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EFETIVAÇÃO DE DIREITOS NO ACESSO À EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE AUSTERIDADE

2. EFETIVAÇÃO DE DIREITOS NO ACESSO À EDUCAÇÃO

Em Portugal, o recuo do Estado na educação no período 2011-2014 segue de perto o “Memorando de Entendimento sobre as Políticas de Condicionalidade Económica”, o qual ao nível da despesa previa a “racionalização do sector da educação e da rede de escolas” tendo em vista a poupança acumulada de 380 milhões.

Fonte: INE - Inquérito ao Emprego; INE - Contas Nacionais Anuais (Base 2011); PORDATA atualização 26/03/2019 (cálculos próprios).

Ao contrário do que afirmámos no paper publicado em 2015, este forte recuo do Estado na Educação (-18,1% entre 2011 e 2015) acaba por arrastar consigo atitudes de descrédito face ao real valor da educação por parte das famílias (ver figura 4). Isto sobretudo nos anos 2012 e 2013; registando-se uma recuperação (da despesa privada) desde então (a perda total neste ciclo resulta ainda assim num saldo global de despesas das famílias negativo, na ordem dos -11%).

Antecipando alguns dados presente na figura 8, no ensino superior, durante os anos de governação tutelada pela troika o número de inscritos passa de cerca de 396 mil e 300 estudantes para menos de 350 mil (correspondendo a uma quebra de cerca de 11,7%). Estas perdas foram consolidadas durante todo o ciclo de governação, apenas se invertendo com a viragem política, no final de 2015. Desde então, a recuperação consistente de inscritos ano a ano permitiu, para já, recuperar perto de 25.000 novos estudantes.

Desta forma, as políticas de austeridade seguidas no período da troika foram, de facto, fortemente penalizadoras de outros compro- missos que Portugal assumiu perante os seus parceiros europeus (em particular a Comissão Europeia). Nomeadamente, os compromissos que visavam o ajustamento estrutural dos perfis qualificacionais dos portugueses, capacitando-os para uma efetiva participação nas dinâmicas contemporâneas de uma “sociedade do conhecimento e da informação”.

Nesta análise, um dos indicadores utilizados para monitorizar a performance dos estados membros na concretização da Agenda 2020 é a evolução das taxas reais de escolarização. Estas dão-nos a proporção de jovens que participam no sistema escolar dentro da coorte geracional em que é esperada essa participação.

Figura 5. Taxa real de escolarização por nível de ensino

Fonte: INE e DGEEC/MEC; PORDATA atualização 26/03/2019 (cálculos próprios).

Num contexto em que o país assume a implementação da esco- laridade obrigatória para os 12 anos8, os dados apresentados na

figura 5 evidenciam os desafios significativos que Portugal atravessa neste domínio. E, sobretudo, dão conta dos efeitos, muito negati- vos, prolongados no tempo, da reversão das políticas de incentivo à escolaridade. A secundarização do compromisso de educação da população infantil e juvenil, acompanhada pelo fraco investi- mento na qualificação da população adulta (CNE, 2014; CANELAS; RAMOS, 2019) consubstancia, assim, um agravamento do risco de empobrecimento estrutural e incapacitação de reação futura.

No final do período em referência na figura 5 (2017), não somente não se atingiu ainda sequer 100% de escolarização real no ensino básico (3º ciclo), como permanece a tendência preocupante, já obser- vada no paper publicado em 2015 (ver Mauritti e outros 2015), de decréscimo da taxa de escolarização neste patamar inicial (-4,4 pontos

8 Lei 85/2009, de 27 de agosto. Estabelece o alargamento da idade de cumprimento da escolaridade obrigatória de 12 anos até aos 18 anos e consagra a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a partir dos cinco anos de idade.

percentuais). Isto ao mesmo tempo que se regista a recuperação quer do ensino médio (+5,1 p.p.), quer do ensino superior (+2,4 p.p.).

Figura 6. População com pelo menos o ensino médio, em

Portugal e na UE (25 a 34 anos e 25 a 64 anos)

Fonte: Eurostat, Inquérito ao emprego (junho 2019).

Como se pode confirmar na figura 6, os sinais de maior mobili- zação nas dinâmicas de escolarização, por parte de crianças e jovens, ao nível do ensino médio e superior não eliminam a distância, ainda muito expressiva, dos perfis de qualificação dos portugueses face aos padrões europeus (MARTINS et al, 2014; COSTA et al, 2015; MAURITTI et al, 2016). Sendo certo, porém, que na geração com 25 a 34 anos a rota de convergência (protagonizada de forma mais incisiva pelo género feminino) é muito evidente.

O abandono escolar9 é outro dos indicadores selecionados

no plano europeu para monitorizar o comportamento dos países relativamente aos compromissos assumidos na Agenda 2020. Nesta matéria a convergência com a Europa tem sido muito notória. No período de apogeu da crise, abrangido pelo programa de ajusta- mento económico e financeiro, Portugal manteve ritmos expressivos de diminuição do abandono escolar.

9 População com idade entre 18 e 24 anos, sem o secundário completo, que completou o 3.º ciclo de escolaridade ou não, e que não está inserida em qualquer programa de educação/ formação.

Desta forma, em termos globais, no ano 2018 a taxa de abandono escolar em Portugal rondava os 11,8% (14,7% para o sexo masculino), no início do período aqui em análise (2011) essa taxa ascendia a 23% (28,1% nos homens). Na Europa, no mesmo arco temporal esses patamares passam de 13,4% para 10,6% (situando-se, pois, acima do limiar de abandono precoce feminino em Portugal (figura 7). Os dados indicam que nesta matéria, o esforço de mobilização dos jovens na escolarização, mantém-se como um desafio essencialmente entre os rapazes, entre os quais permanecem ainda segmentos relevantes que continuam a ser excluídos de forma precoce do sistema (ÁLVA- RES et al., 2014; ALVAREZ; COSTA; CASTRO, 2014).

Figura 7. Abandono escolar precoce

Fonte: Eurostat, Inquérito ao emprego (junho 2019).

Assim, e apesar de a educação ou de forma mais abrangente a qualificação dos portugueses ser uma das áreas que apresenta melhorias expressivas, ao longo das últimas décadas, a verdade é que a evolução recente relativamente a alguns indicadores sugere que os riscos de reversibilidade de tendências, ainda que relativamente miti- gados, carecem da maior atenção. Isto especialmente em relação aos comportamentos e atitudes do segmento masculino, quer de forma mais abrangente em relação à população adulta como um todo.

É exemplo, a situação, já assinalada, de recuo de escolarização real desde logo, ao nível do ensino básico − muito coadjuvado também pelo número “excessivo” de retenções que se observam neste primeiro patamar de escolarização. Em Portugal existem atualmente mais de 150.000 alunos que ficam retidos no mesmo ano de escolaridade. De acordo com os dados do PISA 2012, cerca de 35% dos jovens portugueses com 15 anos tinham já sido retidos pelo menos uma vez, contra a média OCDE de 13%, e mais de 7,5% apresentam no seu percurso mais de uma retenção.10

Em relação ao ensino superior, não obstante o alargamento a que assistimos, em Portugal sobretudo a partir da segunda metade dos anos 80 e ao longo da década de 90, estamos ainda longe de ser “um país de doutores”. Este discurso tem sido amiúde veiculado como explicação e justificativo para a diminuição da participação do Estado neste nível de ensino (participação que também marcou forte presença no setor particular e cooperativo) ao longo do período da austeridade.

Figura 8. Matrículas no ensino superior (2011 a 2018)

Fonte: DGEEC/MEC - DIMAS/RAIDES (junho 2019).