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Elementos da Racionalidade Substantiva no planejamento da FUMSSAR

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.4 COMO AS RACIONALIDADES SE MANIFESTAM NO PROCESSO DE

4.4.2 Elementos da Racionalidade Substantiva no planejamento da FUMSSAR

A partir dos dados coletados também identificaram-se características da racionalidade substantiva no planejamento da FUMSSAR. O entrevistado A do nível estratégico afirma que: “...precisamos qualificar as pessoas e isso está definido dentro do nosso aperfeiçoamento de gestão, um dos objetivos é atendimento qualificado, humanizado e seguro; além de capacitação, desenvolvimento e satisfação dos servidores...”. Verifica-se uma preocupação com a Humanização26 em Saúde.

A palavra “humanização”, em seu sentido histórico, foi consagrada como aquela que resgata valores e princípios éticos enternecidos pelo ser humano. Depois da era moderna surgiu o período que muitos denominam de pós-modernidade. Percebeu-se que a ciência e a razão não foram capazes de dar conta dos anseios e questões do homem, motivo pelo qual as pessoas, descrentes com os ideais utópicos propostos na modernidade, diminuíram a crença nos coletivos sociais e começaram a valorizar, cada vez mais, a si mesmas. Isso possibilitou um individualismo profundo, o qual resultou em extrema intolerância com o outro, com o diferente (RIOS, 2009).

A Humanização em Saúde vem sendo extensamente disseminada nos dias atuais, especialmente, pela necessidade de promover relações mais humanas entre o cuidado, a assistência e o usuário do serviço de saúde. Por estar relacionada ao campo da ética a humanização é essencial, pois procura acordos de cooperação pautados em valores humanos coletivamente pactuados. Neles, há respeito, compaixão, bondade (OLIVEIRA; COLLET; VIERA, 2006).

26 Brasil (2006b, p. 43-44): No campo da Saúde, humanização diz respeito a uma aposta ético-estético-política:

ética porque implica a atitude de usuários, gestores e trabalhadores de saúde comprometidos e co-responsáveis; estética porque acarreta um processo criativo e sensível de produção da saúde e de subjetividades autônomas e protagonistas; política porque se refere à organização social e institucional das práticas de atenção e gestão na rede do SUS. O compromisso ético-estético-político da humanização do SUS se assenta nos valores de autonomia e protagonismo dos sujeitos, de co-responsabilidade entre eles, de solidariedade dos vínculos estabelecidos, dos direitos dos usuários e da participação coletiva no processo de gestão.

Serva (1997a) expõe que a ação racional substantiva é guiada para duas dimensões; na dimensão individual, refere-se à autorrealização, entendida como concretização de potencialidades e satisfação; na dimensão grupal, diz respeito à compreensão, nas direções da responsabilidade e da satisfação social.

Assim, a Humanização em Saúde está ligada à racionalidade substantiva porque também busca a responsabilidade e satisfação social. A Humanização representa um anseio do bem-estar coletivo, uma característica da racionalidade substantiva. As falas a seguir complementam:

...e o que precisa ficar claro é que trabalhamos com saúde, a qual possui peculiaridades. Existem unidades (UBS) com questões específicas que temos que trabalhar de forma individual. Não é possível trabalhar um padrão, o padrão da técnica, por exemplo, a técnica é única, mas a execução da técnica é de cada servidor, é do perfil de cada técnico (Entrevistado B do nível estratégico).

O usuário é a razão da nossa existência, então, toda essa captação que se faz, ela é justamente para o usuário. Mas, ele não é uma forma de investimento, a nós cabe tranquilizar e fazer o cuidado da saúde da pessoa... o nosso desafio é cuidar bem da saúde das pessoas... (Entrevistado C do nível estratégico).

Quando o entrevistado B do nível estratégico afirma: “...e o que precisa ficar claro é que trabalhamos com saúde...”, ele está se referindo ao fato de trabalhar, prestar um serviço para pessoas, as quais cada uma possui características e histórias de vida diferentes. Ninguém é igual ao outro, cada um tem as suas próprias características e vivências. E a Fundação procura não enquadrar todos no mesmo processo, mas proporcionar condições para que os servidores consigam identificar o que o usuário necessita e disponibilizar a ele, dentro de certas diretrizes, as quais possuem determinada flexibilidade.

Este mesmo entrevistado expõe que: “...mas a execução da técnica é de cada servidor...”. Observa-se nesta fala que o respondente percebe que nenhuma ação pode ser considerada totalmente padronizada, rígida, com apenas um modo de execução, porque é realizada por uma pessoa, a qual possui características particulares. Por exemplo, a aplicação de uma vacina. Existe a técnica que está descrita nos livros que explica cada passo que o vacinador deve executar. No entanto, nenhum vacinador é igual ao outro, a forma que ele vai recepcionar o paciente, a maneira que vai executar o procedimento, e a despedida serão diferentes de servidor para servidor.

