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Ensino fundamental como direito público subjetivo e prioridade do Município

ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE ENSINO

5.3 ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS RELACIONADOS COM O DIREITO À EDUCAÇÃO

5.3.4 Ensino fundamental como direito público subjetivo e prioridade do Município

O fato da análise de dados do presente estudo ter-se limitado ao ensino fundamental sustenta-se na constatação de que o legislador constituinte priorizou essa etapa do ensino, considerando-a obrigatória, e assegurando o seu oferecimento gratuitamente para todos, inclusive aqueles que não tiveram acesso na idade própria.

De acordo com Sérgio Haddad e Mariângela Graciano (2004, p. 3) a focalização de recursos no ensino fundamental, decorre de uma adaptação do sistema de ensino à reforma do Estado, promovida na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, visando a atender duplamente as necessidades do mercado, pois, se de um lado, “ permite que a população mais pobre tenha acesso a um mínimo de conhecimento para se inserir no mercado de trabalho”, de outro, “deixa um vasto campo (mercado) a ser explorado pela iniciativa privada, nos ensinos técnico e superior”.

Assim, a priorização do ensino fundamental, como etapa inicial e elementar do processo de aprendizagem, produz uma outra conseqüência, que pode passar despercebida em uma análise superficial, qual seja, deixar as demais etapas do ensino, notadamente técnica e superior, totalmente liberadas para a iniciativa privada.

Não se pretende com o exposto desmerecer a priorização do ensino fundamental, mas apenas demonstrar que por atrás de tal determinação pode haver uma intenção secundária, mas também relevante, de se beneficiar as instituições privadas de ensino superior.

No que se refere ao ensino fundamental, o Plano Nacional de Educação, estabelece como objetivos e metas, entre outros, a universalização do atendimento de toda clientela, no período de 5 anos, a partir da data de aprovação do plano, o que ocorreu em 9 de janeiro de 2001, com a promulgação da Lei nº 10.172, garantindo-se, ainda, o acesso e permanência de todas crianças na escola (PESSOA, 2005, p. 213).

Quanto à ampliação para nove anos para a duração do ensino fundamental, com início da escolarização a partir dos seis anos de idade, a Lei nº 11.114 de 16 de maio de 2005 (PESSOA, 2005, p. 277), que introduziu alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, manteve os oito anos21, previstos anteriormente, fixando, todavia, como termo inicial, os seis anos de idade.

Enquadra-se, da mesma forma, no item relativo às metas e objetivos do Plano Nacional de Educação, a regularização do fluxo escolar, com a redução, no prazo de cinco anos, das taxas de repetência e evasão, em 50%, utilizando-se, para tanto, “programas de aceleração da aprendizagem e de recuperação paralela ao longo do curso, garantindo efetiva aprendizagem” (PESSOA, 2005, p. 213).

Para atender toda a clientela ao ensino fundamental, a Constituição Federal atribuiu ao poder público, e a LDB, aos Estados e Municípios a competência para recenseamento de toda a população em idade escolar para o ensino fundamental e os jovens e adultos que não tiveram acesso na idade própria, fazendo-lhe chamada pública, e zelando, junto aos pais e responsáveis, pela freqüência na escola.

Nessa mesma linha, o § 11, do art. 183 da Lei Orgânica de Salvador estabelece que, bienalmente, recenseará a população escolarizável, visando a “orientar a política de expansão da rede pública e elaboração no plano municipal de educação”.

Considerando que o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, faculta ao cidadão ou grupos de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e ao Ministério Público, acionar o Poder Público, para exigir o cumprimento de tal preceito, podendo, ainda, comprovando-se a negligência da autoridade competente em garantir o oferecimento do ensino fundamental, ser-lhe imputada a pena por crime de responsabilidade.

No mesmo sentido, a CF/88, no § 2º, do art. 208, e a Constituição do Estado da Bahia, no parágrafo único do art. 246, estabelecem que não oferecimento do ensino obrigatório, ou seja, fundamental, ou seu oferecimento de forma irregular, importa na responsabilidade da autoridade competente.

Com relação às contribuições da Constituição Federal de 1998, para o direito à educação, o membro do Conselho Municipal de Educação entrevistado destacou a importância da priorização do ensino fundamentação, conferindo, dessa forma, maior visibilidade para um determinado setor.

21 Somente foi ampliado para nove anos, o período do ensino fundamental, com a alteração introduzida no art. 32, da LDB, pela Lei nº 11.274/2006.

