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5. O COMPORTAMENTO DA ESCRITA NO CIBERESPAÇO: divergências e

5.3 Categorias mais recorrentes: a análise dos processos

5.3.1. Abreviação:

5.3.1.1 Eliminação de vogais e consoantes:

A sílaba pode ser abreviada na escrita pela eliminação de vogais e consoantes, dados estes observados em maior ou menor incidência tanto no universo dos adultos quanto no dos adolescentes. Os dados encontrados nessa pesquisa evidenciam que a eliminação desses segmentos segue certas regras, justamente porque se caracterizam como um tipo de abreviatura. Assim, essa eliminação pode ser de diferentes tipos, como apresentado no quadro 23:

1 – p (para), t (te), c (com)

2 – hj (hoje), nd (nada), blz (beleza), pq (porque); GNT (gente); mt (muito ), td (tudo); vc (você), sb (sabe), nd (nada), dps (depois), tbm (também), ngm (ninguém), mts (muitos), qr (quero), msm (mesmo),

3 – kbeça (cabeça), qria (queria), ksa (casa), c (você), q (que), kbça (cabeça)

4 – bele (beleza), niver (aniversário), churras (churrasco), facul (faculdade) Quadro 23. Exemplos de formas de escrita divergentes com eliminação de vogais e/ou consoantes encontradas nos textos dos internautas adolescentes de ambos os sexos, de cidades das cinco regiões brasileiras.

Avaliando os exemplos apresentados no quadro acima, podemos verificar os seguintes tipos e contextos de eliminação de vogais:

a) Eliminação de vogal do monossílabo:

Monossílabos são palavras formadas por uma única sílaba, como apresentado anteriormente. Para esse tipo de palavra é recorrente, na escrita dos internautas, a eliminação da vogal e a manutenção da consoante, como apresentado no item 1, do referido quadro. Dentre as análises realizadas nesta pesquisa, não foi observado caso de eliminação de consoante, somente eliminação da vogal.

A manutenção da consoante dentro do contexto sintático/semântico/conversacional no qual se encontra permite ao leitor/internauta recuperar a palavra, como podemos verificar no exemplo abaixo:

1) t insuportavel esse calooor (KT-A,F)10.

A consoante t no contexto sintático, qual seja, antecedendo um adjetivo, e em um determinado contexto semântico/conversacional - a dificuldade de se suportar o calor - permite que o leitor/internauta infira que essa consoante se refere à forma reduzida tá da forma verbal está.

Vale ressaltar, todavia, que a eliminação de vogais em monossílabos não é categórica. Outras formas previstas pela ortografia co-ocorrem com a forma divergente, como exemplificado em 2 e 3:

2) capaiz q a agua da maguera ta quente tbm (KT-A,F).

3) o povo pulando nakela chuva todo mundo tava suado depois da chuva só nego molhado e refrescado (KT-A,F).

b) Eliminação de vogais em dissílabos e trissílabos.

Em palavras com duas ou três sílabas, a alteração da estrutura silábica se dá com frequência pela eliminação das vogais. É recorrente a eliminação de todas as vogais das palavras, mantendo-lhe somente as consoantes, como podemos observar no item 2, do quadro 2.

Assim, o internauta usa hj para hoje, eliminando da palavra as vogais “o” e “e”, mantendo-lhe as consoantes h e j. Assim como também na palavra gente, dentre outros casos, verificamos a eliminação da letra e que ocupa a primeira e a última sílabas, mantendo-se as consoantes gnt. A eliminação de vogais acontece tanto em sílabas tônicas quanto em sílabas átonas.

10 Estes dados referem-se à codificação dos informantes, sendo que as duas letras iniciais indicam o

internauta; a letra intermediária indica a faixa etária pesquisada (adolescentes); e, por fim, a letra final refere-se ao sexo do informante.

A partir dos dados apresentados nos itens 1 e 2, do quadro 7, podemos afirmar que a eliminação de vogais em detrimento da eliminação da consoante é um procedimento bastante frequente na construção de formas divergentes na escrita de salas de bate-papo.

A pergunta que colocamos é por que a eliminação de vogais em detrimento das consoantes?

A hipótese, aqui, levantada é a de que o conjunto de símbolos gráficos usados para representar as vogais no PB é pequeno, composto por apenas 5 símbolos: a, e, i, o, u, ao passo que o conjunto de símbolos gráficos usados para representar as consoantes é bem maior: p, t, c, r, nh, lh, s, ç, ss, z, f, v, d, g, etc. Assim, é mais fácil para o leitor recuperar o constituinte silábico eliminado dentre um conjunto pequeno de possibilidades, como é o caso do conjunto de símbolos gráficos das vogais do PB, do que recuperá-lo a partir de um espectro de possibilidades maiores, como o das consoantes.

