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3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL

3.3.6 Liberdade de expressão e integridade moral

O Estado Constitucional e Democrático tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e a liberdade, conforme expresso no inciso III do art. 1º, bem como, caput do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil vigente (BRASIL, 1988). São direitos políticos e civis de cada cidadão de característica absoluta e não abdicável (FERREIRA FILHO, 2008, p. 298) com reconhecimento universal, prevista no art. 5º, inciso IX, CRFB, bem como no caput e alíneas do art. 13 da CADH (MENDES; BRANCO, 2014, p. 217).

A liberdade, segundo Silva, J. (2002, p. 240) pode ser tanto física (de corpo) como também a de expressão (transmissão e recepção informação por qualquer meio), que atualmente, está prevista 6 vezes na Lei do Marco Civil da Internet (BRASIL, 2014).

A liberdade de comunicação, expressa no caput e incisos do art. 220 da Constituição Federal, é um desdobramento lógico da liberdade de expressão (MORAES, 2014, p. 865), e apesar de enfrentar embate com a integridade moral o STF em Ação Originária nº 1390, que “Embora seja livre a manifestação do pensamento, tal direito não é absoluto. Ao contrário, encontra limites em outros direitos também essenciais para a concretização da dignidade da pessoa humana: a honra, a intimidade, a privacidade e o direito à imagem” (BRASIL, 2011, p. 1). E no mesmo sentido, o art. 3º, VI, e 7º, I, da Lei do Marco Civil da Internet afirma que:

Art. 3º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...]

VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 2014).

Segundo a interpretação de Santos (2009, p. 123/125), antes da promulgação do Marco Civil da Internet já afirmava que independente de o dano ter sido cometido no ambiente físico ou virtual, havendo ofensa à integridade moral por exposição não autorizada da imagem, há garantia do direito de resposta pelo ofendido contra o ofensor do ato ilícito, aplicando a lei

já existente em critério de subsunção, isso porque “uma das limitações à liberdade de comunicação social é o respeito devido ao direito à privacidade, à imagem e à intimidade dos indivíduos — valores que passaram a frequentar normas constitucionais com a Carta de 1988” (MENDES; BRANCO, 2014, p. 404). E no mesmo sentido, o STJ:

RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PROVEDOR DE SERVIÇOS DE INTERNET. REDE SOCIAL "ORKUT". RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CONTROLE EDITORIAL. INEXISTÊNCIA. APRECIAÇÃO E NOTIFICAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. ART. 19, § 1º, DA LEI Nº 12.965/2014 (MARCO CIVIL DA INTERNET). INDICAÇÃO DA URL. MONITORAMENTO DA REDE. CENSURA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE. RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS CONTRATUAIS. NÃO CABIMENTO. 1. Cuida-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais e materiais, decorrentes de disponibilização, em rede social, de material considerado ofensivo à honra do autor. 2. A responsabilidade dos provedores de conteúdo de internet em geral depende da existência ou não do controle editorial do material disponibilizado na rede. Não havendo esse controle, a responsabilização somente é devida se, após notificação judicial para a retirada do material, mantiver-se inerte. Se houver o controle, o provedor de conteúdo torna-se responsável pelo material publicado independentemente de notificação. Precedentes do STJ. 3. Cabe ao Poder Judiciário ponderar os elementos da responsabilidade civil dos indivíduos, nos casos de manifestações de pensamento na internet, em conjunto com o princípio constitucional de liberdade de expressão (art. 220, § 2º, da Constituição Federal). 4. A jurisprudência do STJ, em harmonia com o art. 19, § 1º, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), entende necessária a notificação judicial ao provedor de conteúdo ou de hospedagem para retirada de material apontado como infringente, com a indicação clara e específica da URL - Universal Resource Locator. 5. Não se pode impor ao provedor de internet que monitore o conteúdo produzido pelos usuários da rede, de modo a impedir, ou censurar previamente, a divulgação de futuras manifestações ofensivas contra determinado indivíduo. 6. A Segunda Seção do STJ já se pronunciou no sentido de ser incabível a condenação da parte sucumbente aos honorários contratuais despendidos pela vencedora. 7. Recurso especial provido. (BRASIL, 2016)

A partir do excerto, é inegável a aplicação da lei brasileira sobre os fatos, atos e conteúdos produzidos e reproduzidos no ciberespaço, podendo punir o ofensor quando realizar ações contrárias ao ordenamento jurídico (ilícito) e cometer dano ao ofendido (vítima).

