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Medo da passividade e da dependência

Em FREUD, podemos depreender que o medo da mulher e a negativa do feminino estão ligados ao medo da dependência nos textos em que o autor afirma que a passividade em si é fonte de angústia e incita ser transformada em atividade.

Vimos, no capítulo dois, que há uma sobreposição feita por FREUD da passividade primeira (do bebê) à “passividade” a que a mulher tem que ascender para alcançar a feminilidade. Esta sobreposição, por sua vez, negativiza a receptividade própria que a mulher alcança na construção da sua feminilidade ao ligá-la à passividade dos primórdios. Mas, de um modo geral, não apenas a receptividade ligada à feminilidade é negativizada, mas o próprio lugar da receptividade.

É ao longo da história que ocorreu a sobreposição da passividade à mulher e ao feminino. Estas “colagens”, da mulher à passividade, da passividade e da mulher ao feminino, da passividade à dependência, formam várias combinações. Estas combinações, por sua vez, seriam uma das causas do recalque e negativação do feminino em nossa cultura.

BIRMAN (1999) parte desde a leitura acerca do receio do feminino (ele denomina feminilidade) que remete à experiência primeira de dependência a partir do desamparo. A primeira experiência humana nos recorda nosso desamparo é a dependência de um outro para nos constituirmos enquanto humanos. Mas tal desamparo pode ou não ser negativizado. Positivado, é o propiciador da vida que começa em relação (ainda que não reconhecida por uma das partes, o bebê) e é o que nos torna humanos.

Aqui nos aproximamos mais uma vez de WINNICOTT, quando este fala do medo da MULHER.

“...todo homem ou toda mulher que tem o sentimento de ser uma pessoa no mundo, e para a qual o mundo significa alguma coisa, toda pessoa feliz tem um débito infinito para com a mulher. Ao mesmo tempo, quando essa pessoa foi criança, ela não sabia nada a respeito da dependência; havia dependência absoluta.

Eu enfatizaria, uma vez mais, que o resultado de tal reconhecimento - quando ele aparece - não vai ser a gratidão, nem elogios. O resultado vai ser a diminuição em nós mesmos de um medo. Se nossa sociedade retardar o reconhecimento pleno dessa dependência, que é um fato histórico no estágio inicial do desenvolvimento de cada indivíduo, haverá um bloqueio tanto no progresso quanto na regressão, um bloqueio que se baseia no medo. Se o papel da mãe não for verdadeiramente reconhecido, então permanecerá um medo vago da dependência. Ás vezes, esse medo toma a forma de um medo de MULHER, ou medo de uma mulher, e outras vezes vai assumir formas menos fáceis de reconhecer, mas que sempre incluem o medo da dominação.” (WINNICOTT, 1999 [1964], 119)

O que podemos depreender desta formulação de WINNICOTT, além de seu cuidado em valorizar o papel da mãe devotada comum, é o alinhamento do medo da dependência que todos nós abrigamos, mais ou menos intensificado, ao medo da MULHER. Acredito que podemos sobrepor este medo da MULHER ao medo do feminino, ou seja, de tudo que não dá garantias e certezas, como o fluir, a receptividade, enfim, ao medo do feminino tal como concebo neste trabalho.

WINNICOTT, diz:

“Muitos estudiosos da história social pensaram que o medo de MULHER é uma causa poderosa do comportamento aparentemente ilógico dos seres humanos em grupo, mas esse medo de MULHER se transforma em medo de reconhecer a dependência. Por conseguinte, existem razões sociais muito fortes para que se estimule a pesquisa nos estágios mais precoces da relação mãe-criança.” (WINNICOTT, 1999 [1964], 120)

“...não é possível esquivar-se ao fato de que todo homem e toda mulher vieram de uma mulher. Tentativas são feitas para se livrar dessa situação incômoda. Há a questão da couvade, e no mito original do arlequim existe um homem que dá à luz. Frequentemente se encontra a idéia de que se nasce da cabeça; sem dúvida é fácil pular da palavra “concepção” para as palavras “concebido por”.

“Entretanto, todo homem e toda mulher crescem dentro de um útero, e todos nascem, nem que seja através de uma operação cesariana. Quanto mais se examina isso, mais é necessário que exista o termo MULHER, um termo que torna possível a comparação entre homens e mulheres.”

(WINNICOTTT, 1999 [1964], 192)

“MULHER é a mãe não-reconhecida dos primeiros estágios de vida de todo homem e de toda mulher.” (WINNICOTT, 1999 [1964], 193)

Desta forma, WINNICOTT reafirma uma das hipóteses sustentada ao longo deste trabalho de que há uma sobreposição do medo da dependência à figura da mulher. Aqui, WINNICOTT explica esta sobreposição pela associação da figura da mulher à figura da mãe dos primórdios.

Assinalamos que o medo da dependência relaciona-se ao desamparo. A negativação da passividade deriva deste medo, porém se desdobra ao ser sobreposta à figura da mulher.

2 - O papel da mulher no coito relacionado às fantasias de castração e submissão

No capítulo dois, ao recordarmos o texto freudiano “O Problema Econômico do Masoquismo” (1924), verificamos que FREUD nomeia uma das formas de masoquismo de masoquismo feminino por ver uma similaridade entre as fantasias masculinas e uma atitude característica da feminilidade (ser castrado, ser possuída sexualmente e parir). FREUD sobrepõe assim a feminilidade à figura da mulher enquanto aquela que supostamente se submete de forma passiva. Mas como vimos, as fantasias propriamente ditas remetem o homem a um lugar de uma criança que demanda punição, o que não se assemelha ao lugar de receptividade-ativa da mulher no coito ou ao dar à luz a um filho.

Poderíamos assim fazer uma sobreposição às avessas da feminilidade à mulher de forma positivada, ao pensarmos o seu lugar no coito como o de uma receptividade-ativa e possibilitadora de prazer e o parir ligado ao criar. Por sua vez, a feminilidade positivada se alinharia ao feminino enquanto criação, receptividade e continência.

3 - A sobreposição da mulher à natureza e ao sagrado – o culto à grande