRA NUCLEAR

CARL SAGAN

Hoje é o Dia das Bruxas do ano que precede 1984, e sInceramente eu gostaria que o que irei dizer-lhes em seguida fosse apenas uma histÓria de fantasmas, apenas algo inventado para assustar crianças por um dia.

(33)

Infelizmente, não é uma simples história. Nossas últimas pesquisas revelaram o fato surpreendente de que uma guerra nuclear pode arrastar em sua esteira uma catástrofe climática, a que damos o nome de "inverno nuclear", sem precedentes durante a ocupação da Terra pelo homem.

Foi por acidente que esbarramos com esses resultados, por uma via tortuosa, por uma dessas circunstâncias não raras na ciência em que estudando alguma coisa pelo interesse puramente intelectual que ela oferece se é levado a conclusões de inesperada utilidade prática. Para mim, a coisa começou em 1971, com a exploração de Marte pela Mariner 9. A Mariner 9 foi a primeira espaçonave a orbitar ao redor de outro planeta. Os engenheiros do projeto garantiram que ela só funcionaria por três meses após a entrada em órbita. Chegando a Marte, a nave encontrou o planeta completamente coberto por uma tempestade global de pó. Ao fim de um mês, durante o qual foi fotografado um disco quase inteiramente desprovido de detalhes, passamos a alimentar sérios receios de que quando a poeira assentasse por completo, limpando a atmosfera marciana, a nave já estaria inoperante. Com efeito, a tempestade levou três meses para dissipar-se, mas a nave funcionou muito melhor do que disseram os engenheiros - e por todo o ano seguinte foi-nos dado examinar o planeta de um pólo a outro no primeiro reconhecimento orbital detalhado de outro planeta.

Durante aqueles três primeiros meses, pouca coisa houve a observar, além da poeira em suspensão. Havia a bordo da nave um instrumento chamado espectrômetro interferométrico de infravermelho, capaz de examinar a atmosfera em vários comprimentos de onda e assim sondar os diferentes níveis da atmosfera - desde as grandes altitudes até a superfície. Pudemos observar a

(34)

temperatura da atmosfera e a da superfície variarem com o tempo. Os resultados mostraram que a atmosfera estava consideravelmente mais quente do que é normalmente em Marte, e a superfície consideravelmente mais fria. À medida que a poeira assentava, a atmosfera foi arrefecendo e a superfície esquentando - ambas as temperaturas caminhando para os seus valores usuais, ou "ambientes" - Não foi difícil entender as razões disso. Os ventos haviam arrastado uma grande quantidade de poeira dos desertos marcianos para a atmosfera. A luz do sol fora absorvida pelo pó na alta atmosfera, que com isso se aquecera. Da mesma forma, a luz do sol fora impedida de alcançar a superfície, e esta esfriara. Um espectador em Marte teria observado, depois que a tempestade de poeira se desencadeou, o frio e a escuridão se propagando sobre a face do planeta. Após vários meses (a tempestade começara alguns meses antes da chegada da Mariner 9 a Marte), quase toda a poeira se depositara, e as condições voltaram ao normal. Essas tempestades de poeira são comuns em Marte, e por mais de um século têm sido observadas da Terra. Caracteristicamente, elas surgem sempre nos mesmos poucos locais do planeta, propagam-se primeiro em longitude, depois em latitude, e em questão de poucas semanas no máximo cruzam tipicamente o equador marciano, passando ao outro hemisfério. Ora, a pressão atmosférica na superfície de Marte é mais ou menos a mesma da estratosfera da Terra. Marte gira, como a Terra, uma vez em 24 horas, e o seu eixo de rotação é inclinado em relação ao seu plano orbital de um ângulo quase igual ao da Terra. Há, é claro, diferenças entre Marte e a Terra - entre elas a ausência de mares em Marte e o fato de ele estar mais afastado do Sol. Mas pareceu-nos que a experiência marciana podia ser relevante para a Terra.

(35)

