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Eficácia dos direitos fundamentais na atividade jurisdicional

46 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal: processo civil, pena e administrativo. 9ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009. p. 205.

47 Em excelente e diferenciado trabalho, Flávio Luiz Yarshell sustenta o direito autônomo à prova, analisando a técnica de antecipação da prova. Ver: YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.

Dispostas estas questões, torna-se possível a análise da eficácia dos direitos fundamentais tendo como elementos de análise a técnica processual, a finalidade da tutela jurisdicional e a sua efetividade.

A eficácia dos direitos fundamentais pode ser vista tanto vertical quanto horizontalmente. Como escreve Luiz Guilherme Marinoni, a eficácia vertical se trata da vinculação do Poder Público – legislador, administrador e juiz – em concretizar os direitos fundamentais. Já a eficácia horizontal versa sobre a gerência dos particulares em suas relações tendo a observância obrigatória da efetividade dos direitos fundamentais.48

Estudando a eficácia vertical, invariavelmente deve-se trazer à baila a Teoria dos deveres de proteção do Estado. Afirma-se que, para os adeptos desta teoria49, “os deveres de proteção derivados das normas jusfundamentais impõe aos poderes públicos um dever de proteção aos particulares face às violações aos bens jurídicos constitucionais”, como no caso dos bens imateriais de propriedade intelectual, “mesmo quando estes atentados consistem em atos perpetrados por outros particulares”.50

Marinoni concorda com o pensamento exposto acima, pois indica o Estado como destinatário dos direitos fundamentais, obrigando-se a protegê-los com a edição de normas. Continua seu raciocínio levantando a hipótese de não cumprimento destas normas, o que concederia a determinado particular o direito de resistir contra aquele que não respeitou a norma e agiu ilicitamente51. Neste caso, é dado ao particular o direito de agir, utilizando a tutela jurisdicional como instrumento de proteção ao seu direito52.

Portanto, na eficácia vertical dos direitos fundamentais o Estado é responsável a disponibilizar normas idôneas à tutela dos direitos. Em que se pense a atividade jurisdicional

48 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 132 – 134.

49 Cita, Alexandre Freire (2010), em seu estudo, que são adeptos à Teoria dos deveres de proteção do Estado Joseth Isensee, Stefan Oeter e Claus-Wilhelm Canaris.

50 FREIRE, Alexandre Reis Siqueira Freire. Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. In. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa (coord.); RAMOS, Edith Maria Barbosa (coord.); FREIRE, Alexandre Reis Siqueira (coord.). O Direito no Século XXI: estudos em homenagem ao Ministro Edson Vidigal. Florianópolis: Editora Obra Jurídica, 2010. p. 24.

51 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 133 – 134.

52 Destaca, Luiz Guilherme Marinoni, que o exercício de ação pode voltar-se contra atos de ameaça a lesão do direito, o que se daria com o manejo da técnica inibitória. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e

Tutela dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Nas palavras de Luiz Fernando C. Pereira

2006), a inibitória é técnica vocacionada a proteção da propriedade industrial. PEREIRA, Luiz Fernando C..

Tutela Jurisdicional da Propriedade Industrial: aspectos processuais da Lei 9.279/1996. São Paulo: Editora

atribuída ao Estado, e tendo em foco as técnicas processuias referentes a propriedade intelectual, atualmente, disponíveis estão as tutelas autônomas contra o ilícito e as tutelas interinais de urgência.53

No que tange a eficácia horizontal54, existem aqueles que a vislumbram sob a incidência mediata e outros sob a incidência imediata. Ao destacar esta diferença, Marinoni indica que aqueles que a vêm sob a incidência mediata entendem “que a força jurídica dos preceitos constitucionais somente se afirmaria, em relação aos particulares, por meio dos princípios e normas do direito privado.”55, sendo possível a influência dos preceitos constitucionais em caráter subsidiário. Segue distinguindo que, na incidência mediata, “os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente em relação aos particulares”56, incidindo em entidades de direito privado que detenham poderes sociais, em indivíduos superiores nas relações em contraposição de outros, por serem detentores de poder econômico social diferenciado, e, ainda, em indivíduos comuns.

Esclarece-se que para os concordantes da incidência mediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, é negativa a aplicabilidade desses direitos nesta modalidade de relação. Portanto, constata que para esses, os direitos fundamentais “apenas podem incidir no comércio jurídico entre entidades privadas após a aplicação, interpretação e integração das cláusulas gerais, bem como conceitos jurídicos indeterminados do direito privado na medida dos direitos fundamentais.”57. Majoritariamente, adota-se a tese da incidência imediata daqueles direitos nas relações entre particulares.

Em análise jurisprudencial, Alexandre Reis Siqueira Freire indica esta incidência em caso concreto envolvendo direitos de propriedade intelectual. Neste intuito, percebeu-se que para a Ministra Ellen Gracie, Relatora do RE 201.819-8/RJ, a garantia dos direitos fundamentais em pauta só poderia ser proposta frente atos praticados pelo Estado, ao passo

53 Esta classificação é apresentada por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, quando do estudo da tutela cautelar. MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 4:

Processo Cautelar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

54 Além da terminologia “eficácia vertical”, com mesmo conteúdo coexistem as terminologias “eficácia na relação de terceiros”, “eficácia na relação entre particulares”, e “eficácia entre particulares”.

55 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 133.

56 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 134.

57 FREIRE, Alexandre Reis Siqueira Freire. Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. In. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa (coord.); RAMOS, Edith Maria Barbosa (coord.); FREIRE, Alexandre Reis Siqueira (coord.). O Direito no Século XXI: estudos em homenagem ao Ministro Edson Vidigal. Florianópolis: Editora Obra Jurídica, 2010. p. 13.

que, para o Ministro Gilmar Mendes, os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata nas relações entre particulares. Neste sentido concluiu que:

Conforme aventado ao versar sobre a eficácia dos direitos fundamentais em relação aos poderes públicos a prescrição contida no art. 5º, § 1º da Constituição Federal de 1988 chancela não somente a vinculação dos direitos fundamentais nas relações travadas entre o cidadão e o Estado, mas também assegura a vinculação dos particulares em geral aos direitos fundamentais.58

Utilizando o breve esboço feito, no tocante à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, impele-se concordar com a proposta de sua eficácia imediata. Ora, ao imaginar um conflito de interesses que tenha como pauta um direito de propriedade intelectual, isentá- los da proteção concedida pelas cláusulas fundamentais previstas constitucionalmente acarretaria a não observância, por exemplo, da sua função social. E, como no início destes escritos foi devidamente afirmado, o processo, como instrumento de proteção de direitos fundamentais deve almejar, como fim último, sua efetividade.

Independente que exista ou não limites privados delineadores das relações entre particulares, a eficácia dos direitos fundamentais deve ser imediata. O processo, sendo protetor desses direitos fundamentais, deve também dotar-se desta imediaticidade, para a aplicabilidade de direitos fundamentais como o devido processo legal, o amplo aceso à justiça, a duração razoável do processo e, em destaque, a efetividade da tutela jurisdicional.

Marinoni traz para esta discussão, ainda, a existência da eficácia vertical com repercussão lateral. Constata que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva vincula o Poder Público e repercute na esfera das relações entre particulares. Sua funcionalidade, ou mais precisamente, sua eficácia, seria vertical – por envolver o Estado-Juiz – com repercussão lateral, por incidir imediatamente na esfera jurídica dos particulares.59

O debate acerca dos direitos fundamentais é essencial para o pensamento do direito processual civil contemporâneo. Tanto no estudo, quanto na prática do processo, os direitos fundamentais são considerados elementos integrativos do sistema jurídico e sua leitura ocorre a partir dos princípios jurídicos, alicerçados na Constituição Federal.

58 FREIRE, Alexandre Reis Siqueira Freire. Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. In. RAMOS, Paulo Roberto Barbosa (coord.); RAMOS, Edith Maria Barbosa (coord.); FREIRE, Alexandre Reis Siqueira (coord.). O Direito no Século XXI: estudos em homenagem ao Ministro Edson Vidigal. Florianópolis: Editora Obra Jurídica, 2010. p. 24.

59 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 134 – 135.

Estas são as razões que justificam a existência de um “direito fundamental à efetividade da jurisdição”.60

Em síntese a tutela jurisdicional deve ser prestada efetivamente, para que, independente da esfera jurídica que sua repercussão possa atingir, se concretizem os direitos fundamentais.