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Em contraponto à defesa pela doutrina moderna, destacada no subitem anterior, no sentido da eficácia jurídica da norma constitucional, estudos existem, de perspectiva sociológica, que, todavia, questionam essa eficácia, desembocando no tema da legislação simbólica.

O que caracteriza a legislação simbólica, em linhas gerais, é o seu caráter político- ideológico, por servir à obtenção de uma “harmonia social”, reduzindo tensões e desempenhando uma função de tranquilização do público.

Pode-se definir a legislação simbólica como produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que serve primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-jurídica (NEVES, 1994, p. 32).

Com relação aos tipos de legislação simbólica, Neves (1994, p. 34) destaca o modelo tricotômico de Kindermann, de acordo com o qual o conteúdo da legislação simbólica pode se destinar as seguintes finalidades: a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacidade de ação do Estado e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios.

Quanto à confirmação de valores sociais, o que se verifica é a exigência de grupos conflitantes de uma posição do legislador a respeito dos valores sociais em discussão, no sentido de proibir formalmente determinadas condutas que não se coadunam com os valores defendidos (NEVES, 1994, p. 34).

No que se refere ao segundo tipo aludido acima, da legislação que pretende demonstrar a capacidade de ação do Estado, denominada legislação-álibi, Neves (1994, p. 39)

adota a definição abaixo:

A legislação-álibi decorre da tentativa de dar aparência de uma solução dos respectivos problemas sociais ou, no mínimo, da pretensão de convencer o público das boas intenções do legislador. Como se tem observado, ela não apenas deixa os problemas sem solução, mas além disso obstrui o caminho para que eles sejam resolvidos.

(...)

Parece, portanto, mais adequado afirmar que a legislação-álibi destina-se a criar a imagem de um estado que responde normativamente aos problemas reais da sociedade, sem contudo, normatizar as respectivas relações sociais (p. 39).

Salienta, ainda, o autor que “o emprego abusivo da legislação-álibi leva à ‘descrença’ no próprio sistema jurídico, ‘transtorna persistentemente a consciência jurídica’” (1994, p. 40).

Com a legislação simbólica, pode-se obter o adiamento da solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios. O acordo em relação a divergências entre grupos políticos transfere a solução dos conflitos para um futuro indeterminado (NEVES, 1994, p. 41).

Nesse caso, as divergências entre grupos políticos não são resolvidas através do ato legislativo, que, porém, será aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exatamente porque está presente a perspectiva da ineficácia da respectiva lei.

Resolve-se o conflito social com a elaboração da lei, cuja eficácia, sabe-se, de antemão que não será alcançada.

Quanto à eficácia do texto legal, Marcelo Neves (1994, p. 42) distingue a eficácia no sentido técnico jurídico da eficácia no sentido sociológico ou empírico, nos seguintes termos:

A primeira refere-se à possibilidade jurídica de aplicação da norma, ou melhor, à sua aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade. A pergunta que se põe é, nesse caso, se a norma preencheu as condições infra-sistêmicas para produzir os seus efeitos jurídicos específicos. No sentido “empírico”, “real” ou “sociológico” – acolhido, no entanto, na “Teoria Pura do Direito” – a eficácia diz respeito à conformidade das condutas à norma. A pergunta que se coloca é, então, se a norma foi realmente “observada”, “aplicada”, “executada” (imposta) ou “usada”.

Sobre o tema, aduz Neves (1994, p. 45-46) que “a eficácia da lei, abrangendo as situações mais variadas – observância, execução, aplicação e uso do Direito, pode ser compreendida genericamente como a concretização normativa do texto legal”, que sofre bloqueios sempre que “o conteúdo do texto legal abstratamente positivado é rejeitado, desconhecido, desconsiderado nas interações concretas dos cidadãos, grupos, órgãos estatais,

organizações etc; (...)”

A efetividade do texto legal, por sua vez, será verificada quando ocorrer a “implementação do “programa finalístico” que orientou a atividade legislativa”, razão pela qual Neves (1994, p. 46) utiliza a expressão “efetividade como realização da finalidade da lei”.

Tais premissas são importantes para se entender a definição de legislação simbólica formulada por Neves (1994, p. 49-50). Assim é que, de acordo com o autor, a legislação simbólica caracteriza-se por ser ineficaz, e por atingir a sua vigência social, entendendo-se por vigência social, a função do sistema normativo de “asseguramento das expectativas”. Por outro lado, não há que se cogitar de legislação simbólica, quando a norma é eficaz, mas inefetiva, já que não é apenas a ausência da realização da sua finalidade que a configura como simbólica.

