• Nenhum resultado encontrado

2.2 APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

2.2.3 Eficácia

Na sociologia do direito, como sustenta Evaristo Morais Filho (apud, REALE, 2002, p. 463), vigência e eficácia se confundem, de modo que somente seria vigente o direito obtido na realidade, ou seja, aquele que se imiscui na conduta dos homens em sociedade, e não simplesmente, aquele que se contém na letra da lei.

O normativismo de Kelsen, nas lições de Silva (2004, p. 64) distingue a vigência da

8 Art. 189 - Esta Constituição será promulgada, simultaneamente, pelas Mesas das Casas do Congresso Nacional e entrará em vigor no dia 15 de março de 1967 (Constituição de 1967).

eficácia, entendendo que o primeiro termo “significa a existência específica da norma”, enquanto o segundo diz respeito à efetiva aplicação e observância da norma.

Quanto à eficácia das normas constitucionais, adota-se, no presente trabalho, o estudo feito por José Afonso da Silva, na obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, por se tratar, na bibliografia nacional, de uma obra que aborda o tema de forma sistemática e aprofundada.

Pode-se definir a eficácia como a “capacidade da norma atingir os objetivos previamente fixados como metas”. No caso de normas jurídicas, consiste na capacidade de atingir os objetivos nela fixados, ou seja, realizar as metas visadas pelo legislador (SILVA, 2004, p. 66).

A eficácia é a integração da norma na sociedade, tal como conceitua Reale (1994, p. 114):

A eficácia, ao contrário, tem um caráter experimental, porquanto se refere ao cumprimento efetivo do Direito por parte de uma sociedade, ao “reconhecimento” (Anerkennung) do Direito pela comunidade, no plano social, ou, mais particularizadamente, aos efeitos sociais que uma regra suscita através de seu cumprimento.

Vincula, dessa forma, o autor a concepção de eficácia da norma com a apuração da efetiva produção dos seus efeitos, ou dos efeitos produzidos pelo seu cumprimento.

Silva (2004, p. 66) desdobra em dois, os sentidos da eficácia da norma:

(....) a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir, em maior ou

menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à

aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui a sua efetividade. Esta é, portanto, a medida da extensão em que o objetivo é alcançado, relacionando-se com o produto final. Por isso é que, tratando-se de normas jurídicas, se fala em eficácia social em relação à efetividade, porque o produto final objetivado pela norma se consubstancia no controle social que ela pretende, enquanto a eficácia jurídica é apenas a possibilidade de que isso venha a acontecer. Os dois sentidos da palavra eficácia, acima apontados, são, pois, diversos. Uma norma pode ter eficácia jurídica sem ser socialmente eficaz, isto é, pode gerar efeitos jurídicos, como, por exemplo, o de revogar normas anteriores, e não ser efetivamente cumprida no plano social. Mas percebe-se que, apesar disso, os sentidos são conexos, como já anotamos antes.

Não é pacífica a questão da eficácia jurídica da norma. Isto porque, a aplicação ou mesmo a possibilidade de aplicação de uma norma constitucional nem sempre decorre única e exclusivamente do fato de encontrar-se inserida na legislação pertinente. Em outras palavras,

várias são as situações em que, não obstante seja regularmente elaborada a norma constitucional, isso não significa que a mesma automaticamente passe a produzir os efeitos objetivados pelo legislador.

É preciso que se esclareça, nesse aspecto, que a Constituição de uma nação é a sua lei fundamental, que estabelece princípios e regras gerais, não se revelando, portanto, o lugar propício para descer a minúcias, que o legislador constituinte deixa a cargo dos legisladores infraconstitucionais.

De outro lado, há disposições constantes da Constituição que, em verdade, referem-se às demais unidades da federação ou aos órgãos públicos, de um modo geral, cuja efetividade dependerá, por via de conseqüência, da atuação das respectivas entidades.

Sob o ponto de vista da eficácia jurídica existem várias classificações da norma constitucional. Destaca-se, no presente trabalho, aquelas que são relevantes para a compreensão da categoria em que se enquadram as disposições relativas à garantia do direito social à educação.