Cabe, portanto, analisar qual a orientação jurisprudencial, para que saiba se há ou não divergência acerca do instituto do uso não autorizado da imagem, intimidade, vida privada pela pornografia de vingança, ressaltando-se que as jurisprudências coletadas nesta pesquisa foram baseadas unicamente nos direitos personalíssimos com fulcro na integridade moral e estão organizadas, conforme quadros a seguir:

Quadro 4 – Julgados favoráveis nos Tribunais de Justiça Estaduais a respeito de pornografia por vingança:

Região Tribunal de

Justiça Acórdão nº Julgamento Frase de pesquisa

No

rte

Rondônia A.C. 0002119-85.2013.8.22.0002 01/12/2016 Exposição de foto nua Roraima A.C. 0010.12.711030-1 22/07/2014

Uso não autorizado de imagem

Tocantins A.C. 0010546-79.2016.827.9200 28/06/2016 Intimidade na rede social Acre A.C. 0703495-19.2014.8.01.0001 08/08/2017 Intimidade na internet Amapá A.C. 0002743-83.2004.8.03.0001 29/09/2009 Intimidade na internet Amazonas A.C. 0333293-53.2007.8.04.0001 31/03/2014

Exposição de foto em site pornográfico

Pará A.C. 0008821-45.2013.8.14.0301 24/02/2017

Uso não autorizado de imagem

No

rd

este

Bahia A.C. 0016139-15.2000.8.05.0001 07/01/2013

Uso não autorizado de imagem

Paraíba A.C. 2005.3.006368-1 29/10/2009

Uso não autorizado de imagem

Alagoas A.C. 0000052-98.2008.8.02.0061 06/04/2017

Uso não autorizado de imagem

Pernambuco A.C. 3198101 12/03/2014

Exposição de foto nua na internet

Sergipe A.C. 2660 19/04/2007

Uso não autorizado de imagem íntima Ceará A.C. 0095605-21.2006.8.06.0001 16/11/2016

Uso não autorizado de imagem íntima

Maranhão A.C. 26705/2012 12/03/2015

Exposição de foto nua na internet

Piauí A.C. 07002157-2 25/02/2015 Uso indevido da imagem

Rio Grande

do Norte A.C. 2010.011768-1. 27/01/2011 Uso indevido da imagem

C

en

tr

o

-Oeste

Goiás AC. 35142-32.2013.8.09.0051 16/06/2016 Uso indevido da imagem Distrito

Federal e

Territórios A.C. 1047598 27/09/2017 Pornografia de Vingança Mato Grosso A.C 83270/2008 17/02/2010 Uso indevido da imagem Mato Grosso

do Sul A.C. 0371556-98.2008.8.12.0001 05/06/2014

Exposição de foto nua na internet

Su

d

este

Minas Gerais A.C.1.0427.09.009180-7/002 07/02/2014 Cenas de sexo na internet São Paulo A.C. 2015.0000821035 03/11/2015 Cenas de sexo na internet Espírito

Santo A.C. 0017539-88.2012.8.08.0024 26/05/2017

Exposição de foto nua na internet

Rio de

Janeiro A.C. 0292283-70.2011.8.19.0001 20/07/2016 Cenas de sexo na internet

Su

l

Santa

Catarina A.C. 000926-23.2010.8.24.0119 28/07/2016 Cenas de sexo na internet Paraná A.C. 1548781-5 09/03/2017 Cenas de sexo na internet Rio Grande

do Sul A.C. 70067503557 19/10/2016 Cenas de sexo na internet Fonte: Pesquisa do Autor (2017).

A pesquisa foi realizada por exclusão e de modo sucessivo, até localizar casos relacionados violação à integridade moral, com reflexo no direito personalíssimo do ser humano, a partir das seguintes palavras: pornografia de vingança; cenas de sexo na internet;

nudez em rede social; uso indevido de intimidade; uso indevido da imagem; exposição na internet; internet e privacidade; dano moral em rede social.

Importante frisar, ainda, que as datas de procura foram sempre as mais recentes e liberadas pelos Tribunais, porque há casos em segredo de Justiça os quais alguns órgãos julgadores disponibilizam (suprimindo o nome das partes) e outros que não disponibilizam. Neste último caso, nem acesso a consulta é possível ser realizada.

