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CAPÍTULO 3 ESTADOS SEVICIADOS PELAS SECAS: DISCURSO POLÍTICO,

3.2 ELOY DE SOUZA E A LEI EPITÁCIO PESSOA: DELIMITAÇÃO ESPACIAL NO

A ascensão de Epitácio Pessoa, a presidência da República, trouxe a possibilidade da retomada de um programa de desenvolvimento econômico para região dos “estados seviciados pelas secas”. O paraibano, que já havia esboçado interesse e apoio a questão, em um telegrama destinado a Liga Nacional Contra as Secas, foi quem “ressuscitou” o projeto de 1911. Advogado, bacharelado pela Faculdade de Direito de Recife em 1886, como tantos outros intelectuais da época, Epitácio Pessoa, teve uma trajetória política ascendente. Começou sua carreira política como deputado federal pelo seu Estado (1891 – 1893). No ano de 1898 assumiu a pasta da Justiça e Negócios Interiores, mantendo-se no cargo até 1901. Foi ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de 1092 a 1912.46

Após o término da Primeira Grande Guerra, foi convocado para chefiar a delegação brasileira na Conferência de Paz realizada em Versalhes, na França. Exercia essa função quando, em janeiro de 1919, teve seu nome escolhido a sucessão presidencial de Rodrigues

46 Informações disponíveis no Dicionário histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930 (Verbetes), sob a coordenação de Alzira Alves de Abreu/FGV. Acessível na página virtual do CPDOC – FGV, endereço eletrônico: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PESSOA,%20Epit %C3%A1cio.pdf

Alves, que havia falecido logo após sua vitória nas eleições. Sobre a escolha do nome de Epitácio Pessoa para à Presidência, Eloy de Souza afirma

Afrânio, Raul Soares e Arthur Bernardes tiveram grande atuação, mas Álvaro de Carvalho foi no Rio de Janeiro a laçadeira que mais trabalhou na costura dos remendos da política brasileira, depois do falecimento de Pinheiro Machado e do Dr. Rodrigues Alves. As reuniões entre os líderes políticos foram frequentes. Todavia não foi fácil acertar na escolha de um nome que pudesse reunir a unanimidade dos partidos.

A sugestão do nome de Epitácio Pessoa veio sem possível contestação dos chefes mineiros.(SOUZA, E., 2008, p. 299).

Havia, porém, a contraposição de Rui Barbosa, que tinha vislumbrado o cargo de Chefe da Delegação ao Congresso de Versalhes, sendo preterido em favor de Epitácio Pessoa. Não esquecendo tal acontecimento, não só negou apoio à candidatura, como lançou seu nome na chapa opositora (SOUZA, E., 2008, p. 299). A força das estruturas políticas estabelecidas na Primeira República, trouxeram a vitória a Epitácio Pessoa, sem que este nem mesmo estivesse presente no país. Vencendo as eleições em abril de 1919, retornou ao Brasil em julho do mesmo ano, para assumir a presidência da República.

A primeira medida relativa ao problema das secas, no governo de Epitácio Pessoa veio dias após sua posse. Em 09 de julho de 1919, o Decreto nº 13.687, aprovava a mudança da IOCS, para Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFCOS). O texto de regulamentação do órgão especificava a área de atuação da Inspetoria, que em sua primeira forma visava atender a “alguns Estados do Norte do Brazil”. O documento de 1919 estabelecia uma delimitação mais precisa de qual seria esse espaço de ação. E o objetivo do órgão seria,

Art. 1º A Inspectoria Federal de Obras contra as Seccas destina-se a construir obras e fomentar serviços que attenuem ou previnam os effeitos das seccas no Ceará, Rio Grande do Norte, na Parahyba, no Piauhy, em Pernambuco, Alagoas, Sergipe, na Bahia e no norte de Minas. [grifo nosso] (BRASIL, Decreto nº 13.687 de 09/07/1919)

Assim, o recorte espacial especificado no documento dava mais clareza em torno de quais seriam os territórios “estados seviciados pelas secas”. Esses em grande parte comporiam o que posteriormente será denominado oficialmente como uma região, o Nordeste. Pois, de acordo com o estudo realizado pelo professor e historiador Durval Muniz Albuquerque Junior

em seu trabalho “A invenção do Nordeste e outras artes”, o decreto que estabelecia a IFCOS marcou o início do uso institucional do termo Nordeste (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2001, p.81). Contudo, tal designação já havia sido utilizada em outros dois decretos anteriores, no ano de 1915, durante o governo de Venceslau Brás e, como pudemos bem observar, já aparecia nos discursos técnicos e políticos sobre as secas.

