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Vamos prosseguir na teoria do amadurecimento de WINNICOTT para compreendermos o conceito de elemento masculino e assim sua relação com o elemento feminino.

3 – O elemento masculino e o Fazer

Como já dito, o elemento feminino propicia o Ser, e o elemento masculino o Fazer. Depois que o bebê diferencia o eu do não-eu começa a se relacionar com o outro como objeto de satisfação das pulsões, bem como objeto de amor. Antes ele e o outro formavam um, a relação se dava dentro da realidade subjetiva. (Capítulo – 4). Ao poder perceber a si e ao outro, o bebê começa a se relacionar em termos do elemento masculino e não apenas feminino. Vamos nos ater a esta passagem para um aprofundamento dos conceitos.

A partir dos 6 meses de idade o bebê já é capaz de sentir que depende da mãe. Aos poucos a mãe poderá estar menos identificada primariamente com seu bebê, e isso será fundamental quando o bebê precisa que a mãe apreenda que ele precisará tem de lidar com as frustrações que envolvem, entre outras coisas, os espaços de tempo e distância entre o que é pedido e o que chega. O bebê precisará gradualmente que a mãe “falhe” em atendê-lo com prontidão e deixe de responder a ele como na fase da dependência absoluta. O bebê estará entrando na fase da dependência relativa.

Aqui a “falha” da mãe é seu acerto, pois permitirá que o bebê experimente suas necessidades, o que contribuirá para o seu sentimento de self. É, de um outro modo, a mãe proporcionando que o bebê possa ser.

Por parte do bebê haveria um impulso para essa possibilidade de separar-se. É só na medida destes acontecimentos que o bebê pode chegar ao EU SOU.

Momento crucial e perigoso, quando então precisará que alguém esteja lá para testemunhar e acreditar e, sobretudo amparar e conter nos braços essa primeira forma de ser individualizado.

Nas palavras de WINNICOTT:

“Minha opinião é de que o momento do EU SOU seja um momento cru; o novo indivíduo sente-se infinitamente exposto. Esse momento, só pode ser suportado - ou, talvez, arriscado – quando há alguém envolvendo a criança em seus braços “ (WINNICOTT, 1993 [1955], 216)

Como vimos, a relação do elemento feminino se dá no seio da relação bebê-mãe- ambiente. Conforme o bebê constitui um eu diferenciado do não-eu, já é possível experimentar os impulsos, pois só então há um lugar para estes serem vividos.

Penso que antes havia satisfação, mas não um indivíduo que vivia esta satisfação. Apenas continuidade de ser, vivências de satisfação e insatisfação, conforto e desconforto, descanso e excitação.

Desta forma compreenderemos melhor o que WINNICOTT quer dizer quando afirma que o elemento masculino puro se relaciona no sentido da satisfação dos impulsos, diferentemente do elemento feminino puro, que o que faz é possibilitar o Ser.

Segundo WINNICOTT:

“Desejo dizer que o elemento que estou chamando de ‘masculino’ transita em termos de um relacionamento ativo ou passivo, cada um deles apoiado pelo instinto. É no desenvolvimento dessa idéia que falamos de impulso instintivo na relação do bebê com o seio e com o amamentar, e, subseqüentemente, em relação a todas as experiências que envolvem as primeiras zonas erógenas, e a impulsos e satisfações subsidiárias. Em contraste, o elemento feminino puro relaciona-se com o seio (ou com a mãe) no sentido de o bebê tornar-se o seio (ou a mãe), no sentido de que o objeto é o sujeito.” (WINNICOTT, 1975, 113)

Neste momento na vida do bebê ocorre uma mudança do modo de relação do elemento feminino para o masculino. Penso que se inicia uma fase em que, durante um

determinado período, o elemento masculino poderá ser até mesmo preponderante na forma do bebê se relacionar, pois ele está descobrindo o mundo separado dele. Depois deste, se tudo correr bem, o elemento feminino e o elemento masculino, deverão seguir mesclados, ou seja, em continua interação na forma de ser e estar do indivíduo no mundo.

O elemento feminino possibilita o Ser e o elemento masculino propicia o Fazer. Depois do Ser, o Fazer. O Fazer sem o Ser é, posso dizer, uma função autômata. O indivíduo executa, mas sem a possibilidade de se sentir real em suas execuções. O indivíduo executa, mas não realiza e não se realiza.

