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4.1 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

4.1.2 Elementos de Conexão

4.1.2.2 Elementos de Conexão Material

No tópico antecedente está prevista a possibilidade de a autoridade judiciária brasileira e de a autoridade judiciária estrangeira reconhecerem ações obrigacionais e manifestações em seus efeitos no Brasil (art. 21, II e III, CPC, c/c, art. 12, LINDB) Portanto, adotando a jurisdição civil brasileira ou estrangeira resolverá a lide de acordo com as regras processuais do país onde foi proposta a ação judicial.

Porém, resta a indagação acerca de qual direito material será aplicado quando há ofensa à integridade moral de vítima de pornografia de vingança domiciliada no Brasil, por ofensor domiciliado no estrangeiro.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro indica qual legislação será aplicada nos casos de cunho material, elencados nos art. 7º a 11, conforme quadro que segue:

Quadro 7 – Regras de conexão sobre direito material:

Artigo Situação Elemento de conexão

Art. 7º Capacidade, personalidade, direito de família e nome

Lei do domicílio Art. 7º, §1º Formalidade de celebração e impedimentos de

casamento

Lei do local da celebração Art. 7º, §3º Invalidade do casamento Primeiro domicílio conjugal

Art. 7º, §4º Regime de Bens Domicílio dos Nubentes

Art. 8º Bens imóveis Lei da situação do bem

Art. 8º, §1º Bens móveis trazidos pelo proprietário ou destinados ao transporte

Lei do domicílio do proprietário

Art. 8º, §2º Penhor Lei do domicílio da pessoa que esteja na

posse do bem

Art. 9º, caput Obrigação contratual e extracontratual Lei do país onde foi constituída Art. 9º, §1º Obrigação que necessita de formalidade especial Lei de onde foi constituída e lei do local da

execução

Art. 9º, § 2º Contratos com oferta a público Lei do domicílio do proponente

Art. 10, caput Sucessões Lei do domicílio de cujus

Art. 10, §1º Sucessões em relação ao cônjuge e aos filhos brasileiros e aos imóveis situados no Brasil

Lei brasileira ou a estrangeira se mais favorável.

Art. 10, §2º Capacidade para suceder Domicílio do herdeiro ou legatário Art. 11 Personalidade jurídica das pessoas jurídicas Lei do local da constituição da pessoa

jurídica Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor (2017).

Para responder à indagação supracitada e saber qual direito material será aplicado (nacional ou estrangeiro), deverá ser analisado o art. 7º, caput, e 9º, caput, ambos, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Art. 7º. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

[...]

Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

A capacidade e os direitos da personalidade dos sujeitos, tanto ofensor, como também ofendido, são regulados por seus direitos domésticos (domicílio). A respeito, sabe-se que personalidade é a forma de aquisição de direito e cumprimento de obrigação, também conhecida por capacidade jurídica. Já sobre a capacidade de fato, cabe às pessoas aptas gerirem os próprios bens e interesses da vida. Ou seja, toda pessoa possui capacidade jurídica (personalidade), mas não de fato (RIZZARDO, 2015, p. 186).

Dessa forma, para o sujeito ser demandado na via processual, precisa ser inteiramente capaz, pois, do contrário, será representado ou assistido, já que só pode demandar ou ser demandado aquele que possuir plenitude da capacidade. E esta capacidade plena é regida pela lei de seu domicílio.

O art. 9º, caput, da LINDB, cita que será aplicada a lei do local onde foi constituída a obrigação e, como já haurido no capítulo antecedente, verifica-se que o pressuposto da responsabilidade civil ocorre quando há descumprimento de uma obrigação contratual ou extracontratual, estabelecida no local em que se constitui, seja pela via contratual, seja pela via da imposição legal.

Isto é, quando o juiz for chamado a decidir uma controvérsia, no âmbito do Poder Judiciário, sobre relação obrigacional (inclusive contratual), e tiver que decidir a lei material aplicável, esta deverá ser a do “local onde a obrigação se constituiu” – locus regit actum (BASSO, 2016, p. 277). Contudo, a menção é unicamente a despeito da obrigação contratual ou extracontratual, mas não sobre as consequências do cumprimento ou não cumprimento destas.

O Código de Bustamante, por sua vez, no título IV, representado pelos arts. 164 a 174, traz exposições acerca da teoria geral das obrigações no cenário internacional, inclusive, remetendo qual legislação será a aplicada caso haja descumprimento (BRASIL, 1929).

O art. 164 do referido Código Expressa “O conceito e a classificação das obrigações subordinam-se à lei territorial” (BRASIL, 1929). Portanto, a conceituação prevista no direito material privado possui nítida aplicação nos fatos jurídicos ocorridos no cenário nacional.

Jó (2000, p. 464),c explica que ambas as obrigações (contratual e extracontratual) possuem diferenças acerca de qual legislação material será aplicada. A regra prevista no art. 9º, caput, da LINDB afirma que será aplicada a legislação do local – locus regit actum.

