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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 O SER RACIONAL: RACIONALIDADE INSTRUMENTAL versus

2.3.2 Racionalidade Substantiva

O desenvolvimento da ciência e o domínio da técnica são características que pode-se destacar no mundo moderno. Neste cenário, a supremacia da técnica se elevou como lema para o crescimento descontrolado, fundamentando-se no pressuposto de uma razão única e homogênea, restringindo-a em uma concepção de homem, exclusivamente, instigado por uma racionalidade técnica e utilitarista (CAITANO; SERVA, 2012). Ou seja, houve um domínio da razão instrumental.

No entanto, alguns autores têm discutido formas de racionalidade alternativas à instrumental. No Brasil, destaca-se Alberto Guerreiro Ramos, o qual na obra A Nova Ciência das Organizações: uma reconceituação da riqueza das nações, de 1981, aprofundou o estudo sobre a racionalidade substantiva, e serve de referência para vários outros pesquisadores.

Na interpretação de Ramos (1989), a racionalidade substantiva está evidenciada no Ser Existencial, ou seja, no Ser Humano e é comum a todas as pessoas, em todas as épocas. A sua função na sociedade atual é proporcionar a reflexão sobre a relevância das variedades históricas da condição humana e dos valores éticos e humanos.

A racionalidade substantiva seria um atributo natural do ser humano, ela estaria na psiquê. Através dela, os sujeitos poderiam guiar sua vida pessoal na direção da autorrealização, contrabalançando essa busca de emancipação e autorrealização com a obtenção da satisfação social, ou seja, levando em consideração também o direito dos outros indivíduos de fazê-lo. As bases para esse equilíbrio seriam o debate racional e o julgamento ético-valorativo das ações (SERVA, 1997a).

Para Ramos (1989), a racionalidade substantiva, ao contrário da racionalidade instrumental, possui estreitas relações com o senso comum, devido ao fato de originar-se do exercício de um senso da realidade comum a todas as pessoas, em todos os tempos e em todos os lugares. Ela torna apto o sujeito a ordenar a sua vida eticamente, produzindo ações, por meio do debate racional para alcançar um equilíbrio dinâmico entre a satisfação pessoal e a satisfação social, assim como, a autorrealização pela concretização de suas potencialidades humanas.

dimensão individual, refere-se à autorrealização, entendida como concretização de potencialidades e satisfação; na dimensão grupal, diz respeito à compreensão, nas direções da responsabilidade e da satisfação social. No entendimento de Siqueira (2012, p. 28): “A autorrealização só pode ser conquistada quando a pessoa é capaz de ir além da mera sobrevivência e agir de acordo com os impulsos superiores da razão substantiva”. Este mesmo autor ainda complementa que na sociedade centrada no mercado, o sujeito é compelido a se comportar segundo padrões exteriores.

Já para Tenório (2004), a racionalidade substantiva pode ser conceituada como a compreensão individual-racional da interação de acontecimentos em certo momento. Cerri, Maranhão e Pereira (2017, p. 126) acrescentam: “Sabe-se que a racionalidade substantiva está estreitamente ligada ao conceito de emancipação enquanto ser e sua capacidade de reflexão”. Serva (1997a) complementa ao expor que os elementos que formam a ação racional substantiva são:

a) autorrealização - processos de concretização do potencial inato do indivíduo, acrescidos pela satisfação;

b) entendimento - ações pelas quais se estipulam acordos e consensos racionais, mediadas pela comunicação livre e coordenando atividades comuns sob o amparo da responsabilidade e da satisfação social;

c) julgamento ético - deliberação fundamentada em juízos de valor (bom, mau, verdadeiro, falso, certo, errado, etc.), que se processa por meio do debate racional sobre as pretensões de validez emitidas pelos indivíduos nas interações;

d) autenticidade - integridade, honestidade e franqueza dos indivíduos nas interações; e) valores emancipatórios – os quais pode-se ressaltar os valores de mudança e aperfeiçoamento do social nas direções do bem-estar coletivo, da solidariedade, do respeito à individualidade, da liberdade e do comprometimento existentes nos indivíduos e no contexto normativo do grupo;

f) autonomia - condição plena dos indivíduos para poder atuar e expressar-se livremente nas interações.

Ramos apresenta um grupo de pressupostos com o intuito de construir uma teoria da razão substantiva da administração necessária à reformulação da ciência organizacional tradicional. Os quais são: o homem possui variados tipos de necessidades, cuja satisfação requer múltiplos tipos de cenários sociais; o sistema de mercado só satisfaz a limitadas necessidades humanas, onde se espera do indivíduo um desempenho consistente com regras de comunicação operacional formal ou critérios intencionais e instrumentais, atuando como

um ser trabalhador (RAMOS, 1989).

Outros pressupostos que o autor apontou são: diferentes categorias de tempo e espaço vital correspondem a tipos variados de cenários organizacionais; variados sistemas cognitivos dizem respeito a diferentes cenários organizacionais; diferentes cenários sociais exigem enclaves distintos no contexto geral da tessitura da sociedade, com vínculos que os tornam inter-relacionados (RAMOS, 1989).

A ação administrativa é organizada entre a racionalidade funcional e a substantiva (RAMOS, 1983). Ou seja, racionalidade substantiva vai almejar a satisfação humana procurando equilibrar os interesses individuais e coletivos.

As finalidades da vida humana são várias e só algumas destas pertencem ao campo das organizações econômicas formais. Regras operacionais, mecânicas, não se adaptam a todo o espectro da conduta humana. Por isso, uma abordagem substantiva das organizações deve analisar não só o caráter econômico de sobrevivência, mas também o caráter simbólico do significado de sua existência (SIQUEIRA, 2012).

Bellucci (2015) afirma que Ramos aponta a existência de lugares onde os indivíduos podem se atualizar9 como ser humano, serem criativos, terem escolhas pessoais e relacionamentos interpessoais. Podem assim, orientar suas ações a partir da racionalidade substantiva. E não unicamente na racionalidade instrumental, como ocorre na sociedade centrada no mercado, quando esta pressiona com regras que devem ser seguidas de maneira a reprimir os valores do indivíduo.

Serva (1996) complementa ao explanar que Ramos denominou de isonomias, as organizações onde a racionalidade substantiva prevalecia, as quais seriam uma espécie de tipo ideal, uma categoria de análise.

No entendimento de Serva (1993, p. 39), em organizações nas quais os traços da racionalidade substantiva apresentam-se com maior intensidade: “A reflexão a respeito da organização, seus caminhos, objetivos e práticas, em geral, é intensa e coletivizada. Nota-se a participação generalizada dos membros nas discussões”. Assim, a racionalidade substantiva veio para contrapor os princípios da racionalidade instrumental. Ela guia a ação individual visando à autorrealização, sem esquecer dos outros, através da satisfação social.

9 O sujeito não é um maximizador de lucros, ele procura continuamente sua atualização, ou seja, sua