Os decretos nº 2.974 e nº 11.641, ambos de 15 de julho, apresentaram a “zona do nordeste assolada pela secca” para designar aquela espacialidade. O primeiro autorizando o Poder Executivo a abrir créditos extraordinários de até 5.000.000$, para serem aplicados na “zona do nordeste”. O segundo estabelecendo a abertura de um crédito extraordinário de 5.000.000$ ao Ministério da Viação e Obras Públicas para ser aplicado em obras nesta região. Assim, a delimitação espacial dantes apontada nos discursos parlamentares e técnicos agora se fazia presente nos textos institucionais. Ao espaço sob a designação de “nordeste”, mostrava- se como uma parte específica e diferenciada da região Norte. Além disso também consolidava sua identificação com as secas.

Pouco tempo depois da mudança da IOCS para IFOCS, Eloy de Souza, já como senador, foi convidado pelo presidente para “conversar sobre assuntos referentes ao Nordeste.” (SOUZA, E., 2008, p.268) Como resultado da reunião recebeu a incumbência de redigir uma mensagem ao Congresso Legislativo “em termos decisivos e concludentes” sobre o tema. Firmava-se, assim, o tão esperado reconhecimento legislativo do problema e determinava-se sua solução. As ideias estabelecidas na lei, foram as mesmas apresentadas na Câmara, em agosto de 1911, as quais, segundo Eloy de Souza, o presidente já tinha conhecimento. Afirmou ele,

Perguntei-lhe então quais eram as idéias que eu deveria mencionar como base ao projeto a ser organizado, debatido e votado pelo Poder Legislativo. Disse-me ele, então: - “Ponha as idéias do seu projeto apresentado na Câmara em agosto de 1911, porque eu não tenho outras e elas me parecem as mais adequadas ao fim em vista. (SOUZA, E., 2008, p. 268)

A mensagem concisa enviada à Câmara teve como relator o deputado Otacílio de Albuquerque, representante da Paraíba. O parecer sobre o projeto também foi redigido por um representante paraibano, o senador Cunha Pedrosa. Parte da conclusão de seu parecer, foi transcrita por Eloy de Souza, em suas Memórias. Afirmava ele,

provenientes de uma caixa especial constituindo fundo de irrigação segundo as bases calculadas no projeto de 20 de agosto de 1911 do então deputado Sr. Eloy de Souza, obra de admirável previsão política que ficou sendo ponto de partida de todas as providências capitais adotadas para a defesa eficaz do Nordeste pois assegura a continuidade de ação que a inconstância dos programas governamentais e parlamentares não têm até agora permitido. [grifo nosso] (SOUZA, E., 2008, p. 268)

O projeto foi sancionado e aprovado no dia 25 de dezembro do mesmo ano, recebendo por este motivo a denominação de Lei de Natal e posteriormente designado como Lei Epitácio Pessoa. O documento produzido por Eloy de Souza, autorizava a construção de obras necessárias a irrigação de terras cultiváveis no “nordeste brasileiro”, além de outras providencias.

A lei firmava o recorte espacial estabelecido pelo Decreto nº 13.687 de 09 de julho de 1919, ou seja, determinava que as obras estariam destinadas aos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e para o norte de Minas. Criava também uma caixa especial com a finalidade de custear as despesas de construção, conservação das obras e serviços nestes estados (BRASIL, Decreto nº 13.687 de 09/07/1919). Eloy de Souza alegava que,

Foi com estes recursos que o presidente Epitácio Pessoa organizou e iniciou a execução dos trabalhos gigantescos considerados pela engenharia nacional e internacional como indicados e insubstituíveis na solução de igual problema na Índia, nos Estados Unidos, na República da Argentina, na Argélia. (SOUZA, E., 2008, p. 269).

Os representantes dos “estados seviciados pelas secas” tiveram a possibilidade de voz e efetivação de seu programa, com a ascensão de um dos “filhos do nordeste” ao Catete. Contudo, a situação não perdurou. Logo as críticas relativas às vultuosas quantias utilizadas para as obras começaram a circular na imprensa. De acordo com Eloy de Souza, estes julgamentos foram utilizados como “arma de oposição” ao presidente e ao Inspetor da IFOCS, Arrojado Lisboa. Mesmo ante as críticas algumas das obras foram concluídas como as “[...] estradas de ferro e de rodagem e em via de execução açudes de grande capacidade destinados à irrigação no Ceará e Paraíba; sem falar no açude Gargalheiras no Rio Grande do Norte, a única grande barragem cuja construção teve prosseguimento.” (SOUZA, E., 2008, p. 269).