Alguns de nós, tendo pouca coisa a ver nos primeiros três meses depois da entrada em órbita além da tempestade de poeira, ocupamo-nos em calcular o grau de aquecimento atmosférico e de esfriamento superficial para uma dada quantidade de poeira levantada. Um cálculo aproximado não era muito difícil, e vários diferentes grupos puderam determinar não só qualitativa como quantitativamente as mudanças de temperatura que a tempestade de poeira temporariamente produzira em Marte. Meus colegas (e ex-alunos) James B. Pollack e O. Brian Toon, ambos hoje no Centro de Pesquisas Ames da NASA, estavam ansiosos por aplicar esse repositório computacional a problemas terrestres. Aplicamo-nos a tentar compreender o que acontece com o clima da Terra quando um grande vulcão entra em erupção e distribui aerossóis estratosféricos à volta do planeta. Em alguns casos, conhecemos a quantidade de poeira introduzida na alta atmosfera, as dimensões das partículas de pó (em geral menos de um micro [um décimo milésimo de centímetro]) e a sua composição (geralmente ácido sulfúrico e silicatos). Como a estratosfera é muito seca, a chuva não remove esses aerossóis; e como a convecção na estratosfera é muito atenuada, os movimentos do ar não tendem a transportá-Ios para fora. Dessa forma, eles descem lentamente pelo próprio peso -lentamente porque as suas dimensões são muito reduzidas -, levando mais de um ano para que a estratosfera fique limpa. Ao mesmo tempo, existem medições, para muitas explosões vulcânicas, de um declínio pequeno porém definido da temperatura global - para todas as explosões vulcânicas dos últimos poucos séculos, um esfriamento de um grau ou menos. Verificamos que era possível calcular esses declínios de temperatura com razoável precisão; os métodos desenvolvidos para Marte, e desde então consideravelmente ampliados, funcionaram bastante bem

(36)

para a Terra.

Foi proposto então por Alvarez e outros que a extinção dos dinossauros e muitas outras espécies 65 milhões de anos atrás, no limite entre os períodos cretáceo e terciário, ter-se-ia dado devido à colisão com a Terra de um asteróide de 10 quilômetros de diâmetro, e a conseqüente efusão na atmosfera de enormes quantidades de poeira. Com o concurso de Richard Turco da R&D Associates de Marina deI Rey, Califórnia, Pollack e Toon calcularam que essa colisão teria acarretado um escurecimento e um esfriamento de grandes proporções. Devo frisar, no entanto, que a nossa tese sobre as conseqüências climáticas de uma guerra nuclear não está vinculada a essa explicação das extinções do cretáceo/terciário. Os dinossauros podem ter morrido de gripe sem afetar a validade das nossas conclusões.

Nós sabíamos, naturalmente, que explosões nucleares arremessam grandes quantidades de poeira fina na atmosfera, e durante anos havíamos falado em calcular os efeitos climáticos prováveis que daí adviriam. Num seminário realizado no Centro de Pesquisas Ames (dedicado em parte à questão da origem da vida), em 1981, decidimos dar andamento àquele estudo. Um ano mais tarde o nosso esforço recebeu novo impulso por obra de um trabalho muito interessante realizado por Paul Crutzen, do Instituto de Química Max Planck de Mogúncia, República Federal da Alemanha, e John Birks, da Universidade do Colorado. Crutzen e Birks tinham feito uma estimativa preliminar da quantidade de fumaça produzida pela queima de florestas e cidades que seria descarregada na atmosfera numa guerra nuclear. Evidentemente esta seria uma importante fonte adicional de partículas finas capazes de obscurecer a luz do sol. Chego assim à questão dos efeitos de uma guerra nuclear. As conseqüências imediatas da explosão de um

(37)

único artefato termonuclear são conhecidas e bem documentadas - radiação da bola de fogo, emissão primária de nêutrons e raios gama, deslocamento de ar e incêndios. A bomba de Hiroxima, que matou entre 100.000 e 200.000 pessoas, era um artefato de fissão com potência de cerca de 12 quilotons (o equivalente explosivo de 12.000 toneladas de TNT). Uma ogiva termonuclear moderna emprega um mecanismo mais ou menos parecido com o da bomba de Hiroxima como detonador - o "fósforo" que acende a fusão nuclear. Uma arma termonuclear americana típica pode ter uma potência em torno de 500 quilotons (ou 0,5 megaton, sendo um megaton o equivalente explosivo de um milhão de toneladas de TNT). Hoje existem muitas armas na faixa de 9 a 20 megatons nos arsenais estratégicos dos Estados Unidos e da URSS. A arma mais potente até hoje detonada tinha 58 megatons.

Armas nucleares estratégicas são aquelas projetadas para serem transportadas por mísseis lançados de bases terrestres ou de submarinos, ou por bombardeiros, até alvos situados nos territórios inimigos. Numerosas armas de potência aproximadamente igual à da bomba de Hiroxima são hoje reservadas para missões militares "táticas" ou "de teatro", ou são designadas "munições" e relegadas a mísseis ar-ar ou terra-ar, torpedos, cargas de profundidade e artilharia. Se bem que as armas estratégicas tenham em geral maior potência do que as armas táticas, nem sempre é este o caso Os modernos mísseis (por exemplo, Pershing 2, SS-20) e aviões (por exemplo, F-15, MIG-23) táticos ou de teatro têm raios de ação suficientes para tornar cada vez mais artificial a distinção entre armas "estratégicas" e ''táticas" ou "de teatro". Ambas as classes de armas podem ser expedidas por mísseis lançados de bases terrestres, do mar e de aviões, e por sistemas de alcance tanto intermediário

(38)

como intercontinental. Não obstante, pela contagem usual existem cerca de 18.000 armas termonucleares estratégicas e de teatro e um número igual de detonadores de fissão nos arsenais estratégicos americano e soviético, com uma potência total de cerca de 10.000 megatons. O número total de armas nucleares (estratégicas mais táticas e de teatro) nos arsenais dos dois países está próximo de 50.000, com uma potência somada de quase 15.000 megatons. Para simplificar, eliminaremos aqui a distinção entre armas estratégicas e de teatro e adotaremos, sob a rubrica "estratégicas", uma potência acumulada de 13.000 megatons. As armas nucleares do resto do mundo - principalmente Inglaterra, França e China - montam a muitas centenas de ogivas e algumas centenas de megatons de potência total adicional.