Da construção teórica e das decisões das cortes americanas, elaborou-se a classificação das normas constitucionais quanto a sua aplicabilidade em self executions provisions e not self

executions provisions, traduzidas, respectivamente, como auto-aplicáveis ou auto-executáveis,

ou aplicáveis por si mesmas, ou ainda, bastantes em si, e disposições não auto-aplicáveis, ou não auto-executáveis por si mesmas, ou ainda, não bastantes em si (SILVA, 2004, p. 73).

Assim, conceitua Ruy Barbosa (1933 apud SILVA, 2004, p. 74) as normas auto- aplicáveis como sendo as determinações para cuja execução prescinda da constituição ou designação de uma autoridade, ou ainda da criação ou indicação de um processo especial, e aquelas em que “o direito instituído se ache armado por si mesmo, pela sua própria natureza, dos seus meios de execução e preservação”. As não auto-aplicáveis, por sua vez, são aquelas em que os direitos que outorgam, ou os encargos que impõem não se encontram revestidos dos meios de ação essenciais para o seu exercício.

Silva (2004, p. 75) critica a classificação acima, argumentando que dela decorreria a noção da existência de normas, na Constituição, desprovidas de eficácia, assertiva com a qual, segundo o autor, nem o próprio Ruy Barbosa concordava, já que afirmava que todas as normas constitucionais “têm força imperativa, de regras, ditadas pela soberania nacional”.

Nesse contexto, conclui Silva (2004, p. 75-76) que nem as denominadas normas auto- aplicáveis “produzem por si mesmas todos os efeitos possíveis, pois são sempre passíveis de novos desenvolvimentos mediante legislação ordinária, nem as ditas não auto-aplicáveis são de eficácia nula, pois produzem efeitos jurídicos e têm eficácia, ainda que relativa e

reduzida”. Em decorrência do que não se revelaria adequada, ou melhor, conclusiva a classificação indicada.

Após a promulgação da Constituição italiana, de 1º de janeiro de 1948, duas perspectivas quanto à classificação das normas constitucionais, ao mesmo tempo em que foram aceitas por grande parte da doutrina, sofreram muitas críticas. A primeira distinguia a normas em preceptivas e diretivas, para designar, respectivamente, as normas que têm força imperativa sobre as condutas dos cidadãos, e as normas que têm como destinatário o futuro legislador (SILVA, 2004, p. 78).

A segunda das perspectivas indicadas diz respeito à distinção das normas constitucionais em programáticas e de natureza jurídica, negando-se, por via de conseqüência, às primeiras, eficácia jurídica (SILVA, 2004, p. 78-79).

A crítica da tese que sustenta a ausência de juridicidade das normas programáticas fundamenta-se essencialmente na inadmissão da negação de eficácia jurídica de quaisquer normas que integrem a Constituição de um país, ainda que se reconheça a diversidade quanto à eficácia e valor das normas constitucionais (SILVA, 2004, p. 79-80).

Estimuladas pelas críticas referidas, a jurisprudência e doutrina italianas formularam uma classificação das normas constitucionais, distinguindo-as em: “a) normas diretivas ou

programáticas, dirigidas essencialmente ao legislador; b) normas preceptivas, obrigatórias,

de aplicabilidade imediata; c) normas preceptivas, obrigatórias, mas não de aplicabilidade imediata “ (SILVA, 2004, p. 80-81).

De acordo com Gaetano Azzaritti (apud SILVA, 2004, p. 80-81), as normas diretivas não conteriam um preceito concreto, limitando-se a fornecer diretivas ao legislador futuro, admitindo-se, inclusive, a possibilidade de elaboração de leis em desacordo com aquelas, não atingindo, ademais, as leis já existentes.

As normas preceptivas de aplicabilidade imediata, por sua vez, possuem aplicação diretiva e imediata, invalidando lei nova que com elas conflitem, modificando ou ab-rogando9 as leis anteriores que com elas contrastem.

Finalmente, as normas preceptivas de aplicabilidade direta, mas não imediata são aquelas que invalidam novas leis contrastantes, mas requerem, para a sua eficácia, de outras normas jurídicas integrativas, de modo que, enquanto sua aplicação se encontrar suspensa (na dependência da elaboração da respectiva norma jurídica integrativa) persistirá a eficácia das leis anteriores.