A regulamentação da IFCOS e da Lei Epitácio Pessoa conseguiram angariar grandes quantias para a região, valores que eram frequentemente estampados nos impressos. A cada

novo período de seca, mais quantias e mais publicidade. Contudo, as soluções propostas pelas obras não foram imediatas. O interesse, transforou-se rapidamente em desconfiança e as verbas tornavam-se, cada vez mais, motivos de disputas políticas.

Denúncias sobre aumentos orçamentários de empreiteiras, importações desnecessárias de materiais e gastos vultuosos do dinheiro público eram frequentes. Acerca disso em 03 de dezembro de 1921, em entrevista ao periódico A Noite, do Rio de Janeiro, o deputado Pamphilo de Carvalho que visitou a região em excursão política com J.J Seabra, registrou suas impressões sobre as “obras do nordéste”.

Afirmando sobre a ação da IFCOS, que segundo ele “bons serviços já estão prestando”, assinalou ter recebido queixas referentes a ganancia e interesse dos empreiteiros em aumentar as despesas atraídos “pela percentagem de 15%, que lhes cabe por clausula contratual” (A NOITE, RIO DE JANEIRO, 03/12/1921). Mesmo considerando importante a realização das obras, Carvalho, encerrando seu comentário sobre a questão apresenta uma informação em tom de denúncia. Afirma ele,

Ha, no emtanto, um facto que me parece está a merecer explicação, e que até o presente momento não logrei obter. Vi, na Alfandega de Fortaleza, onde pessoalmente fui certificar-me da informação que todos me era dada, vi, digo eu, centenas e centenas de barricadas e saccos contendo areia e pedrinhas – esses seixos roliços, que formam o leito dos nossos riachos, e importados da America do Norte! (A NOITE, RIO DE JANEIRO, 03/12/1921)

As verbas dispendidas para IFOCS, apresentava pela primeira vez na República, cifras consideravelmente altas. O que significava maior injeção de recursos nas localidades atingidas pelas secas.

QUADRO 06 – ORÇAMENTO E DESPESA DO IOCS/IFOCS (1909-1930)

GOVERNOS VALORES EM CONTOS DE REIS (valores nominais)ORÇAMENTO DESPESAS 1909 – 1914 Nilo Peçanha Hermes da Fonseca 23.736:000$000 19.517:783$802 1915 – 1918 Venceslau Brás 19.992:960$000 19. 112:027$303 1919 – 1922 Delfim Moreira Epitácio Pessoa 325.210:650$043 316.507:785$899 1923 – 1926 Artur Bernardes 105.757:003$547 87.056:275$526 1927 – 1930 Washington Luiz 64.954:057$000 35.644:119$847

FONTE: BOLETIM DA INSPETORIA FEDERAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS. VOL. 12, Nº1, JUL/SET. RIO DE JANEIRO: IFOCS.

As verbas direcionadas ao “nordeste”, acabavam por favorecer tanto a grupos políticos, quanto a empreendimentos particulares. Assim, as ações do órgão basicamente estiveram direcionadas a construção de açudes públicos e privados.

Findo o governo de Epitácio Pessoa, o apoio federal as obras reduziram drasticamente, como podemos observar no quadro acima. As críticas em relação aos gastos da IFOCS e a política do sucessor presidencial, Artur Bernardes (1923 – 1926), estabeleceu uma nova contenção de gastos e colocou novamente a região sobre o problema da falta de verbas.

A política econômica de diminuição de despesas ordinárias fez com que durante o seu governo, as verbas destinadas as obras do IFCOS fossem suspensas. Ademais o retorno da estação chuvosa a região endossava a visão de que estas não eram mais necessárias. No imaginário dos políticos sulistas se não havia secas, não havia “zona do nordeste assolada pela secca”.

Em 07 de janeiro de 1925, o decreto nº 16.769, estabelecia

Considerando que a situação do Thesouro, com cujas difuculdades vem o actual Governo lutando, desde os primeiros dias de sua existencia, o obriga a extremo rigor na politica de economia que tem adoptado e, por conseguinte, a não somente reduzir ao minimo as despezas ordinárias, mas também a adiar todas as obras e serviços extraordinários,

DECRETA:

Art. 1º Ficam suspensas, durante o exercicio financeiro de 1925, todas as obras publicas que estão sendo executadas pelos diversos ministérios.