Pode-se vislumbrar efeitos positivos na legislação simbólica, não necessariamente de natureza jurídica, principalmente no que concerne às normas que se destinam à confirmação de valores sociais (NEVES, 1994, p. 51).

Quanto aos efeitos da legislação simbólica conclui Neves (1994, p. 52):

A legislação-álibi é um mecanismo com amplos efeitos políticos-ideológicos. Como já enfatizamos acima, descarrega o sistema político de pressões sociais concretas, constitui respaldo eleitoral para os respectivos políticos-legisladores, ou serve à exposição simbólica das instituições estatais como merecedoras da confiança pública.

O efeito básico da legislação como fórmula de compromisso dilatório é o de adiar conflitos políticos sem resolver realmente os problemas sociais subjacentes. A “conciliação” implica a manutenção do status quo e, perante o público-espectador, uma “representação”/ “encenação” coerente dos grupos políticos divergentes.

Utilizando-se o conceito de legislação simbólica em referência à Constituição, constata-se que a constitucionalização simbólica caracteriza-se pela ausência generalizada de concretização normativa do texto constitucional, tendo em vista que aquela transmite “um modelo jurídico-normativo, cuja realização apenas seria possível sob condições sociais adversas” (PIMENTA, 1999, p. 224-225).

No caso do Brasil, a despeito da Constituição de 1988 se constituir na norma constitucional nacional, na qual se vislumbra uma gama significativa de direitos sociais, preceituando a busca pela Justiça social, a concretização de tais medidas muitas vezes restou

prejudicada pelas políticas neoliberais, que primam, pela redução do Estado. Desse modo, fica a questão: se os direitos sociais demandam uma atuação prestacional do Estado, e se na CF/88 os direitos sociais são plenamente resguardados, como obter a concretização dos preceitos legais num país em que prevalecem políticas neoliberais, tal como as adotadas pelas gestões que se têm sucedido desde o início da década de 90 do século passado?

Diante da predominância do sentido político-ideológico sobre o sentido jurídico- normativo expresso da norma, que caracteriza a legislação simbólica, e sendo certo, como se demonstrou, que as normas programáticas estipulam uma direção a ser seguida pelo Estado na busca do bem comum e justiça social, revela-se pertinente a análise, da relação entre os ambos os conceitos.

Para Neves (1994, p. 103) não é simplesmente o caráter programático que conduz à falta de concretização normativa de determinados dispositivos constitucionais, na medida em que a vigência social de normas programáticas pressupõe a existência de condições estruturais para sua realização.

No caso da constitucionalização simbólica, a implementação dos conteúdos programáticos importaria uma transformação radical da estrutura social e política, de modo que tais disposições não responderiam às “tendências presentes nas relações de poder que estruturam a realidade constitucional” (NEVES, 1994, p. 103).

Saliente-se, ainda, que a não concretização do conteúdo da norma programática pode decorrer não somente da omissão dos órgãos estatais, tendo em vista que por força das relações políticas e econômicas a ação dos agentes estatais, muitas vezes, se orienta em sentido contrário ao do aparente programa (NEVES, 1994, P. 103).

Neves (1994, p. 104) conclui a questão da relação entre as normas programáticas e a constitucionalização simbólica da seguinte forma:

Embora constituintes, legisladores e governantes em geral não possam, através do discurso constitucionalista, encobrir a realidade social totalmente contrária ao

welfare state previsto no texto da Constituição, invocam na retórica política os

respectivos princípios e fins programáticos, encenando o envolvimento e interesse do Estado na consecução. A constitucionalização simbólica está, portanto, estreitamente associada à presença excessiva de disposições pseudoprogramáticas no texto constitucional.

De tudo que foi exposto, conclui-se, pela contraposição de visões quanto à eficácia das normas constitucionais, pois, se à luz do ordenamento jurídico, defende-se a eficácia jurídica

das mesmas, sob o prisma da sociologia do direito, o que se constata é que, como já salientado, existem normas em que a referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que serve primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-jurídico.

Para tentar evidenciar justamente se, após a CF/1988, com as transformações introduzidas no campo jurídico na legislação, é possível falar-se em eficácia social ou efetividade, realiza-se a análise da atual situação do ensino fundamental, por meio da pesquisa desenvolvida como dissertação do mestrado.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS