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4 MÍDIA-EDUCAÇÃO

4.3 D efinição do campo

Os desafios elencados até o momento, felizmente, estão sendo encarados por um sem número de iniciativas espalhadas pelo mundo, especialmente na América Latina, que, embora sejam levadas a cabo pela minoria dos profissionais da educação, já têm consistência suficiente para fundarem uma nova área do conhecimento. Convém destacarmos que não é de hoje que os meios de comunicação são aventados para ajudar a resolver os problemas da escola. Essa inter-relação já se evidenciava desde o início do século XX, quando Roquete Pinto (1884-1954) acreditava que o rádio seria um instrumento disseminador da cultura e da educação junto ao povo brasileiro.

Ao longo desse processo de aproximação entre a educação e a comunicação, educadores destacaram-se pelo pioneirismo. Entre, eles Célestin Freinet (1896-1966), na França, e Paulo Freire (1925-1997), no Brasil. Freinet inaugurou uma nova pedagogia, que define a sala de aula como um espaço de produção por parte dos alunos. Durante suas aulas, as crianças eram convidadas a se expressarem livremente no jornal escolar e participavam, inclusive, da sua montagem na prensa e na impressão. Já Freire enfatizou a concepção de que a

alfabetização deve ser acompanhada pela leitura crítica dos meios para que o educando ganhe autonomia. Para ele, a comunicação é fundamental para a produção de conhecimento.

Há diferentes posicionamentos quanto à conceitualização dessa interface, que já vem há muito tempo sendo delineada. Os profissionais do Núcleo de Comunicação e Educação, da USP, batizaram essa nova área de educomunicação. A intersecção entre comunicação e educação, concebida como um novo campo de intervenção social específico e autônomo, com características e densidade próprias, foi comprovada por ampla pesquisa feita pelo NCE.

Todavia não há consenso quanto às denominações. Belloni, por exemplo, chama essa interface de mídia-educação ou educação para as mídias ou meios. Mas a própria autora assevera que, embora ela trabalhe com o termo educação para

as mídias não há também unanimidade quanto a ele.

Para alguns, “esta fórmula parece desajeitada (maladroite) porque ela insinua a priori uma suspeita sobre as mídias. Alguns preferem `mídias na educação´ (GONNET, 1997, p.14). Para outros, a expressão é estreita, pois se limita aos meios de comunicação, reduzindo aos dispositivos técnicos uma educação que deveria incluir a comunicação em geral como processo cultural típico da humanidade. Mas aí cabe a pergunta epistemológica: em um tal nível de generalidade, qual a vantagem científica, o valor heurístico e o interesse prático de um conceito? (BELLONI, 2001, p. 45)

Concordamos com o questionamento da autora e acreditamos que, independentemente do nome dado a esse novo campo, a relevância está nas intenções ao explorá-lo, que convergem para a formação de um cidadão ativo, crítico e criativo a partir do consumo da mídia. Pretendemos, portanto, tirar proveito das contribuições e conseqüentes contraposições dos diferentes autores, pois acreditamos que elas só venham a somar à discussão sobre o diálogo entre a comunicação e a educação na escola.

Dito isso, retornamos ao estudo do NCE-USP e destacamos as considerações de Soares, coordenador da referida pesquisa, que postula que esse novo campo de intervenção deve se manifestar em sujeitos midiáticos em autonomia com os meios de comunicação, criando “ecossistemas comunicacionais”, por meio de uma gestão democrática da comunicação a serviço dos processos educativos. O autor define esses ecossistemas como espaços que reconstroem de forma

horizontalizada, portanto não autoritária, as relações entre o aluno e o colega, o aluno e o professor, o aluno e a escola, o aluno e a mídia, entre outras (1999).

Soares constata, ainda, ter esse campo densidade própria, o que implica em até quatro áreas concretas de intervenção social. A primeira é definida por ele como: “ações voltadas para o estudo e a compreensão do lugar que os meios de comunicação ocupam na sociedade, seu impacto social, as implicações da comunicação mediatizada, a participação e a modificação do modo de percepção que ela propicia, promovendo, em decorrência, o papel do trabalho criador, o acesso e o uso autônomo e livre dos recursos e linguagens da comunicação para a expressão dos indivíduos e grupos sociais” (1999, p. 28).

A segunda área é a da mediação tecnológica, que trata da utilização das tecnologias da comunicação. Sem beirar o ceticismo nem o ufanismo que as aponta como salvadoras da educação, a mediação tecnológica é fundamental para a implementação de um projeto que visa resolver a dificuldade de abordar temas contemporâneos na sala de aula. Especialmente a internet tem se consolidado como uma fonte inesgotável para pesquisas realizadas pelos alunos. Conforme pontua Soares, “o computador está propiciando uma nova forma de ensino/aprendizagem. Segundo Bernard Levrat, a utilização dos computadores vem naturalmente criando `pesquisadores´, e esse hábito de pesquisa deve passar a permear o modo como as disciplinas são exploradas e ensinadas” (1999, p. 37).

Já a terceira área que constitui essa interface, denominado por ele de educomunicação, diz respeito à gestão da comunicação nos espaços educativos. Para isso, entenda-se como gestão “todo processo articulado e orgânico voltado, a partir de dada intencionalidade educativa, para o planejamento, execução e avaliação de atividades destinadas a criar e manter ecossistemas comunicacionais, entendidos como ambientes regidos pelo princípio da ação e do diálogo comunicativos” (1999, p. 40). Por fim, temos a quarta área identificada: as reflexões em torno do novo campo.

Uma das mais freqüentes críticas que se faz ao conceito de educomunicação, considerado como de uso exclusivo dos profissionais da USP, é o fato de ele implicar a figura do educomunicador, que geralmente vem da área da comunicação para assumir funções no espaço escolar. À parte a celeuma, que tem como pano de fundo divergências sobre onde começam e onde terminam as

responsabilidades dos profissionais de ambos os campos, comunicação e educação, partilhamos da postura de Belloni, cuja defesa se faz por “uma formação integradora que prepare educadores e comunicadores para suas novas funções, derivadas da convergência tecnológica dos dois campos” (2002, p. 40).

Vale ressaltar o fato de a própria USP demonstrar estar assumindo uma postura nesse sentido com a oferta, a partir de 2011, da graduação inédita, na modalidade presencial, em Educomunicação (serão oferecidas 30 vagas em um curso de quatro anos de duração). Tal postura será confirmada na medida em que o curso consiga articular na prática uma convergência real entre as duas áreas do conhecimento, sem que haja sobreposição de uma sobre a outra. Destacamos, porém, como desvantagem o fato de a graduação estar limitada apenas àqueles que residem na capital paulista ou lá se dispuserem a viver por esse período, o que acaba por justificar novas propostas de formação à distância, como a desta pesquisa, com o diferencial de atingir um maior número de profissionais, e especialmente os que já estão em atuação.

Preferimos passar ao largo das polêmicas e adotamos, portanto, o termo educação para as mídias e seu sinônimo, mídia-educação. Porém reafirmamos que mais importante que o rótulo é a perspectiva com a qual buscamos trabalhar, pautada pela preocupação com o papel socializador exercido pelas mídias entre as novas gerações e suas implicações na formação dos indivíduos – o que vai ao encontro da seguinte afirmação de Belloni (2002):

(...)a mídia-educação não significa apenas promover o conhecimento sobre os meios (suas mensagens, suas virtudes e seus embustes), mas sobretudo, buscar o conhecimento dos meios (isto é, da estética, das `regras da arte´ e dos aspectos operacionais), que irá permitir ao ser humano utilizá-los como meios de emancipação”. (p. 36)

No próximo capítulo, daremos voz aos mais interessados nessa discussão: os professores. Traremos os resultados tabulados dos questionários distribuídos junto à amostra, que investigam a opinião dos educadores sobre a necessidade de trabalhar os meios de comunicação em sala de aula e de que forma acreditam que esse trabalho deva ser realizado.