Art. 2º Para aquellas que são objecto de contractos serão celebrados accôrdos que prorroguem os prazos de sua execução, de modo a evitar rescisões onerosas.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário. (BRASIL, Decreto nº 16.769 de 07/01/1925, p. 01)

Consideradas ordinárias as obras nos “estados seviciados pelas secas” foram mais uma vez paralisadas. De acordo com Eloy de Souza “[...] tudo foi obra de intriga e da perversidade, da maldade que encontrou execução no prestígio constitucional do presidente Artur Bernardes[...]” (SOUZA, E., 2008. p.2 70). Mesmo ante as ponderações de seu Ministro da Viação, Francisco Sá, os recursos dantes tão volumosamente destinados ao “nordeste” minguaram. Eloy ainda afirma que “vários Estados do Sul com ela se locupletaram. Só para o

Estado de Minas Gerais foram transferidos da Caixa das Secas 35.000 contos, ao que se disse na época e não foi contestado, para estradas de ferro.” (SOUZA, E., 2008. p.2 70).

Os Estados do Sul, não compreendiam a dimensão da importância dessas obras para o “nordeste”. Arrojado Lisboa, Inspetor da IFCOS, ressaltava isso em uma Conferência pronunciada na Biblioteca Nacional, em 1913, intitulada “O problema das secas”. Em suas palavras,

E’ conveniente lembrar aqui que nós de outros Estados difficilmente comprehendemos as cousas do Nordéste. Independente de outras razões a isso se oppõe, por vezes, a variabilidade da significação dos proprios termos.

Quando no Sul pronunciamos a palavra “açude” a imagem que se fórma em nossa mente é a de um lago artificial, cheio d’agua, de nível constante todo o anno, e de onde invariavelmente se desvia o liquido para tocar uma roda ou moinho. Para o homem do Nordéste a palavra tem significação muito differente que, sem explicação, ninguem no Sul será capaz de comprehender. Para o sertanejo a imagem que vem á mente ao enunciar a palavra é muito outra. E’ justamente opposta, a da vasante onde faz a sua cultura. Cultura da vasante é cousa que ninguem entende no Sul. [grifo nosso] (LISBOA, 1980, p.126)

A diferença não estava apenas estabelecida na significação dos vocábulos, mas também nos interesses econômicos entre as regiões. O Sul estava fortemente voltado para a produção cafeeira, carro chefe de nossas exportações, enquanto o “nordeste” buscava mais espaço para desenvolvimento econômico do seu “ouro branco”, o algodão. A construção discursiva dessa espacialidade no campo político, portanto procurava criar a perspectiva de uma importância econômica daquele espaço para o país. Nos debates ocorridos dentro e fora do parlamento, a ideia de nordeste foi sendo construída em torno do sertão e do combate as secas.

Um ambiente retratado com potencialidade produtiva e econômica, mas que se via gravemente prejudicado pela falta de políticas que solucionassem o problema das estiagens. Portanto, era necessário para o desenvolvimento do país “fazer cessar o êxodo desta pobre gente. Impedir que se arrastem, sofrendo vergonhas e humilhações[...]” (SOUZA, E., 2008 p.267). Era necessário acabar com os “socorros” e criar definitivamente um programa de desenvolvimento econômico para o “nordeste”.

Os discursos e projetos de Eloy de Souza fizeram parte desse movimento que uniu os “estados flagelados” em torno de um problema comum: as secas. E através dela começou-se a criar uma imagem político-discursiva da região já na primeira década do século XX. A partir

de sua atuação no campo político ele foi partícipe na construção da “zona do nordeste assolada pela secca”, mas também do “nordeste” da promessa da prosperidade agrícola e econômica.

Presente nos discursos institucionais e percebido como um espaço diferenciado do extremo Norte, o esboço do “nordeste” recebeu seus primeiros recursos federais. Apesar de não sacramentada institucionalmente, esta espacialidade, foi minimamente desenhada através das falas políticas, técnicas e dos instrumentos legislativos. A ideia de um “nordeste”, foi esboçada nos dois primeiros decênios da República, contudo, ainda seria construída e reconstruída no campo político, cientifico e literário, nos decénios seguintes. Até chegar a sua formalização territorial, vários seriam os caminhos percorridos discursiva e imaginariamente pelo “nordeste”.