Dessa forma, a manutenção da consoante otimiza o processo de leitura do internauta que recebe a mensagem na tela de seu computador, e, ao eliminar as vogais, o enunciador ganha velocidade de digitação sem comprometer o processo comunicativo.

Vamos trabalhar com a hipótese da eliminação das consoantes e a manutenção das vogais, e analisar , por exemplo, o que aconteceria se eliminássemos o h e j em hoje e se mantivéssemos o e e. Nesse caso, a recuperação da palavra hoje pelo leitor levaria muito mais tempo, dado o grande número de letras que podem ocupar essas posições. Dentre as possibilidades combinatórias, as letras p e d podem ocupar essas posições e formar com as vogais presentes palavras reais da língua, por exemplo. A palavra acessada, contudo, não corresponderia à palavra que realmente foi pensada ao ser digitada.

Diante disso, podemos afirmar que as eliminações dos segmentos dos grafemas pelos internautas não são realizadas caoticamente ou de forma

subjetiva. Pelo contrário, essas operações são orientadas por questões de ordens fonológica, ortográfica e de processamento mental da atividade de leitura.

Vale ressaltar que foram encontradas no nosso corpus realizações como qdo, dxo, gnte, vlw, mtas, bjah, flw, nas quais temos a manutenção da vogal final, o que não constitui, contudo, condição para que as consoantes sejam eliminadas. Assim, temos formas com eliminação de vogais, que constituem a grande maioria dos dados, mas também casos de manutenção das mesmas. Nos casos das consoantes, a sua manutenção é obrigatória, uma vez que a sua eliminação compromete o acesso da palavra no léxico mental.

Os únicos contextos de eliminação de consoante encontrados foram os casos de eliminação da marca de infinitivo, eliminação da consoante alveolar sonora de gerúndio e da marca de plural, e nos contextos de truncamento, como será visto mais adiante. Essas eliminações não devem ser consideradas abreviaturas e, sim, casos de registro da oralidade. Assim, essas ocorrências não constituem contra exemplos para a hipótese de que, na abreviatura, as consoantes são os constituintes silábicos cuja manutenção é requerida.

c) Eliminação de vogal motivada pelo princípio da acrofonia:

Os exemplos apresentados no item 3, /kbeça/, /qria/, /ksa/, /c/, /q/,

/kbça/, do quadro 7, constituem mais um subconjunto de palavras que sofrem

abreviação pela eliminação de vogais.

Ao observarmos os dados, verificamos que, em kbeça, qria, ksa, não ocorre a eliminação de todas as vogais e que a vogal eliminada é recuperada pelo nome da letra que a antecede, o que se explica pelo princípio da acrofonia, no qual se estabelece uma relação biunívoca entre os sons da fala e a escrita. Assim, o símbolo gráfico K tem um nome que recupera uma sílaba [ka], bem como o nome do símbolo gráfico q seja a sílaba [ke], t [te], etc. Então,

a rigor, só houve eliminação gráfica da vogal, pois ela se materializa na sílaba pela consoante.

d) Eliminação de vogal e consoante em polissílabos:

Os exemplos dispostos no item 4, do quadro 7, bele, churras, facul se caracterizam pela abreviação de palavras. No caso da palavra niver, acreditamos que o informante retirou da palavra principal aquela parte que é mais significativa para ele e que passa a representar a palavra toda.

Nesse sentido, as ocorrências do item 4, do quadro 2, extraídas a partir dos textos provenientes das salas de bate-papo frequentadas por adolescentes, são ocorrências muito comuns na língua falada, o que constitui um registro de oralidade e/ou de abreviação.

O truncamento, usado com frequência pelos falantes adultos e adolescentes, é mais um processo, linguisticamente previsível, utilizado pelo informante internauta para otimizar a digitação de seu texto e manter o fluxo de sua conversação na sala de bate-papo.

A eliminação de vogais é uma alteração da forma da palavra que segue padrões da ordem da fonologia, da morfologia, da ortografia. O objetivo evidente da eliminação é reduzir o número de caracteres com vistas a intensificar a sua velocidade de digitação. Essas reduções segmentais, contudo, não podem ser aleatórias e/ou subjetivas, pois, caso contrário, o leitor internauta não conseguiria recuperar a palavra e não conseguiria, consequentemente, compreender a mensagem que lhe foi enviada, comprometendo o processo de interação verbal estabelecido. E as análises realizadas até o momento mostram que, efetivamente, essas eliminações estão longe de ser arbitrárias e subjetivas.