Pelos julgamentos dos Tribunais de Justiça supracitados, percebe-se que a vítima de pornografia de vingança, mesmo quando autoriza a realização das fotos ou vídeos íntimos, não abre mão do seu direito à imagem, à privacidade ou à intimidade, isso porque, como se pode perceber, houve unicamente autorização para produção do material pornográfico de posse, apenas, entre aqueles que obtinham confiança para tanto. Portanto, diante da quebra de confiança, persiste o direito à reparação.

Na maioria dos casos, o simples fato da exposição da imagem em rede social ou em matéria jornalística, sem autorização do titular, é motivo ensejador de indenização por dano moral. E por este motivo, torna-se inegável também perquirir a reparação para a vítima de pornografia de vingança. Ou seja:

[...] A divulgação na internet, para conhecidos e desconhecidos, de imagens de ex- namorada nua, após o término do relacionamento, caracteriza a chamada

pornografia de vingança ("revenge porn") e consubstancia violência moral contra a mulher no âmbito de relação íntima de afeto, a qual foi prevista pelo legislador nacional no art. 5º, III, c/c art. 7º, V, da Lei 11.340/2006 ("Lei Maria da Penha"), ensejando a reparação por dano moral in re ipsa. [...] (BRASIL, 2017 – Grifo

nosso).

No mais, importante notar que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (BRASIL, 2017, p. 1), Tribunal de Justiça de Santa Catarina (BRASIL, 2016, p. 10), Tribunal de Justiça de São Paulo (BRASIL, 2015, p. 7), Tribunal de Justiça do Acre (BRASIL, 2017, p. 9), Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (BRASIL, 2016, p. 7), consideram o ato da pornografia de vingança (divulgar fotos ou vídeo com cenas de sexo ou nudez) dano in re ipsa, isto é, aquele que não precisa prova efetiva do abalo anímico e da má reputação social, bastando somente a existência deste ilícito para presumir-se o dano.

Assim, a pornografia de vingança, como haurido em tópico antecedente, por ser a exposição não autorizada de cenas de sexo ou imagem de natureza sexual em algum veículo de comunicação, seja em ambientes físicos, como jornais ou revistas, como também no ambiente virtual (ciberespaço), ocasiona dano e garante, portanto, à vítima o direito à reparação.

4 CONFLITOS DE APLICAÇÃO DAS NORMAS

A internet, com o passar dos anos, aproximou muitas pessoas de localidades diferentes, e continua avançando, a ponto de ser difícil identificar alguém que não conheça deste programa de computador.

O que antes servia somente para fins militares, hoje tem o escopo de juntar pessoas de diferentes nacionalidades ou jurisdição em um espaço não físico (virtual). Isso parece atingir a todas as nações em grau de importância, mas a legislação brasileira, por sua vez, não possui todas as respostas aos problemas que ocorrem neste ciberespaço (FERREIRA, É., 2008, p. 147 e 173).

Os internautas constituem, modificam e extinguem direitos subjetivos o tempo todo e respostas imediatas são possíveis quando ocorrem dentro do cenário nacional. Agora, quando ocorrem com pessoas físicas (naturais) ou jurídicas estrangeiras tem-se que observar as fontes do Direito (lei, tratado internacional, jurisprudência, doutrina ou direito costumeiro) para descobrir qual resposta é a mais adequada para o caso concreto (RECHSTEINER, 2012, p. 253).

Dessa forma, a famosa frase statutum nom ligat nisi súbditos, os estatutos (leis) só regem os súditos, do século XIII, referindo que as leis da localidade não deveriam ser aplicadas a estrangeiros, já que estes não pertenciam ou não possuíam vínculo com a localidade do fato, parcialmente deixou de existir, porque, hodiernamente, é possível identificar situações extraordinárias que sustentam aplicação da norma territorial ou extraterritorial para casos específicos (DOLINGER, 2005, p. 291/292).

Como se trata aqui de casos relativamente novos diante do cenário jurídico, envolvendo, neste caso, um ambiente não físico, a questão que se impõe é sobre qual seria a legislação aplicável? Haveria acesso ao Poder Judiciário? Para responder às indagações, primeiro há que se justificar qual juiz e qual legislação poderia ser invocada, o que se passa a fazer a seguir.

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