Silva (2004, p. 81) critica a terminologia e classificação descritas acima, pelo fato de adotar a premissa equivocada consubstanciada na distinção de normas constitucionais jurídicas e não jurídicas, pois o que defende o autor é a inexistência de normas puramente diretivas nas constituições contemporâneas, em harmonia com a concepção de que todas as normas jurídicas são dotadas de imperatividade.

Nesse contexto é que, na formulação da classificação que adota, Silva (2004, p. 81-82) sustenta, primordialmente, que “não há norma constitucional alguma destituída de eficácia”, distinguindo-se as normas, quanto ao grau dos seus efeitos jurídicos, para dividi-las nas categorias indicadas e conceituadas a seguir:

a) normas constitucionais de eficácia plena:

desde a entrada em vigor, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde lodo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto (SILVA, 2004, p. 82).

b) normas constitucionais de eficácia contida:

normas que incidem imediatamente e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias (SILVA, 2004, p. 82).

c) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida:

todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo não estabeleceu sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado (SILVA, 2004, p. 82).

Da classificação acima, extrai-se a constatação de que as normas de eficácia plena são de aplicabilidade direta, imediata e integral, as de eficácia limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente produzirão seus efeitos após normatividade ulterior. E as normas de eficácia contida são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, “porque sujeitas a restrições previstas ou dependentes de regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade” (SILVA, 2004, p. 83).

As definições apresentadas revelam-se necessárias para a introdução da categoria elementar para o estudo da natureza das normas que disciplinam o direito à educação, notadamente as normas de eficácia limitada e sua sub-divisão em normas programáticas.

2.2.3.1 Normas de eficácia limitada

Tendo em vista que as normas que impõem um dever ao Estado, como é o caso daquela que estabelece que o dever do Estado com a educação será efetivada mediante a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 208, I da CF/1988), inserem-se na categoria de normas de eficácia limitada, faz-se necessário dedicar-se maior a atenção a esta última categoria.

As normas de eficácia limitada são também denominadas por Silva (2004, p. 118) de normas constitucionais de princípio, subdividindo-se, ainda, em definidoras de princípio institutivo ou organizativo e definidoras de princípio programático.

As normas constitucionais de princípio institutivo são, como pode se inferir do que foi exposto acima, de aplicabilidade mediata ou indireta, porque dependem de legislação posterior, enquadrando-se, na célebre classificação americana, juntamente com as programáticas, na categoria de normas não auto-aplicáveis, ou não executáveis, ou não executáveis por si mesmas, ou, ainda, não-bastantes em si (SILVA, 2004, p. 122).

A jurisprudência e determinada corrente doutrinária italiana, como também já se demonstrou, denominou a referida categoria, separando-as das normas programáticas, de normas preceptivas de aplicabilidade não imediata ou de eficácia diferida (SILVA, 2004, p. 122).

Para Silva (2004, p. 122-123) as normas estudadas neste item consistem nas não programáticas, mas dependentes de leis complementares ou ordinárias integrativas para adquirir executoriedade plena, não admitindo o autor a concepção de que seriam destituídas de aplicabilidade, enquanto o legislador não elaborar as regras jurídicas que lhes complementem.

Caracterizam-se as normas constitucionais de princípio institutivo pela indicação de uma legislação futura que lhes completará a eficácia e efetiva aplicação (SILVA, 2004, p. 123).

Silva (2004, p. 125) distingue as normas constitucionais de princípio institutivo das programáticas quanto aos seus fins e conteúdos, afirmando o seguinte:

As programáticas envolvem um conteúdo social e objetivam a interferência do Estado na ordem econômico-social, mediante prestações positivas, a fim de

propiciar a realização do bem comum, através da democracia social. As de princípio institutivo têm conteúdo organizativo e regulativo de órgãos e entidades, respectivas atribuições e relações. Têm, pois, natureza organizativa; sua função primordial é a de esquematizar a organização, criação ou instituição dessas entidades e órgãos.

Em decorrência do exposto acima é que se classifica a disposição legal da CF/88, no sentido de que a educação é direito de todos e dever do Estado (art. 205), como norma programática, razão pela qual no tópico seguinte passa-se à análise dessa espécie de norma.