Regulamentando a questão da idade própria para o ensino fundamental, o art. 32 da LDB vigente estipula que essa etapa deve ter duração mínima de oito anos, objetivando a formação básica do cidadão, com base nos seguintes critérios, estabelecidos na referida lei:

• desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

• compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

• desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e formação de atitudes e valores;

• fortalecimento dos vínculos da família, dos laços de solidariedade humana e tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

Os critérios discriminados acima levam em consideração, portanto, tanto o aprendizado em si mesmo, objetivando a capacitação do cidadão, como a sua relação com o ambiente e conduta social, pela aquisição de valores morais.

Prevê, ademais, a norma constitucional, que os Municípios devem atuar, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil, e os Estados e o Distrito Federal no ensino fundamental e médio.

Até então, ou seja, antes da CF/88, atrelava-se a educação municipal ao sistema dos Estados, ao qual se encontrava a primeira legalmente vinculada, cabendo ao Estado e Municípios dividirem as responsabilidades com ensino fundamental público, encontrando-se, todavia, o segundo, em posição de inferioridade, na medida em que não lhe competia o estabelecimento de normas, e diretrizes pedagógicas (BOAVENTURA, 1996, p. 13).

Nesse contexto, a concessão de autonomia pedagógica para o Conselho Municipal, a vinculação percentual de recursos, entre outras determinações contidas na CF/88, podem conduzir ao pleno desenvolvimento da educação municipal, impulsionando, ainda, a municipalização do ensino (BOAVENTURA, 1996, p. 17).

Quanto à descentralização dos sistemas de educação e ensino, como forma de aproximação das instituições políticas com a comunidade local, já ensinava Anísio Teixeira (1999, p. 65-66):

A descentralização, assim, contingência da nossa extensão territorial e de nosso regime federativo e democrático, é hoje uma solução, além de racional e inteligente – absolutamente segura. Tenhamos, pois, o elementar bom senso de confiar no País e nos brasileiros, entregando-lhes a direção dos seus negócios e, sobretudo, da sua mais cara instituição – a escola, cuja administração e cujo programa deve ser de responsabilidade local, assistida e aconselhada tecnicamente pelos quadros estaduais e federais.

escolas passarão a ser instituições nutridas pelo orgulho local, vivas e dinâmicas, a competir com os demais sistemas municipais e a encontrar nessa competição as suas forças de progresso e de gradual unificação, pois competir é emular, e toda emulação importa em reconhecer o caráter e as forças comuns que inspiram a instituição.

Em relação ao processo de municipalização, explicou a Conselheira, que ocorre com a transferência da escola e dos professores do Estado para Município, sem que se verifique, também, a transferência da administração e direção, pois, estas últimas passam a ser geridas pelo Município.

Ainda em relação ao processo de municipalização, obteve-se informação junto ao Conselho Municipal de Educação que, no período de 1998/2004, 170 escolas foram municipalizadas.

O pagamento dos professores transferidos do Estado para o Município é realizado com os recursos do FUNDEF.

Em decorrência de ter se atribuído ao Município como prioridade o ensino fundamental, o § 1º do art. 183 da Lei Orgânica de Salvador, preceitua que “O Município atuará, prioritariamente, no ensino fundamental, não podendo atuar no ensino superior enquanto não atendido noventa por cento das necessidades dos graus anteriores, sob pena de responsabilidade”.

Observe-se, todavia, que o aludido dispositivo da lei municipal choca-se com o que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, pois enquanto o primeiro refere-se ao atendimento de noventa por cento das necessidades locais em relação ao ensino fundamental, a segunda dispõe que é incumbência dos Municípios, entre outros,

oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimo vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

A conclusão a que se chega é que a lei municipal revela-se mais permissiva do que a lei federal, que somente permite a atuação, pelo Município, de outros níveis de ensino, após plenamente atendidas as necessidades do ensino fundamental, ou seja, após inteiramente supridas as carências da população em relação a essa etapa de ensino.

Saliente-se a esse respeito que apenas se logrará apurar sistematicamente o atendimento dessas demandas, se e somente se, for efetivamente realizado o recenseamento periódico da população em idade escolar, como, aliás, prevêem as normas indicadas acima.

Evidentemente, que, quando se fala em atendimento às necessidades do ensino fundamental, cogita-se do seu oferecimento com qualidade, e não simplesmente ao oferecimento de vagas indiscriminadamente para esse nível de ensino.

Isto porque, muito se tem falado que no que tange ao ensino fundamental, não somente no âmbito municipal, mas também, no âmbito nacional, o Estado encontra-se em condições de atender toda a população em idade escolar. Resta verificar, em primeiro lugar, se tais afirmações procedem, ou seja, se realmente foram superadas as carências em relação às vagas no ensino fundamental, e como o mesmo tem sido ministrado.

Esse é o cerne da análise de dados realizada subseqüentemente.