Sabe-se que as obrigações extracontratuais são aquelas provenientes do ordenamento jurídico, cujo descumprimento acarreta violação do direito e, portanto, o nascimento do ilícito, tornando o infrator responsável pelo ato cometido (LUNARDI, 2014, p. 57). E complementa os arts. 165 e 169, respectivamente, do Código de Bustamante que “as

obrigações derivadas da lei regem-se pelo Direito que as tiver estabelecido” e “a natureza e os efeitos das diversas categorias de obrigações, assim como a sua extinção, regem-se pela lei da obrigação que se trate” (BRASIL, 1929).

E ainda, no art. 168, “as obrigações que derivem de atos ou omissões, em que intervenha culpa ou negligência não punida pela lei, reger-se-ão pelo Direito do lugar em que tiver ocorrido a negligência ou culpa que as origine”. Esta regra é, notadamente, a teoria do dolo e da culpa, seja em grau comissivo ou omissivo, no qual remete a legislação que considere o ato danoso, mesmo que outra proveniente de país estrangeiro assim não constitua.

Nesse sentido, Jó (2001, p. 469) indica que “os elementos subjetivos do ato ilícito, como a existência de dolo ou culpa, e os elementos objetivos, como a ocorrência do dano e o nexo causal, são determinados pela lei do país da ocorrência do ilícito”.

Observa-se, portanto, que todas as expressões descritas (arts. 164 a 169) remetem ao direito da localidade onde ocorreu descumprimento da obrigação extracontratual (BRASIL, 1929), sob a justificativa de que, “para atender esse objetivo público da autoridade local, o lugar de ocorrência tem prioridade tanto sobre a jurisdição quanto sobre a lei aplicável, não importando a nacionalidade ou o domicílio das partes” (JO, 2001, p. 464).

Magalhães (1995, p. 104) afirma que pouco importa se a obrigação de indenizar é proveniente de ilícito punido ou não pela lei penal, porque, sempre que houver descumprimento de qualquer obrigação, será aplicado lex loci actus. Mas se este “loci” for o mundo digital? O parágrafo único do art. 3º da Lei do Marco Civil da Internet refere que as normas decorrentes da lei sobre a internet não excluem as outras normas previstas no direito interno ou externo (BRASIL 2014).

A Convenção Interamericana Sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado de Montevidéu (Decreto nº 1.979/96), no seu art. 1, expressa que, havendo lacuna sobre qual direito se possa aplicar em caso concreto, deve-se recorrer às regras de resolução de conflito de normas do direito interno (BRASIL, 1996), ou seja:

Artigo l.

A determinação da norma jurídica aplicável para reger situações vinculadas com o direito estrangeiro ficará sujeita ao disposto nesta Convenção e nas demais convenções internacionais assinadas, ou que venham a ser assinadas no futuro, em caráter bilateral ou multilateral, pêlos Estados Partes.

Na falta de norma internacional, os Estados Partes aplicarão as regras de conflito do seu direito interno. (BRASIL, 1996 – grifo nosso).

Não é possível verificar na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro qualquer dispositivo que se aplique incontestavelmente nas hipóteses ocorridas ao dano, porque necessita de uma interpretação sistemática (conjunto de outras fontes) para poder, assim, responder a problemática e saber qual direito material será invocado.

Neste sentido, combinando o art. 1º da Convenção Interamericana Sobre Normas Gerais e Direito Internacional Privado de Montevidéu, com o art. 8º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e os art. 164 a 169, do Código de Bustamante, poderá verificar que, na ausência de normas específica em um tratado direcionando qual legislação material será aplicada, poderá invocar o direito doméstico nos casos de responsabilidade civil no ciberespaço, perpetrada por pessoa domiciliada no estrangeiro, contra pessoa domiciliada no Brasil.“Por isso, o lugar do ato ilícito cometido pode ser diferente do lugar onde ocorreram os seus efeitos” (JO, 2000, p. 469), e portanto, “Deverá o juiz examinar [...] em que países a obrigação gera efeitos e daí determinar onde ela se constituiu para fins de lei aplicável” (BASSO, 2016, p. 277).

Assim, Jo (2000, p. 469), Dolinger (2005, p. 294), Malheiro (2012, p. 24), Rechsteiner (2012, P. 414), Medina (2015, p. 44) e Miller (2017, p. 117) afirmam que se aplica a lex damni, ou seja, a lei do local do fato ou ato em que se manifestaram as consequências do ilícito e experimentados pela vítima, decorrentes do descumprimento da obrigação, restando a aplicação da legislação do local da ofensa.

Ante o exposto, pode o juiz conhecer da ação judicial indenizatória contraréu domiciliado no estrangeiro quando viola a integridade moral de vítima domiciliada no Brasil, para, em se tratando de pornografia de vingança no ciberespaço, aplicar tanto a legislação processual civil, como também o direito material civil.

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