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Elaboração do Procedimento de intervenção no Luto

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AVALIAÇÃO E MELHORIA DA QUALIDADE

2.8 Elaboração do Procedimento de intervenção no Luto

Ao mesmo tempo que a morte suscita um sentimento de angústia e de medo ela exerce um grande fascínio e volúpia nas mentes humanas, e de alguma forma, a vida funciona como uma organização em que a morte é o fim. Viver só parece ter sentido a partir do momento em que temos consciência da finitude das coisas humanas, pois o respeito pela vida passa pela aceitação natural da morte. A vida humana não se reduz à sua componente biológica, pois vários são os sistemas em que o Homem se insere e interage, e desta forma é imperativo analisar a morte como um fenómeno natural, mas essencialmente como um fenómeno cultural e social (Pereira, 1999).

De acordo com Moreira & Lisboa (2006, p. 448) devemos reconhecer a componente subjetiva que rodeia a díade morte/vida, pois “não há possibilidade de se qualificar uma existência sem se concretizar a sua finitude”. Estes autores definem a morte como um processo natural, que não pode ser desvinculado da vida, mas integrado a ela, como forma de valorização da mesma. Morte, do ponto de vista físico, ocorre quando cessa a vida de um indivíduo, seja por causas naturais, seja por motivos acidentais ou causas externas.

Desde os rituais fúnebres antigos era percetível a preocupação dos vivos em garantir condições “de vida aos seus mortos”, adornando as sepulturas com objetos utilizados pelo mesmo em vida. Nas sociedades ocidentais é frequente garantir um lugar para os restos mortais da pessoa onde possa ver visitado e homenageado, o que se pode subentender como uma crença no renascimento ou na imortalidade (Moreira & Lisboa, 2006). Nas sociedades tradicionais os Homens resignavam-se facilmente à ideia da mortalidade, reconhecendo em si próprio a morte. Nesta época, as pessoas morriam em casa, cercadas pelos seus entes queridos e conscientes de que a morte estaria próxima. De acordo com Thomas (cit. por Pereira, 1999) nas sociedades tradicionais o grupo tinha a seu cargo o indivíduo desde o nascimento até à morte, integrando-o nos

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distintos sistemas, multiplicando os ritos de passagem desde o seu nascimento, passando pela doença, pelo sofrimento, organizando as cerimónias fúnebres e vivendo o luto. Esses rituais de morte que existiam nas sociedades foram justificados por Van Gennep (cit. por Pereira, 1999) como uma forma de ponte de passagem de um estadio ao outro, pois entre o mundo profano e o mundo sagrado existia uma incompatibilidade. De acordo com o autor supracitado, vários são os rituais em torno da morte, pois encontramos referências aos ritos de separação, margem, agregação, assistência e memória. De referir que os rituais de assistência e memória correspondem à etapa do luto, pois mesmo depois da morte continuam a existir pontos de contacto entre os vivos e os mortos.

Com o processo natural da evolução das sociedades, surgiu necessidade de adaptação às novas estruturas sociais. A expansão da indústria que levou a um êxodo rural e a uma precariedade de condições habitacionais, de saúde e de higiene, originou uma alteração drástica do estilo de vida das populações. A mudança que tirou a morte do espaço público começou a acontecer no século XIX devido transformações sociais e avanços da medicina. A partir daí a morte começou a adquirir contornos de impessoalidade ao ser retirada para os espaços de saúde. Até os dias de hoje a morte é vivida de forma individualizada, procurando cada um enfrentá-la à sua maneira. Em face da impotência diante deste aspeto biológico, as angústias maximizam-se, tornando a existência humana num vazio. O local da morte passa a ser o hospital e mesmo dentro deste verificam-se algumas modificações, passando o doente, em função do seu estado, da enfermaria para um pequeno quarto onde permanece sozinho, de forma a não perturbar os que lhe estão próximos. O homem passa a morrer sozinho, separado dos outros por um biombo, pelas paredes de um quarto solitário ou no meio de sofisticados aparelhos de uma unidade especializada. Em qualquer dos locais, morre no vazio, sem ninguém que partilhe os seus medos, as suas dúvidas, a angústia, a paz, a alegria, “o que sente”. A morte torna-se um momento solitário.

De acordo com Thomas (cit. por Pereira 1999) nas sociedades modernizadas o homem morre só, pouco envolto em ritos e em simbologia e existe uma cultura de afastar a morte da vida das pessoas. Apesar dos rituais sofrerem uma evolução natural com as sociedades, ainda perduram alguns tanto no meio rural como no urbano como forma de simbólica de agregar o morto ao mundo dos mortos, mas também ajudar as suas pessoas mais próximas. De acordo com a Sociedade Francesa de Acompanhamento e de Cuidados Paliativos (SFAP) (1999, p. 47) “o ritual permite integrar a noção de perda e torna possível a elaboração de um projeto de vida que se faz “sem o outro””. Quando essa etapa é superada as pessoas enlutadas conseguem uma re-socialização e uma readaptação do seu projeto de vida. Desde alguns anos o

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desenvolvimento dos cuidados paliativos e da sua filosofia subjacente tem possibilitado aos doentes que desejam terminar a sua vida no seu ambiente social e familiar (SFAP, 1999). Este novo contexto em relação à morte, saindo esta dos hospitais e retornando para os domicílios, impõe um desafio aos profissionais que atuam na área da saúde. Para além de uma nova conceção aos cuidados às pessoas com doenças incuráveis, os cuidados paliativos permitem também o ressurgir da ritualização da morte, possibilitando não só a melhoria da qualidade no final da vida dos utentes, mas também dos cuidadores e família.