Ninguém sabe, é claro, quantas ogivas com que total de potência seriam detonadas numa guerra nuclear. Em decorrência de ataques a aviões e mísseis estratégicos, e em decorrência de falhas tecnológicas, é certo que menos que a totalidade do arsenal do mundo seria detonado. Por outro lado, é geralmente admitido, mesmo entre a maioria dos planejadores militares, que seria quase impossível conter uma "pequena" guerra nuclear antes que ocorresse uma escalada no sentido de incluir grande parte dos arsenais mundiais. (Fatores de aceleração são mau funcionamento de comandos e controles, falhas de comunicações, a necessidade de decisões instantâneas sobre os destinos de milhões de pessoas, medo, histeria e outros fatores referentes a uma guerra nuclear real, travada por homens de carne e osso.) Basta esta razão para que qualquer tentativa séria de estudar as possíveis conseqüências de uma guerra nuclear deva contemplar de preferência um conflito em grande escala, na faixa de 5.000 a 7.000 megatons -

(39)

entre aproximadamente um terço e metade dos estoques estratégicos do mundo -, e é o que várias investigações têm feito. Contudo, muitos dos efeitos adiante referidos podem ser deflagrados por guerras muito menores.

Aeroportos estratégicos, silos de mísseis, bases navais, submarinos no mar, fábricas e depósitos de armas, centros de comando e de controle civil e militar, instalações de detecção de ataque e alarme antecipado, etc., são objetivos prováveis ("ataque de contra-força"). Embora se declare com freqüência que cidades não seriam visadas per se, muitos dos objetivos acima referidos estão localizados nelas ou nos seus arredores, principalmente na Europa. Além disso, existe a classe dos alvos industriais ("ataque de contra-valor"). As modernas doutrinas nucleares requerem que instalações de "apoio bélico" sejam atacadas. Muitas dessas instalações são necessariamente industriais por natureza, e empregam uma força de trabalho de dimensões consideráveis. Quase sempre estão localizadas nas proximidades de grandes centros de transporte, de modo que matérias-primas e produtos acabados possam ser eficientemente transferidos para outros setores de indústria ou para tropas no campo. Assim, essas instalações são, quase por definição, cidades, ou se encontram perto ou no interior de cidades. Outros objetivos classificados como de "apoio bélico" podem ser os próprios sistemas de transporte (estradas, canais, rios, ferrovias, aeroportos civis, etc.), refinarias, depósitos e dutos de petróleo, usinas hidrelétricas e nucleares, emissoras de rádio e televisão, e assim por diante. Um ataque cruzado de contra-valor poderia assim envolver a quase totalidade das grandes cidades dos Estados Unidos e da União Soviética, e possivelmente a maior parte das grandes cidades do Hemisfério Norte. Existem no mundo menos de 2.500 cidades com

Referências

Documentos relacionados

HST 7602 – História do Brasil Republicano II – Prof Alexandre Busko Valim HST 7603 – História de Santa Catarina – Profª. Cristina Scheibe Wollf HST 5907 – Tópico

Código Descrição Atributo Saldo Anterior D/C Débito Crédito Saldo Final D/C. Este demonstrativo apresenta os dados consolidados da(s)

O pescado é um importante constituinte da dieta humana, entretanto, a presença de parasitos pode constituir um risco à saúde pública, além de impor prejuízos econômico

Como eles não são caracteres que possam ser impressos normalmente com a função print(), então utilizamos alguns comandos simples para utilizá-los em modo texto 2.. Outros

Mas ele é ( verbo ser, no Presente do Indicativo ) apenas um gato e não tinha tido ( verbo ter, no Pretérito Mais-Que-Perfeito Simples do Indicativo ) tempo de aprender (

Todavia, nos substratos de ambos os solos sem adição de matéria orgânica (Figura 4 A e 5 A), constatou-se a presença do herbicida na maior profundidade da coluna

Apresento este procedimento no quarto capítulo e discorro sobre a questão de seus possíveis usos na clínica winnicottiana, a partir das contribuições de Aiello-Vaisberg (1999,

De forma mais específica, busca-se estabelecer parâmetros que nos permita melhor compreender tais influências no Brasil e na Colômbia, tendo como foco específicos dois