Bellucci (2015) afirma que Ramos indica a existência de lugares onde os indivíduos podem se atualizar (encontrar a autorrealização pessoal) como ser humano, serem criativos, terem escolhas pessoais e relacionamentos interpessoais. Onde conseguem orientar suas ações

a partir da racionalidade substantiva. E não somente na racionalidade instrumental, como acontece na sociedade centrada no mercado, quando esta pressiona com regras que devem ser seguidas de maneira a reprimir os valores do indivíduo.

Assim, percebe-se o reconhecimento dos gestores que a FUMSSAR trabalha com pessoas, para atender pessoas, e cada um possui desejos e anseios; foi percebido que a Fundação está buscando construir espaços e ações que levem em consideração as individualidades dos servidores.

O entrevistado C do nível estratégico afirma que: “O usuário é a razão da nossa existência...”. O mesmo ainda continua: “...a nós cabe tranquilizar e fazer o cuidado da saúde da pessoa...”. Observa-se o comprometimento do servidor com o usuário, e o entendimento que sua função, como o próprio nome diz, busca servir aos cidadãos. Ratificado pela transcrição:

Quando você consegue atingir a satisfação do usuário a tua aumenta. Quando você consegue fazer o teu trabalho e trazer benefícios, garantir um direito... É preciso trabalhar para os usuários levando em consideração que o usuário deve ter a primazia (Entrevistado E do nível operacional).

Identifica-se que a preocupação com o usuário está em todos os níveis dentro da FUMSSAR, principalmente nos profissionais que trabalham no nível operacional, especialmente aqueles que possuem contato direto com os usuários, estes mantêm vínculos com os pacientes. Eles desenvolvem uma ligação maior, por exemplo, os profissionais que atuam nas Unidades Básicas de Saúde, pois há usuários que moram há anos no mesmo lugar, e servidores que estão há anos naquele distrito, assim conhecem o paciente profundamente.

Para Lee (2004) a interação que valora o ser humano é muito mais abrangente e eficaz, conseguindo melhor diagnosticar os problemas e procurar as soluções. Além disso, ela é fundamental para a melhora no ambiente de trabalho, porque objetiva a participação de todos no processo, o que compreende aspectos multidisciplinares, fator este de grande contribuição para o frequente aprimoramento das relações entre profissionais de saúde e pacientes.

Percebe-se a valorização dos servidores e o comprometimento dos mesmos na fala do entrevistado A do nível estratégico quando indagado sobre quais palavras-chaves ele diria para definir o planejamento da Fundação, o mesmo afirmou: “...gestão, profissionais competentes ou excelentes profissionais e eu acredito que também foco...”. Já o entrevistado A do nível tático respondeu: “Qualidade nos atendimentos à população...”. Esta última transcrição demonstra que os servidores acreditam estar prestando um bom atendimento. A fala a seguir mostra o que a FUMSSAR planeja para o futuro:

...nós começamos a desenvolver o Planejamento Estratégico ele está em andamento, definimos alguns objetivos... começamos a olhar como queremos a Fundação daqui 5, 10, 15 anos e já temos alguns objetivos alinhados para isso, um deles é aperfeiçoar a gestão... (Entrevistado A do nível estratégico).

Assim, constata-se que a Fundação deseja qualificar seus servidores, e possui para isso um projeto a longo prazo, demonstrando que a instituição acredita que um dos fatores que pode ajudá-la a alcançar seus objetivos são os seus profissionais, sem esquecer de atender com qualidade o usuário. Desse modo, identifica-se uma característica da racionalidade substantiva o que Serva (1997a) denominou de valores emancipatórios, no qual se enfatizam os valores de mudança e aperfeiçoamento do social nas direções do bem-estar coletivo, da solidariedade, do respeito à individualidade, da liberdade e do comprometimento, que há nos indivíduos e no ambiente normativo do grupo.

Observa-se esta valorização através das capacitações e treinamentos oferecidos pela FUMSSAR aos seus servidores. A organização procura qualificar todos os servidores, oportunizando que o maior número de profissionais se qualifique. Explicitado na transcrição na sequência:

Existem cursos periódicos que são ministrados em Porto Alegre, onde cada vez um servidor diferente participa, dando assim oportunidade a todos. Visando capacitar em relação às atividades do setor e que auxiliam na elaboração do planejamento desenvolvido... (Entrevistado B do nível tático).

Há um projeto em andamento na FUMSSAR denominado de: aperfeiçoamento da gestão, o qual tem por objetivo identificar as demandas e proporcionar os treinamentos necessários. Andrade, Tolfo e Dellagnelo (2012) expõem que o sentido substantivo do trabalho possibilita a autonomia; permite o desenvolvimento de relacionamentos satisfatórios; possibilita satisfação pessoal; a autorrealização; a aprendizagem e desenvolvimento; o sentimento de vinculação; o reconhecimento simbólico; e contribui para a sociedade. A transcrição a seguir aborda sobre o trabalho:

...não existe servidor ruim, eu não acredito em servidor ruim, eu acredito em servidor no lugar errado... se você não gosta de fazer uma coisa e coloco você executar aquilo, você vai ser o pior servidor e você não é meu pior servidor, mas eu o transformo no pior. Hoje, o grande segredo para qualquer instituição funcionar bem é o gerenciamento de pessoas, quem hoje não consegue trabalhar bem com as pessoas, não vai conseguir gerenciar nenhum serviço. Mas claro gerenciar pessoas necessita possuir uma postura de acordo... (Entrevistado C do nível estratégico).