O papel da pessoa, em processo de luto, tem que ser ativo, de forma a efetuar determinadas tarefas que permitam "deixar ir" o que parte, para prosseguir com a sua vida. No entanto, deve-se ter sempre em conta a forma como cada pessoa vai lidar com a própria morte, pois como nos explica Pacheco “a forma como a pessoa enfrenta a proximidade da sua morte é única” (2002, p. 59).

A morte, na nossa sociedade, ainda é considerada tabu, embora todos saibamos que é inevitável. “Comecemos com esta ideia. – disse Morrie – Toda a gente sabe que vai morrer, mas ninguém acredita nisso” (Albom, 2006, p. 102).

O luto é definido como um conjunto de reações emocionais, físicas, comportamentais e sociais que aparecem como resposta a uma perda – seja uma perda real ou fantasiosa (perda de um ideal, de uma expectativa), seja uma perda por morte ou pela cessação/diminuição de uma função, possibilidade ou oportunidade. O luto é uma resposta natural à perda de um ente querido, sendo este um acontecimento stressante que a maioria das pessoas terá que enfrentar ao longo da vida. Uma grande perda é um processo de transição que obriga as pessoas a adaptarem as suas conceções sobre o mundo e sobre si próprias (Barbosa, 2006).

As doenças crónicas e incuráveis estão relacionadas com grandes perdas nos doentes e família, mas também nos profissionais provocando sofrimento e processos de luto. A aproximação da morte provoca nos doentes e nos que os cuidam, englobando as pessoas mais próximas, sentimentos de perda, que devem ser diagnosticados e analisados convenientemente, para que possamos intervir de acordo com as necessidades. Como refere Barbosa (2006, p. 381) “o sentimento de perda está relacionado com a natureza da ligação específica que cada um tem com o objetivo perdido. A perda é ao mesmo tempo comum – todos vivem separações e perdas e única – cada perda tem um significado específico para cada pessoa, em cada fase da vida ou da doença”. De acordo com o mesmo autor as reações adaptativas à perda variam consoante a sua natureza, as expectativas passadas, a personalidade, os valores individuais, e a ameaça percebida em relação ao sentimento de integridade pessoal. O processo do luto é considerado multidimensional, ativo, altamente personalizado e

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determinado por inúmeros fatores de vida do enlutado. Não é um processo linear, com limites concretos, mas composto de fases que podem-se sobrepor e variam de pessoa para pessoa ao longo do tempo.

Existem muitos outros modelos para definir e explicar o processo de luto, e cada um apresenta vantagens e desvantagens. O importante é consciencializar que o luto é um processo dinâmico, ativo, que varia de pessoa para pessoa, no qual vai se criar uma nova relação com o que se perdeu e com o mundo através de novas relações e interesses, pois o “tempo do luto implica um trabalho interior de exigência e dificuldade iniludíveis” (Almeida & Melo, 2002, p. 141).

Para a prevenção de reações patológicas e não adaptativas torna-se necessário a intervenção do profissional de saúde em aconselhamento antecipatório e orientação em casos de cronicidade do luto (Parkes, 1985). Para Twycross (2001) o luto é um processo de transição, pois a pessoa ao fazer o seu luto adapta-se à perda e ao significado que essa perda tem na sua vida. O processo de luto não é equitativo, envolve uma sequência de etapas ou componentes sequenciais, que lhe estão inerentes. Segundo Twycross (2001, p. 62) são cinco e descreve-as do seguinte modo:

Choque, entorpecimento e descrença – Inicialmente, as pessoas em luto podem sentir-se como se estivessem desligadas da realidade. Dado que a realidade da morte não penetrou inteiramente na sua consciência, elas podem parecer ter aceitado a perda.

Separação e dor – A ausência da pessoa falecida é aparente em tudo, desde a casa, às recordações.

Desespero – Instala-se quando se compreende que a pessoa perdida não regressará.

Aceitação – As pessoas em luto podem estar intelectualmente conscientes da finalidade de perda muito antes de as suas emoções as deixarem aceitar a verdade. O desespero cede progressivamente o lugar à aceitação da perda.

Resolução e reorganização – À medida que os antigos padrões de vida são abandonados, adaptam-se novos padrões sem a participação da pessoa falecida e a pessoa em luto entra na fase de resolução e reorganização.

Nestas fases encontramos várias reações, como manifestações emocionais (depressão, ansiedade, culpa, cólera, solidão, perda de capacidade para apreciar e alívio) e manifestações comportamentais (agitação, fadiga e choro). Podem ainda manifestar-se atitudes de auto-reprovação, baixa autoestima, desespero, sensação de irrealidade, suspeita, isolamento social, e para com o falecido, manifestação intensa de saudade, preocupação, alucinações e idealização. Ou manifestações fisiológicas,

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interferindo com o apetite, o sono, presença de queixas físicas, uso de substâncias tais como o uso de psicotrópicos, álcool, tabaco e doenças, especialmente infeções e estados relacionados com o stress, como nos descreve Twycross (2001).

Em relação à atividade efetuada na ECCI, atualmente não se presta apoio aos familiares durante o período de luto, contudo a Equipa Multidisciplinar manifestou-se extraordinariamente motivada para de iniciar este tipo de continuidade de cuidados, tendo em conta a necessidade expressa de formação para o acompanhamento do luto normal e a deteção precoce e encaminhamento para a Psicóloga dos casos de luto patológico (Apêndice X). Desta forma, foi elaborado e colocado à consideração da Equipa Multidisciplinar o Procedimento de Intervenção no Luto (Apêndice J), onde constam os objetivos de intervenção, antes e depois do falecimento da pessoa e a Intervenção a realizar, igualmente antes e depois do falecimento da pessoa.

2.9 Elaboração do Procedimento de prevenção da Síndrome de Burnout nos