As articulações realizadas no campo político nacional em torno de um programa de um desenvolvimento político-econômico dos “estados seviciados pelas secas”, do qual Eloy de Souza foi participe, foi parte importante nessa construção. De tal modo, quando nos deparamos com a atividade política de Eloy de Souza, deparamo-nos também com a trajetória discursivo e imagética deste espaço. Ainda não formalizado, mas esboçado nas mais sutis expressões, formulado através nos mais variados discursos e, sobretudo, elaborado sob o estigma das secas.

CONCLUSÃO

Nosso trabalho buscou contribuir para a compreensão do fenômeno de elaboração do Nordeste, buscando fomentar novos estudos sobre a construção deste espaço, - do sertão, das secas, da promessa de desenvolvimento econômico -, mas também de tantos outros que são construídos e reconstruídos a partir dos discursos políticos, do imaginário popular, da literatura e do mundo acadêmico. Onde a imagem e a ideia de uma espacialidade nordestina tiveram e até hoje tem no meio acadêmico muitas abordagens. Nesse âmbito, aqui, apresentamos mais um dos caminhos que levaram a esta construção.

Erigimos o discurso político como parte do processo de formulação do Nordeste. Traçamos a trajetória de vida pública de Eloy Castriciano de Souza como base para a compreensão da elaboração dos “estados seviciados pelas secas” como uma espacialidade definida e recortada dentro da região Norte. Estabelecendo a relação existente entre o discurso político e a espacialidade nordestina, a partir da trajetória de vida pública desse personagem, que representou um dos estados interessados nesse processo, o Rio Grande do Norte.

Assim, aliamos a trajetória Eloy de Souza, a própria trajetória discursiva de elaboração do Nordeste como uma região. Partindo da atuação deste sujeito, que como político e intelectual interessado em um projeto de desenvolvimento econômico da região, que construiu discursivamente uma imagem deste espaço já na primeira década do século XX. Elaboração realizada a partir de seus discursos parlamentares sobre a temática das estiagens, com os quais nos apropriamos como forma de constituirmos um olhar sobre o Nordeste, a seca, a vida política do Rio Grande do Norte. Neste âmbito podemos observar à correlação existente entre o nacional, o regional e o local, na configuração dos espaços.

Junto às memórias de Eloy de Souza, observamos sua trajetória de vida, em conjunto com à sua socialização no espaço político social norte-rio-grandense, a partir de sua história familiar. Eloy de Souza veio de uma família de cor, contudo, possuidora de bens e relações políticas. Cursou a Faculdade de Direito de Recife, uma das instituições formadoras de políticos. Fatos que lhe delegaram a atenção de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, líder e articulador político do Rio Grande do Norte, que tinha como característica agregar colaboradores que pudessem levar adiante projetos de interesse do estado e de sua “organização familiar”.

Aliado a interesses locais, a partir de sua relação com a “organização familiar” Albuquerque Maranhão, sob a figura articuladora de Pedro Velho, este sujeito teve sua inserção no campo político norte-rio-grandense. Dessa participação Eloy de Souza, obteve a

possibilidade de enraizar-se na política local e nacional. Registrando suas vivências em suas

Memórias, das quais encontramos diversas referências sobre as “tramas” políticas existentes

na Primeira República. Pois, partindo dos interesses do grupo que representava, ele formulou suas ideias acerca de uma solução para o problema das secas. Identificado como o entrave para o desenvolvimento econômico não só do estado que representava, Rio Grande do Norte, mas de todos aqueles que eram acometidos sucessivamente por elas.

Ideias essas que foram esboçadas desde seu primeiro discurso como deputado federal, em 1906. Nele tentou angariar verbas para o Rio Grande do Norte, mas sobretudo, fez apontamentos sobre a identidade de uma regionalidade a qual este estado pertencia. Atrelou o desenvolvimento econômico dos “estados seviciados pelas secas” à solução do problema das estiagens e esse ao próprio desenvolvimento nacional. Eloy passou a infância entre Rio grande do Norte e Pernambuco, presenciando as agruras dos sertões. Na qual as atuações econômicas de seu avô e de seu pai foram as que inseriram sua família no estado. Teve proximidade desde criança com as “tramas” políticas, por intermédio da participação de seu pai no Partido Liberal, bem como em sua formação acadêmica, por intermédio das discussões políticas que