Quando o entrevistado C do nível estratégico afirma que: “...se você não gosta de fazer uma coisa e coloco você executar aquilo, você vai ser o pior servidor e você não é meu pior

servidor, mas eu o transformo no pior”. Percebe-se uma preocupação com a satisfação pessoal do servidor, em colocar a pessoa em um trabalho que ela seja apta, mas que também goste, sinta prazer com o que está fazendo. Observa-se que é levado em consideração as características do servidor, sua individualidade.

Esta fala aborda sobre o processo organizacional de divisão do trabalho, que na perspectiva racional substantiva enfoca a autorrealização, entendimento e autonomia (SERVA, 1997b). A autorrealização são processos de concretização do potencial inato do indivíduo, acrescidos pela satisfação. O entendimento: ações pelas quais se estipulam acordos e consensos racionais, mediadas pela comunicação livre e coordenando atividades comuns sob o amparo da responsabilidade e da satisfação social (SERVA, 1997a).

Identificou-se entendimento, principalmente, em relação à saúde, aos usuários. O entendimento é construído especialmente nas reuniões (de categoria, das comissões, das Linhas de Cuidado,...), e estão relacionadas a ações a serem executadas referente à saúde do usuário.

Constata-se que, ao ignorar as necessidades e valores dos indivíduos, os resultados almejados de uma organização irão reduzir com o tempo, porque terão que conviver em um ambiente de stress e insatisfação (RAMOS JÚNIOR, 2017).

Um dos processos organizacionais complementares considerados por Serva para avaliar a racionalidade substantiva é a reflexão sobre a organização, a qual à luz da racionalidade substantiva possui as características de julgamento ético e valores emancipatórios (SERVA, 1997b).

O julgamento ético é a deliberação fundamentada em juízos de valor (bom, mau, verdadeiro, falso, certo, errado, etc.), que se processa por meio do debate racional sobre as pretensões de validez emitidas pelos indivíduos nas interações (SERVA, 1997a). Na fala a seguir percebe-se um julgamento ético realizado por um dos entrevistados do nível estratégico:

E o tempo também é outra variável bastante considerada porque você possui um tempo legal que você precisa respeitar, e ele é moroso. Isso é muito ruim no serviço público, é ruim sob a ótica de quem faz um trabalho fiel, quem tem uma ética, uma boa índole. Mas, essa morosidade é necessária para que não se tenha desvio de recursos públicos... (Entrevistado B do nível estratégico).

O entrevistado B do nível estratégico expressa a sua opinião sobre as normas que são necessárias, e que o serviço público precisa seguir, no entanto, algumas vezes acarreta em um tempo maior para a execução das atividades.

A racionalidade substantiva foi identificada em todos os níveis organizacionais, com destaque para o nível operacional onde a predominância foi expressiva. No entanto, percebeu- se que os servidores possuem tanto características da racionalidade instrumental, assim como da substantiva. O quadro 7 a seguir traz as características das racionalidades identificadas no planejamento da FUMSSAR:

Quadro 7 - Características das racionalidades presentes no planejamento da FUMSSAR

RACIONALIDADE INSTRUMENTAL RACIONALIDADE SUBSTANTIVA

Cálculo Autorrealização

Utilidade Satisfação social

Maximização de recursos Valores emancipatórios

Desempenho Julgamento Ético

Fins Entendimento

Fonte: Elaborado pela autora, 2019.

Observa-se tanto a presença de características substantivas como instrumentais. No nível estratégico verificou-se a presença de ambas, no entanto, com predomínio da substantiva. Cabe destacar, porém, que neste nível ocorreu o maior grau de racionalidade instrumental se comparado aos outros níveis. No nível tático da mesma forma identificou-se ambas as racionalidades, com predominância da substantiva. No nível operacional constatou- se uma frequência bem pequena de características instrumentais, as substantivas foram expressivamente predominantes.

No nível estratégico e tático estão os gestores da FUMSSAR, observou-se que entre estes ocorre uma tensão entre a racionalidade substantiva e a instrumental. Ao mesmo tempo em que pensam na saúde do usuário, necessitam trabalhar com os recursos disponíveis; pode- se destacar os financeiros, os quais estão cada vez mais reduzidos, ou atrasados. Neste sentido, Siqueira (2017) afirma que a ação racional substantiva e a ação racional instrumental são complementares. A apresentação da tensão entre os dois polos pode ser tanto funcional como disfuncional. Não é a presença de tensão que irá definir o sucesso ou não de uma organização, mas sim, o modo como esta tensão é vista pelos sujeitos.

Enfim, a racionalidade substantiva e a racionalidade instrumental estão presentes nas organizações. Não existe uma organização que seja completamente uma ou outra. Há uma tensão entre ambas, e a organização precisa trabalhadar essa tensão com base nos seus princípios e objetivos.