É necessária uma dança entre os elementos. Mas, antes da dança, há que se poder conceber a musicalidade do Ser, feita de sons, sensações corpóreas, vibrações, tonicidades, que depois serão abrigadas dentro do tempo e do espaço. É o Ser se constituindo em sua peculiaridade e singularidade. A mãe-ambiente é o espaço em que isto se dá, inclui o bebê e propicia que daí surja o Ser que ali já está em potencialidade. A mãe opera no registro do Ser, seu fazer é impregnado de Ser, o fazer puro é impeditivo da criação do Ser.

Neste ponto quero explicitar que em WINNICOTT não há uma desconsideração pela pulsionalidade, mas esta ganha contornos e possibilidades dentro da abrangente vivência da potencialidade do Ser, do sentir-se real dentro do próprio corpo.

Ainda que WINNICOTT opte pela termo instinto, há toda uma consideração pelas vivências instintivas, portanto, prosseguimos optando pelo termo pulsionalidade.

“A excitação do instinto leva a criança, assim como qualquer outro animal, a preparar-se para a satisfação quando o mesmo alcança seu estágio de máxima exigência, surge a recompensa do prazer e também o alívio temporário do instinto. A satisfação incompleta ou mal sincronizada acarreta alívio incompleto, desconforto, e ausência de um período de descanso muito necessário entre duas ondas de exigências” (WINNICOTT, 1990, 57).

Há a insistência e períodos de descanso, a pulsionalidade exige e tem sua constância.

A elaboração imaginativa das funções corporais é a concepção na qual se unem o que move em busca e a zona corporal do corpo que demanda. Assim, WINNICOTT abriga em sua teoria as zonas erógenas, já concebidas dentro da teoria freudiana, como também assinala a importância das vivências que abrangem outras esferas corporais como, por exemplo, a da pele.

Diagrama utilizado por WINNICOTT em“A Natureza Humana”,

Ao comentar este quadro WINNICOTT nos diz:

“Podemos verificar que, nas fases da experiência genital madura, o lado feminino da natureza humana apela ao pré-genital de uma forma que o lado masculino não necessita fazer”. (WINNICOTT, 1990, 61)

Há a concepção da uma sexualidade feminina e da sexualidade masculina, e estas fazem parte de realidades de formas de ser do indivíduo, conforme este se orienta em um ou outro dos pólos. Por sua vez, estas diferentes formas de expressão que o indivíduo

vivencia na sua conformação final a uma sexualidade feminina ou masculina estão abrigadas no Ser, no self enquanto unidade que tem uma forma própria de ser e estar no mundo. A forma como o indivíduo se orienta e satisfaz a sua pulsionalidade, que em sua forma de expressão utiliza-se da psique e do corpo, é que marcará sua sexualidade como feminina ou masculina.

Cabe ressaltar que as formas de expressão da sexualidade e da identidade de gênero não correspondem ao conceito de elemento feminino puro e elemento masculino puro. O que pode ocorrer é uma sobreposição da expressão da sexualidade ou da forma de ser masculino e feminino (aliada às concepções de identidade de gênero) aos elementos feminino e masculino. Na teoria também presentificamos esta sobreposição, não por acaso, já que ocorre na clínica. O que iremos verificar no próprio caso clínico que WINNICOTT traz e que dá origem aos termos elemento feminino e elemento masculino.

Embora WINNICOTT separe a concepção do elemento feminino puro e do elemento masculino puro do sexo do indivíduo, a exemplo: “…existe uma quantidade variável de elemento feminino numa menina, e também num menino.” (WINNICOTT, 1975, 118), há momentos em que tal sobreposição fica clara. Por exemplo: diz que fatores hereditários intervêm e seria possível encontrar um menino com um elemento feminino mais intenso do que uma menina. Acrescenta que varia a capacidade das mães em transmitirem a desejabilidade do seio bom (que é), “temos que certos meninos e meninas estão fadados a crescerem com uma sexualidade assimétrica, mais carregada no lado errado de sua provisão biológica.” (WINNICOTT, 1975, 118)

A partir de tais afirmações, observo que WINNICOTT deduz que seria mais natural a menina (e futura mulher) abrigar um elemento feminino mais preponderante do que o menino. O que não deixa de ser intrigante, e tal questão fica mencionada para um futuro aprofundamento, já que não é central para minha pesquisa no momento.

4 – O elemento feminino e o elemento masculino

No texto “Os Elementos Masculinos e Femininos Expelidos encontrados em Homens e Mulheres”, WINNICOTT (1975) pela primeira vez traz a formulação dos